Imóvel de instituição financeira em liquidação extrajudicial não é passível de usucapião

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o imóvel de propriedade de instituição financeira que se encontra em regime de liquidação extrajudicial é insuscetível de usucapião.

A decisão teve origem em ação de usucapião proposta por dois autores contra instituição financeira em processo de liquidação extrajudicial, sob a alegação de que há mais de nove anos ocupavam de forma mansa, pacífica e incontestada o bem pertencente à empresa.

Na primeira instância, o pedido foi negado ao fundamento de que a decretação da liquidação extrajudicial, com a consequente indisponibilidade dos bens da instituição, determinada pelo artigo 36 da Lei 6.024/1974 para a proteção dos interesses dos credores, impede a fluência do prazo da usucapião. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

No STJ, os autores da ação sustentaram que a indisponibilidade de que trata a Lei 6.024/1974 atingiria apenas o devedor e alegaram, ainda, que a suspensão a que se refere a legislação alcançaria somente os prazos prescricionais das obrigações da liquidanda, de modo que não se poderia falar em impossibilidade de usucapião em virtude da liquidação extrajudicial.

Situação da liquidação extrajudicial é semelhante à da falência

A relatoria foi do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Segundo o magistrado, a Terceira Turma já se pronunciou em caso análogo que envolvia a pretensão de reconhecimento de usucapião de imóvel que compunha a massa falida, à luz da antiga Lei de Falências (Decreto-Lei 7.661/1945).

Ele destacou que, naquela ocasião, o colegiado entendeu que o curso da prescrição aquisitiva da propriedade de bem que compõe a massa falida é interrompido com a decretação da falência, pois o possuidor (seja ele o falido ou terceiros) perde a posse pela incursão do Estado na sua esfera jurídica.

“Na liquidação extrajudicial de instituição financeira, a exemplo do que ocorre no processo falimentar, cujas disposições contidas na Lei de Falências têm aplicação subsidiária por força do artigo 34 da Lei 6.024/1974, ocorre a formação de um concurso universal para o qual concorrem todos os credores, e no qual se procura garantir-lhes um tratamento igualitário na satisfação dos créditos, por intermédio de seu patrimônio remanescente unificado”, esclareceu.

Preservação do patrimônio da liquidanda é essencial para futura satisfação dos credores

Cueva ponderou que o acolhimento do pedido na ação de usucapião acarreta perda patrimonial imediata, ou seja, perda da propriedade do imóvel, gerando enorme prejuízo para os credores.

“Permitir o curso ou o ajuizamento de ações de usucapião após a decretação da liquidação extrajudicial acabaria por permitir o esvaziamento do patrimônio da instituição financeira em detrimento dos credores”, afirmou o magistrado.

Outro ponto destacado pelo relator é que a aquisição da propriedade pela via da usucapião pressupõe a inércia do proprietário em reaver o bem. No caso da liquidação extrajudicial, o ministro salientou que não se pode atribuir inércia ao titular do domínio que, a partir da decretação da medida, não conserva mais todas as faculdades inerentes à propriedade: usar, fruir e dispor livremente da coisa.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. BEM IMÓVEL. PROPRIEDADE. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL. DECRETAÇÃO. EFEITOS. INDISPONIBILIDADE. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. PRAZO. FLUÊNCIA. INTERRUPÇÃO. PROPRIETÁRIO. INÉRCIA. NÃO OCORRÊNCIA.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Na origem, cuida-se de ação de usucapião proposta contra instituição financeira em processo de liquidação extrajudicial, objetivando o reconhecimento de domínio do imóvel, julgada improcedente em primeiro grau, com sentença mantida em apelação.
3. Cinge-se a controvérsia a definir se os bens pertencentes a instituição financeira em processo de liquidação extrajudicial estão sujeitos à aquisição por usucapião.
4. O bem imóvel de propriedade de instituição financeira que se encontra em regime de liquidação extrajudicial é insuscetível de usucapião.
5. Na liquidação extrajudicial de instituição financeira, a exemplo do que ocorre no processo falimentar, cujas disposições contidas na Lei de Falências têm aplicação subsidiária por força do artigo 34 da Lei nº 6.024/1974, ocorre a formação de um concurso universal de credores que buscam satisfazer seus créditos de forma igualitária por intermédio do patrimônio remanescente unificado (princípio da par conditio creditorum).
6. Da mesma forma que ocorre no processo falimentar, a decretação da liquidação extrajudicial obsta a fluência do prazo da prescrição aquisitiva sobre bens inseridos na universalidade de bens já marcados pela indisponibilidade, pois, apesar de suscetíveis de comercialização, só podem ser alienados em certas circunstâncias, com o objetivo de atender aos interesses econômicos e sociais de determinadas pessoas.
7. A aquisição da propriedade pela via da usucapião pressupõe a inércia do proprietário em reaver o bem, que não pode ser imputada ao titular do domínio que, a partir da decretação da liquidação extrajudicial, não conserva mais todas as faculdades inerentes à propriedade: usar, fruir e dispor livremente da coisa.
8. Recurso especial não provido.

Leia o acórdão do REsp 1.876.058.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1876058

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