Inquéritos policiais e ações penais em tramitação não podem ser considerados fatores para a exasperação da pena-base

Decidiu a Quarta Turma do TRF 1ª Região dar parcial provimento à apelação de dois homens acusados de utilizarem documentação falsa para implantar benefício previdenciário (pensão por morte). O recurso foi contra a sentença, do Juízo Federal da 5ª Vara da Seção Judiciária de Mato Grosso, que julgou procedente a denúncia para condenar os réus, incursos nas penas do art. 171, § 3º, do CP, a pena de dois anos e quatro meses de reclusão e 26 dias-multa à razão de 1/30 do salário mínimo.

Em sua apelação, argumentou o servidor do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que também foi enganado pelos documentos falsos a ele apresentados. Que o próprio juiz a quo relacionou o procedimento correto a ser observado antes da concessão da aposentadoria e verificou que esse procedimento não foi observado por negligência dele. Argumentou, também, não existirem provas de que tenha obtido para si vantagem ilícita.

Já o segundo réu, um empresário, fundamentou sua alegação sob a razão de que não ficou comprovado que ele tenha confeccionado ideologicamente falso e que os tenha utilizado. Por fim, sustentou não ter recebido os benefícios previdenciários e que esses benefícios eram direcionados a pessoa inexistente e que, sendo assim, a sentença condenatória peca pela incoerência na análise fática e deve ser reformada.

Ao analisar a questão, o relator, desembargador federal Néviton Guedes, destacou que a materialidade do crime ficou comprovada nos autos, mas, no que tange à dosimetria da pena, o Direito Penal brasileiro adota o critério trifásico, elaborado por Nélson Hungria, conforme extraído do art. 68 do CP. Segundo o magistrado, nesse sistema há de serem observadas três etapas. Na primeira, calcula-se a pena-base conforme as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP. Na segunda, aplicam-se as atenuantes e agravantes que porventura venham a existir. Por fim, na terceira fase, levam-se em conta eventuais causas de aumento e diminuição da pena. Portanto, “na espécie dos autos, não obstante a margem de discricionariedade de que dispõe o magistrado para a fixação da pena, merece reforma a dosimetria”.

Para o magistrado, os antecedentes dos réus não podem ser considerados desfavoráveis apesar de sua extensa folha corrida, pois, de acordo com a Súmula 444 do STJ, inquéritos policiais e ações penais em tramitação não podem ser considerados como fatores para a exasperação da pena-base como foi considerado pelo juiz de primeira instância. Assim, de acordo com o relator, deve ser fixada a “pena-base dos réus em 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão e 18 (dezoito) dias-multa, à razão de um trigésimo do salário mínimo para cada dia-multa”.

O desembargador federal explicou que, ausentes causas atenuantes ou agravantes, conforme previsto no § 3° do art. 171 do CP, eleva-se a pena em 1/3, resultando em 2 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão e 24 dias-multas, a razão de um trigésimo de salário mínimo. “A sentença merece ser reformada também no tocante ao valor fixado para reparação dos danos causados pela infração (art. 387, inciso IV, do CPP). Isso porque não é possível a imposição de tal indenização, nos termos do art. 387, IV, do CPP, com a redação da Lei 11.719, de 20/06/2008, porquanto os fatos delitivos ocorreram antes da edição dessa norma, em 2000, devendo ser observado, na hipótese, o princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa”, finalizou o magistrado.

O recurso ficou assim ementado:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO (ART. 171, §3º, DO CÓDIGO PENAL). AUTORIA, MATERIALIDADE E ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO COMPROVADOS. REPARAÇÃO CIVIL DO DANO. NÃO CABIMENTO (ART. 387, IV, DO CPP). PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS GRAVOSA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.

1. Apelações interpostas pelos réus em face de sentença que julgou procedente a denúncia para condená-los como incursos nas penas do art. 171, §3º, do CP. As penas dos réus foram definitivamente fixada em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e multa de 26 (vinte e seis) dias-multa à razão de 1/30 (um trigésimo) de salário mínimo.

