Critério etário é considerado discriminatório
Um eletricitário de Porto Alegre (RS) deverá ser reintegrado à Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica (CEEE) após ser demitido porque estaria apto a se aposentar por idade. Em crise financeira, a empresa afirmava que a dispensa atendia a necessidade de redução da folha de pagamento. Mas, para a Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho, ficou caracterizada a discriminação em razão da idade.
Aposentadoria
O eletricitário, que trabalhou por 20 anos na companhia, disse, na ação trabalhista, que, em junho de 2015, a empresa demitiu 110 pessoas, sob a alegação de estar enfrentando dificuldades econômico-financeiras. As escolhidas, segundo ele, foram as que tinham idade para se aposentar pelo INSS. Para o empregado, a empresa adotara esse critério para mascarar sua intenção de afastar pessoas com determinada idade.
Crise
Em defesa, a CEEE justificou as demissões com a crise do setor elétrico nacional na época e com a dificuldade de manter seu contrato de concessão como distribuidora de energia elétrica. A empresa afirmou ter firmado termo aditivo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que a obrigava a cumprir a meta de sustentabilidade econômica-financeira.
Medidas duras
A empresa reconheceu ter tomado medidas duras, com a redução do seu quadro de pessoal, mas as considerou indispensáveis ao seu realinhamento econômico, e as pessoas desligadas seriam as que, no seu entender, representariam a máxima oportunidade de redução de despesas com o menor dano social, pois teriam outra fonte de renda permanente.
Medidas
O juízo da 7ª Vara do Trabalho de Porto Alegre (RS) e o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região indeferiram o pedido de reintegração. A avaliação foi de que não houve discriminação por idade, pois a empresa havia demonstrado sua precariedade financeira, “sendo a redução do seu quadro de pessoal uma das alternativas”. Em reforço a sua tese, o TRT observou que o empregado não fora substituído.
Abuso e ilegalidade
Para o ministro Agra Belmonte, relator do recurso de revista do eletricitário, não há, de acordo com os fatos descritos pelo TRT, outra conclusão se não a de que a empresa pretendeu desligar empregados com idade avançada do seu quadro de pessoal. Segundo ele, houve ilegalidade e abuso de direito na conduta da CEEE, sob o pretexto do menor dano social.
O ministro prossegue afirmando que a nulidade da dispensa e a reintegração são impositivas, “sob pena de considerar o empregado, após longos anos de dedicação ao trabalho, como mero custo a ser extirpado do balanço financeiro-contábil da empresa”.
O recurso ficou assim ementado:
ACÓRDÃO DO REGIONAL PUBLICADO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017.
I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACÓRDÃO DO REGIONAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Deixa-se de analisar a preliminar nesta fase processual, em face da possibilidade de conhecimento do recurso de revista quanto ao tema de mérito.
II – RECURSO DE REVISTA. PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACÓRDÃO DO REGIONAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Deixa-se de apreciar a preliminar de nulidade por negativa de prestação jurisdicional arguida por vislumbrar êxito na análise do mérito recursal, conforme autorizado pelo art. 282, § 2º, do CPC/2015.
DISPENSA COLETIVA BASEADA EM CRITÉRIO DE APOSENTADORIA E APTIDÃO PARA A APOSENTADORIA . A lide versa sobre o reconhecimento de possível dispensa discriminatória em razão da idade. A Corte Regional manteve a r. sentença que considerou válida a dispensa do reclamante, ao fundamento de que “a motivação adotada pela reclamada para proceder à dispensa do autor não foi discriminatória visto que aplicado o critério do menor impacto” (pág. 2.169), considerando, ainda, que ficou demonstrada a precariedade financeira do grupo econômico, apta a ensejar as dispensas ocorridas. O quadro fático retratado pelo Regional revela que o reclamante foi admitido em 17/12/1986 e dispensado sem justa causa em 28/3/2006, quando a empresa promoveu uma dispensa coletiva de 110 empregados, cuja motivação se assentou na “sustentabilidade econômico-financeira da Companhia reclamada, que alega, em defesa, a necessidade de redução da folha de pagamento, optando, para tanto, selecionar pessoas que tivessem renda e sustento (INSS e complementação de aposentadoria) como alternativa de menor impacto social.” (pág. 2.161). O Regional salientou, ainda, que o critério utilizado fundou-se no menor dano-social e não em critério de discriminação pela idade, salientando que “empregados com idades aproximadas obtiveram tratamento diferente, conforme estivessem ou não em condições de se aposentar, ou já aposentados.”. O art. 1º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos determina que “os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.” . A Convenção 111 da OIT sobre discriminação em matéria de emprego e ocupação, por sua vez, dispõe que os Estados-membros para os quais esta convenção se encontre em vigor devem formular e aplicar uma política nacional que tenha por fim promover, por métodos adequados às circunstâncias e aos usos nacionais, a igualdade de oportunidade e de tratamento em matéria de emprego e profissão, com objetivo de eliminar toda discriminação nessa matéria. O art. 6º da Convenção 168 da OIT, relativa à promoção do emprego e proteção contra o desemprego, dispõe: “Todos os Membros deverão garantir a igualdade de tratamento de todas as pessoas protegidas, sem discriminação com base na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional, nacionalidade, origem étnica ou social, deficiência ou idade.” O art. 1º da Lei Federal 9.029/95, por sua vez, veda a adoção de quaisquer práticas discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, dentre outros. As empresas estatais, quando atuam na exploração de atividade econômica, submetem-se a regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários. Assim, não passam ao largo da proibição de prática de conduta discriminatória, conforme se extrai do art. 173, §1º, da Constituição Federal. Do arcabouço jurídico elencado, observa-se a notável ” diretriz geral vedatória de tratamento diferenciado à pessoa em virtude de fator injustamente qualificante “, máxime no âmbito das relações trabalhistas. Na hipótese dos autos, é assente que a saída do autor foi resultante de dispensa coletiva que recaiu sobre os empregados já aposentados ou na iminência de se aposentar, justificada pela existência de fonte de renda diversa. Segundo posto no voto vencido, “é evidente, no caso, que a recuperação da sustentabilidade econômico financeira das reclamadas não dependia da redução da folha de pagamento. Com efeito, a documentação juntada aos autos demonstra que a dita sustentabilidade já havia sido recuperada antes da despedida do autor. ” Não erige do v. acórdão recorrido outra conclusão se não a de que a ora ré pretendeu desligar empregados com idade avançada de seu quadro funcional. São notórios a ilegalidade e o abuso de direito no ato perpetrado pela CEEE, sendo insofismável então que a idade avançada do autor se constituiu como único fator para seu desligamento, sob o pretexto de que o critério utilizado fundou-se no menor dano-social, importando ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana, não havendo como ser chancelado pelo Poder Judiciário, impondo a declaração de sua nulidade, sob pena de considerar o empregado, após longos anos de dedicação ao trabalho, como mero custo a ser extirpado do balanço financeiro/contábil da empresa. Portanto, o v. acórdão recorrido, mediante o qual se concluiu que a dispensa do reclamante não possui caráter discriminatório, não sendo passível de reconhecimento de nulidade , não se mostra consentâneo com a jurisprudência do c. TST e com o ordenamento jurídico. Conheço, pois, do recurso de revista por afronta aos arts. 1º, III, da Constituição Federal e 373-A, II, da CLT .
A decisão foi unânime.
Processo: RRAg-20665-84.2017.5.04.0008