A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou o entendimento de que o beneficiário idoso que perde a condição de dependente, por ter sido excluído a pedido do titular depois de mais de dez anos de contribuição, tem o direito de assumir a titularidade do plano de saúde coletivo por adesão, desde que arque com o respectivo custeio.
O colegiado permitiu que uma beneficiária com mais de 70 anos de idade mantivesse o plano de saúde coletivo por adesão, no qual figurava como dependente do ex-marido. Após o divórcio, ela foi excluída a pedido do titular, mesmo já tendo contribuído por quase 20 anos quando a ação judicial foi proposta.
Com a decisão, foi mantido o acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), que entendeu ser possível a transferência de titularidade do plano de saúde aos dependentes idosos, ainda que o plano seja coletivo por adesão. O tribunal também afirmou que a exclusão da dependente idosa, obrigando-a a contratar novo plano de saúde, afrontaria os princípios da confiança, da boa-fé contratual e da dignidade da pessoa humana.
No recurso especial apresentado ao STJ, a operadora de planos de saúde argumentou que, como o contrato de prestação de serviços médicos é personalíssimo, seria vedada a transferência da sua titularidade para terceiros. Além disso, acrescentou a recorrente, a idosa não teria vínculo com a entidade contratante e, por isso, não lhe seria possível manter o contrato coletivo ao qual seu ex-marido havia aderido.
Plano de saúde coletivo segue normas diferentes
A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, explicou que, de acordo com a Resolução 195/2009 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), os planos privados de assistência à saúde individual ou familiar são de livre adesão de beneficiários, pessoas naturais, com ou sem grupo familiar.
Já os planos de saúde coletivos são voltados para um grupo delimitado e vinculado a pessoa jurídica – vínculo que pode ser por relação empregatícia ou estatutária, como nos contratos empresariais, ou por relação de caráter profissional, classista ou setorial, como nos contratos por adesão.
A relatora destacou que, de acordo com o artigo 5º, parágrafo 2º, e com o artigo 9º, parágrafo 2º, da Resolução ANS 195/2009, nos planos de saúde coletivos, é exigida a presença do vínculo entre o titular e a pessoa jurídica contratante. Sem esse vínculo, não é admitida a adesão da família do titular ao plano de saúde.
Além disso, Nancy Andrighi apontou que o artigo 18, parágrafo único, inciso II, da resolução da ANS estabelece que, se houver perda do vínculo do titular com a pessoa jurídica contratante, ou da condição de dependência, é autorizada a suspensão da assistência ou a exclusão do beneficiário diretamente pela operadora.
Segundo a ministra, essa autorização depende de previsão em regulamento ou contrato, e é ressalvada no caso disposto nos artigos 30 e 31 da Lei 9.656/1998 – que dizem respeito à rescisão ou à exoneração do contrato de trabalho sem justa causa.
Apesar disso, a relatora ressaltou que, no caso analisado, o contrato de plano de saúde coletivo por adesão permanece vigente, pois não houve rompimento do vínculo do titular com a pessoa jurídica contratante ou com a operadora, mas sim a perda, pela beneficiária, de sua condição de dependente devido ao divórcio, o que justificou o pedido do titular para excluí-la.
Idoso dependente de plano é consumidor hipervulnerável
Nancy Andrighi salientou que, quando o dependente tiver idade avançada, as normas serão interpretadas à luz do Estatuto da Pessoa Idosa (Lei 10.741/2003), devendo sempre ser considerada a sua situação de consumidor hipervulnerável.
A relatora também afirmou que a Lei 9.656/1998 evidencia a necessidade de haver tratamento diferenciado e mais cuidadoso ao idoso beneficiário do serviço de assistência privada à saúde. Para ela, o dispositivo expressa a preocupação do legislador em preservar o contrato de assistência à saúde do aposentado, considerando, justamente, a sua extrema dependência do serviço e a notória dificuldade de nova filiação em razão da idade.
Ao negar provimento ao recurso, a ministra destacou que “essa solução assegura a assistência à saúde da pessoa idosa, sem implicar alteração do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, na medida em que há, apenas, a transferência da titularidade do plano e dos respectivos custos para quem já pertencia ao grupo de beneficiários”.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚM. 284/STF. FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO. SÚM. 283/STF. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚM. 211/STJ. PLANO DE SAÚDE COLETIVO POR ADESÃO. PEDIDO DE EXCLUSÃO DA DEPENDENTE IDOSA APÓS DIVORCIAR-SE DO TITULAR. ASSUNÇÃO DA TITULARIDADE DO CONTRATO. POSSIBILIDADE.
1. Ação de obrigação de fazer c/c compensação por dano moral ajuizada em 08/04/2019, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 27/10/2021 e concluso ao gabinete em 23/03/2022.
2. O propósito recursal consiste em decidir sobre a revelia e sobre a possibilidade de a beneficiária idosa, que perdeu a condição de dependente após divorciar-se do titular, assumir a titularidade do plano de saúde coletivo por adesão.
3. É inviável o recurso especial em que não se aponta violação de qualquer dispositivo infraconstitucional (súm. 284/STF).
4. A existência de fundamento não impugnado – quando suficiente para a manutenção das conclusões do acórdão recorrido – impede a apreciação do recurso especial (súm. 283/STF).
5. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial (súm. 211/STJ).
6. À luz do disposto no art. 16 da Lei 9.656/1998, nos termos da regulamentação dada pela Resolução ANS 195/2009, diferentemente dos planos privados de assistência à saúde individual ou familiar, que são de “livre adesão de beneficiários, pessoas naturais, com ou sem grupo familiar” (art. 3o), os planos de saúde coletivos são prestados à população delimitada, vinculada à pessoa jurídica, seja esse vínculo “por relação empregatícia ou estatutária” (art. 5o), como nos contratos empresariais, seja por relação “de caráter profissional, classista ou setorial” (art. 9o), como nos contratos por adesão.
7. O art. 18, parágrafo único, II, da Resolução Normativa 195/2009 da ANS, estabelece que a perda do vínculo do titular com a pessoa jurídica contratante, ou da condição de dependência, desde que previstos em regulamento ou contrato, e ressalvado o disposto nos artigos 30 e 31 da Lei 9.656/1998, autoriza a suspensão da assistência ou a exclusão do beneficiário diretamente pela operadora, nos contratos de plano de saúde coletivo. Afastada a incidência da súmula normativa 13/ANS.
8. Em se tratando de dependente idoso, a interpretação das normas de regência há de ser feita sob as luzes do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) e sempre considerando a sua peculiar situação de consumidor hipervulnerável, evidenciada em diversas passagens na Lei 9.656/1998, nas quais é expressa a preocupação do legislador com a necessidade de preservação do contrato de assistência à saúde.
9. O beneficiário idoso, que perde a condição de dependente por ter sido excluído a pedido do titular, depois de mais de 10 anos de contribuição, tem o direito de assumir a titularidade do plano de saúde coletivo por adesão, desde que arque com o respectivo custeio.
Precedentes.
10. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, desprovido, com majoração de honorários.
Leia o acórdão no REsp 1.986.398.