2. Houve conversão da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, ambas pelo prazo de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses. À luz do art. 387, IV, do CPP, fixou-se o valor de R$ 8.628,30 (oito mil, seiscentos e vinte e oito reais e trinta centavos).

3. Segundo a denúncia, Manoel Mariano Sobrinho, utilizando-se de documentação falsa na intenção de obter pensão por morte de sua esposa, em detrimento do INSS, sendo auxiliado por Uízio Ferreira da Silva e Luiz Medeiros da Silva (art. 171, §3º, do CP).

4. No estelionato previdenciário, é necessário que esteja presente o elemento subjetivo do tipo, consistente na vontade do agente de se apropriar de vantagem ilícita pertencente a outrem, causando prejuízo, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento. Aplica-se a causa de aumento do parágrafo terceiro quando o crime é cometido contra entidade de direito público.

5. A sentença não merece reparos. Da análise dos autos, o robusto conjunto probatório deixou demonstrada, isenta de dúvida, a materialidade, a autoria do delito, bem como o elemento subjetivo do tipo. Os elementos de prova aqui presentes são mais do que suficientes para certificar que os acusados infringiram o disposto no art. 171, § 3º do CP.

6. Comprovam a materialidade e a autoria do delito o requerimento de beneficio previdenciário (pensão por morte), o resumo dos documentos para cálculo de tempo de serviço, as certidões de óbito e de casamento, a relação dos salários de contribuição e discriminação das parcelas do salário de contribuição relativas à empresa Transportadora Nobres Ltda., bem como os depoimentos das testemunhas.

7. Dosimetria. O magistrado “a quo” julgou a culpabilidade intensa, os antetecedentes altamente desfavoráveis, os motivos reprováveis e as consequências do crime gravísssimas. Assim, fixou a pena-base em 01 (um) ano e 09 (nove) meses de reclusão e multa de 20 (vinte) dias-multa a razão de um trigésimo de salário mínimo para cada dia-multa.

8. Ante a causa especial de aumento prevista no § 3° do art. 171 do CP, pelo qual elevou a pena em um terço resultando em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e multa de 26 (vinte e seis) dias-multa a razão de um trigésimo de salário mínimo. O regime é o aberto.

9. Atendendo à nova redação do art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, determinou a reparação do prejuízo causado aos cofres do INSS. Assim, fixou o valor de R$ 8.628,30 (oito mil, seiscentos e vinte e oito reais e trinta centavos), referente à manutenção irregular do benefício, no período de 23/06/2000 a 31/12/2000.

10. Não obstante a margem de discricionariedade de que dispõe o magistrado para a fixação da pena, merece reforma a dosimetria.

11. Os antecedentes dos réus não podem ser considerados desfavoráveis apesar de sua extensa folha corrida, pois de acordo com a Súmula 444 do STJ inquéritos policiais e ações penais em tramitação não podem ser considerados como fatores para a exasperação da pena-base. Assim, fixo pena-base dos réus em 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão e 18 (dezoito) dias-multa, a razão de um trigésimo de salário mínimo para cada dia-multa. Ausentes causas atenuantes ou agravantes.

12. Presente a causa especial de aumento prevista no § 3° do art. 171 do CP, pelo qual elevo a pena em 1/3 (um terço) resultando em 02 (dois) anos e 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 24 (vinte e quatro) dias-multa, a razão de um trigésimo de salário mínimo.

13. A sentença merece ser reformada também no tocante ao valor fixado para reparação dos danos causados pela infração (art. 387, inciso IV, do CPP). Isso porque não é possível a imposição de tal indenização, nos termos do art. 387, IV, do CPP, com a redação da Lei 11.719, de 20/06/2008, porquanto os fatos delitivos ocorreram antes da edição dessa norma, em 2000, devendo ser observado, na hipótese, o princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa.

14. Apelação a que se dá parcial provimento para reduzir as penas dos réus para 02 (dois) anos e 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 24 (vinte e quatro) dias-multa, e excluir da condenação a imposição de reparação de dano.

Com esses argumentos, o Colegiado acompanhou o voto do relator.

Processo: 0020342-48.2011.4.01.3600

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