A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais podem praticar acupuntura, quiropraxia e osteopatia, além de fisioterapia e terapia ocupacional do trabalho. Porém, o colegiado considerou ilegais trechos de resoluções do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Coffito) que permitiam a esses profissionais a realização de diagnósticos e a prescrição de tratamentos, por serem atividades reservadas aos médicos.
Com essa decisão, os ministros deram parcial provimento ao recurso especial interposto pelo Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) e pelo Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (CRM-RS) contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que considerou legais as normas questionadas, pois não haveria interferência nas atribuições dos profissionais de medicina.
O Simers e o CRM-RS ajuizaram ação para impugnar resoluções do Coffito, alegando que elas autorizavam fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais a prescrever ou realizar exames de forma independente – o que, segundo as entidades autoras, invadiria a esfera privativa dos médicos e colocaria em risco a saúde das pessoas. A sentença que julgou o pedido improcedente foi confirmada pelo TRF4.
Norma sobre acupuntura não permite o exercício de atribuição exclusiva aos médicos
No recurso especial encaminhado ao STJ, as recorrentes argumentaram – entre outras questões – que o diagnóstico, privativo do médico, é indispensável para a prática da acupuntura, da osteopatia e da quiropraxia.
O relator do recurso, ministro Gurgel de Faria, observou que o Decreto-Lei 938/1969, em seus artigo 3º e 4º, reservou ao fisioterapeuta e ao terapeuta ocupacional a execução de métodos e técnicas fisioterápicos, terapêuticos e recreacionais, mas não os autorizou a receber demanda espontânea, requisitar exames, fazer diagnóstico ou prescrever tratamentos.
No mesmo sentido, o magistrado lembrou que o STJ, com base em precedente do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu que ao médico cabe a tarefa de diagnosticar e de prescrever tratamentos, e ao fisioterapeuta e ao terapeuta ocupacional, diferentemente, compete a execução das técnicas e dos métodos prescritos (REsp 693.454).
Na avaliação do relator, o acórdão recorrido deve ser mantido quanto à possibilidade da prática de acupuntura, quiropraxia, osteopatia, fisioterapia e terapia ocupacional do trabalho, pois as resoluções do Coffito não autorizam o desempenho de atribuições reservadas aos médicos e “limitam-se a reconhecer, tecnicamente, essas atividades, registrando que elas podem ser desempenhadas pelos profissionais regulados pelo conselho”.
Normas do Coffito que invadiam a competência dos médicos foram declaradas ilegais
Com essas considerações, Gurgel de Faria também manteve a validade de outras resoluções do Coffito que foram questionadas pelos recorrentes.
Porém, reformou parcialmente o acórdão do TRF4 para declarar a ilegalidade de trechos de algumas resoluções do conselho que possibilitavam aos profissionais a ele vinculados realizar diagnóstico, prescrever ou realizar exames sem assistência médica, ordenar tratamento e dar alta terapêutica, atividades reservadas aos médicos.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTROLE DE LEGALIDADE. DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE NORMA INFRALEGAL. POSSIBILIDADE. RESOLUÇÕES NORMATIVAS. CONSELHO DE FISIOTERAPIA E TERAPIA OCUPACIONAL. AUTORIZAÇÃO. ATO RESERVADO A MÉDICOS. IMPOSSIBILIDADE.
1. Embora não caiba a este Tribunal examinar o pedido de inconstitucionalidade de norma em face da Constituição, é possível promover o exame da legalidade das resoluções normativas que eventualmente tenham contrariado o Decreto-lei n. 938/1969.
2. No caso, como o pedido da inicial foi deduzido de ambas as maneiras (declaração de ilegalidade e inconstitucionalidade), a ação civil pública é viável, ao menos em relação ao primeiro pleito, sendo os autores partes legítimas para deduzi-lo.
3. O exercício das profissões de fisioterapeuta e terapeuta ocupacional se desenvolve de acordo com os parâmetros dispostos Decreto-lei n. 938/1969 (art. 1º), que, em seus arts. 3º e 4º, expressamente reservou aos profissionais a atividade de executar métodos e técnicas fisioterápicos, terapêuticos e recreacionais.
4. Não há, na norma de caráter primário, autorização para que os fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais desempenhem atividades como as de receber demanda espontânea, realizar diagnóstico, prescrever ou realizar exames sem assistência médica, ordenar tratamento e dar alta terapêutica, atividades reservadas aos médicos.
5. O STF, no julgamento da Representação 1.056/DF, considerou constitucionais os arts. 3º e 4º do Decreto-lei n. 938/1969 e o art. 12 da Lei n. 6.316/1975 e bem delimitou as atividades do fisioterapeuta e do terapeuta ocupacional: a) ao médico cabe a tarefa de diagnosticar, prescrever tratamentos, avaliar resultados;
b) ao fisioterapeuta e ao terapeuta ocupacional, diferentemente, cabe a execução das técnicas e métodos prescritos (STJ, REsp 693.454/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, Segunda Turma, julgado em 03/11/2005, DJ 14/11/2005, p. 267).
6. Hipótese em que a interpretação sistemática entre os arts. 1º, 3º e 4º do Decreto-lei n. 938/1969 e os arts. 1º, 2º, parágrafo único, II, 4º, X, XI e XIII e §§1º e 7º, da Lei n. 12.842/2013 reforça as conclusões antes adotadas por esta Corte e pelo Supremo.
7. Deve ser mantida a possibilidade da prática da acupuntura, quiropraxia, osteopatia e fisioterapia e terapia ocupacional do trabalho pelos fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, porque, quanto a elas, não há comando secundário em abstrato que, pela só existência, vulnere os preceitos normativos primários que disciplinam as atividades de fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, ou mesmo médicos.
8. Recurso especial parcialmente provido.
Leia o acórdão no REsp 1.592.450.