Nas ações civis públicas propostas por associação que atua como substituta processual de consumidores, têm legitimidade para liquidação e execução da sentença todos os beneficiados pela procedência do pedido, independentemente de serem filiados à entidade autora.
O entendimento foi fixado pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sob o rito dos recursos especiais repetitivos (Tema 948). Com a tese, poderão ter seguimento os recursos especiais e agravos em recurso especial cuja tramitação estava suspensa pelo colegiado.
“Não há como exigir dos consumidores a prévia associação como requisito para o reconhecimento da legitimidade para executar a sentença coletiva. Se o título já foi formado, com resultado útil, cabe ao consumidor dele se apropriar, exigindo seu cumprimento; é o tão aclamado transporte in utilibus da coisa julgada coletiva”, afirmou o relator dos recursos repetitivos, ministro Raul Araújo.
Representação e substituição
O ministro explicou que a ação coletiva originária apenas inicia a formação da relação jurídica obrigacional, fixando a certeza do dever de prestação e a figura do devedor. Assim, afirmou, somente com a posterior liquidação individual da sentença coletiva genérica é que se poderá estabelecer a relação jurídica em sua totalidade, identificando-se os credores e fixando-se os valores devidos.
Ele também destacou que a atuação das associações em processos coletivos pode ocorrer de duas maneiras: por representação processual (legitimação ordinária), nos termos do artigo 5º da Constituição; e por meio de ação coletiva substitutiva, quando a associação age por legitimação legal extraordinária, nos termos da Lei 7.347/1985 e, em especial, do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
No caso das ações coletivas por representação processual, o relator lembrou que o Supremo Tribunal Federal já decidiu que a filiação é necessária para a legitimação posterior na execução de sentença – tese que, entretanto, não alcança a hipótese de substituição processual.
Autorização dispensada
Além disso, Raul Araújo ressaltou que o CDC legitimou, para atuar judicialmente na defesa dos direitos dos consumidores, as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que tenham essa missão entre as suas finalidades institucionais – sendo dispensada, em tal caso, a autorização de assembleia e a relação dos associados.
Essa ação, afirmou o ministro, é proposta pela associação em nome próprio para a defesa dos interesses dos prejudicados ou de seus sucessores, o que caracteriza a substituição processual.
Segundo o magistrado, haveria pouca utilidade se a sentença coletiva proferida em ação civil pública manejada por associação que contasse com pequeno número de filiados tivesse efeito apenas para estes – situação que frustraria o espírito do CDC, que é facilitar a defesa judicial do consumidor e desafogar o Judiciário.
“Exigir na execução que o consumidor tenha prévia filiação, quiçá desde o protocolo da inicial, equivale a prescrever requisito não previsto em lei para o próprio manejo da ação civil pública”, concluiu o ministro ao fixar a tese repetitiva.
O recurso paradigma ficou assim ementado:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (CPC, ART. 927). AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CADERNETAS DE POUPANÇA. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. AÇÃO PROPOSTA POR ASSOCIAÇÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (IDEC) EM FACE DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA SUCEDIDA POR OUTRA. DISTINÇÃO ENTRE AS RAZÕES DE DECIDIR (DISTINGUISHING) DO CASO EM EXAME E AQUELAS CONSIDERADAS NAS HIPÓTESES JULGADAS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RE 573.232⁄SC E RE 612.043⁄PR). TESE CONSOLIDADA NO RECURSO ESPECIAL. NO CASO CONCRETO, RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.1. Na hipótese, conforme a fundamentação exposta, não são aplicáveis as conclusões adotadas pelo colendo Supremo Tribunal Federal, nos julgamentos dos: a) RE 573.232⁄SC, de que “as balizas subjetivas do título judicial, formalizado em ação proposta por associação, é definida pela representação no processo de conhecimento, presente a autorização expressa dos associados e a lista destes juntada à inicial”; e b) RE 612.043⁄PR, de que os “beneficiários do título executivo, no caso de ação proposta por associação, são aqueles que, residentes na área compreendida na jurisdição do órgão julgador, detinham, antes do ajuizamento, a condição de filiados e constaram da lista apresentada com a peça inicial”.2. As teses sufragadas pela eg. Suprema Corte referem-se à legitimidade ativa de associado para executar sentença prolatada em ação coletiva ordinária proposta por associação autorizada por legitimação ordinária (ação coletiva representativa), agindo a associação por representação prevista no art. 5º, XXI, da Constituição Federal, e não à legitimidade ativa de consumidor para executar sentença prolatada em ação coletiva substitutiva proposta por associação, autorizada por legitimação constitucional extraordinária (p. ex., CF, art. 5º, LXX) ou por legitimação legal extraordinária, com arrimo, especialmente, nos arts. 81, 82 e 91 do Código de Defesa do Consumidor (ação civil pública substitutiva ou ação coletiva de consumo).3. Conforme a Lei da Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor, os efeitos da sentença de procedência de ação civil pública substitutiva, proposta por associação com a finalidade de defesa de interesses e direitos individuais homogêneos de consumidores (ação coletiva de consumo), beneficiarão os consumidores prejudicados e seus sucessores, legitimando-os à liquidação e à execução, independentemente de serem filiados à associação promovente.4. Para os fins do art. 927 do CPC, é adotada a seguinte Tese: “Em Ação Civil Pública proposta por associação, na condição de substituta processual de consumidores, possuem legitimidade para a liquidação e execução da sentença todos os beneficiados pela procedência do pedido, independentemente de serem filiados à associação promovente.”5. Caso concreto: negado provimento ao recurso especial.
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