Como regra geral, não é possível a caracterização de dano moral in re ipsa (presumido, que independe de comprovação) nos casos de acidentes automobilísticos sem vítimas, quando normalmente é discutida apenas eventual reparação por danos materiais. Nessas hipóteses de acidente, para haver indenização de dano moral, é necessário comprovar circunstâncias que demonstrem o efetivo prejuízo extrapatrimonial.
O entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi firmado ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que concluiu pelo cabimento de indenização por danos morais in re ipsa decorrentes de acidente sem vítimas.
Na análise do recurso especial da empresa de ônibus que causou a colisão, o ministro Marco Aurélio Bellizze reconheceu que a jurisprudência do STJ, em casos específicos, já concluiu pela possibilidade de compensação de danos morais independentemente da demonstração de dor, traduzindo-se em consequência presumida em virtude da própria conduta que injustamente atinja a dignidade do ser humano.
Todavia, ponderou o relator, a caracterização do dano moral in re ipsa não pode ser ampliada a ponto de afastar a necessidade de efetiva comprovação em qualquer hipótese.
“Isso porque, ao assim proceder, se estaria a percorrer o caminho diametralmente oposto ao sentido da despatrimonialização do direito civil, transformando em caráter meramente patrimonial os danos extrapatrimoniais e fomentando a já bastante conhecida ‘indústria do dano moral’”, apontou o ministro.
Circunstâncias peculiares
Bellizze destacou que, a princípio, casos de acidente automobilístico sem vítima costumam não extrapolar a esfera patrimonial e, por isso, ensejam apenas o pedido de indenização por danos materiais.
“De outro prisma, certamente haverá casos em que as circunstâncias que o envolvem apontem para um dano que extrapole os limites do mero aborrecimento e que, portanto, deverão ser compensados por meio de indenização que logre realizar o princípio do ressarcimento integral da vítima. Essas circunstâncias peculiares devem, por excepcionais, ser objeto de alegação e prova pelas partes, submetendo-se ao inafastável contraditório e objeto de fundamentação pelo órgão julgador”, afirmou o relator.
Com a descaracterização do dano moral in re ipsa, a Terceira Turma determinou o retorno dos autos ao TJRJ, para que o tribunal reanalise embargos de declaração em que a empresa de ônibus questiona a ocorrência de lesões físicas capazes de justificar a fixação de indenização por danos morais. Os embargos haviam sido rejeitados pela corte fluminense exatamente pela conclusão sobre a ocorrência do dano moral in re ipsa.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MORAIS DECORRENTES DE COLISÃO DE VEÍCULOS. ACIDENTE SEM VÍTIMA. DANO MORAL IN RE IPSA. AFASTAMENTO. NECESSIDADE DE APRECIAÇÃO DE CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILIDADE EM RECURSO ESPECIAL. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.1. O movimento de despatrimonialização do direito privado, que permitiu, antes mesmo da existência de previsão legal, a compensação de dano moral não se compatibiliza com a vulgarização dos danos extrapatrimoniais.2. O dano moral in re ipsa reconhecido pela jurisprudência do STJ é aquele decorrente da prática de condutas lesivas aos direitos individuais ou perpetradas contra bens personalíssimos. Precedentes.3. Não caracteriza dano moral in re ipsa os danos decorrentes de acidentes de veículos automotores sem vítimas, os quais normalmente se resolvem por meio de reparação de danos patrimoniais.4. A condenação à compensação de danos morais, nesses casos, depende de comprovação de circunstâncias peculiares que demonstrem o extrapolamento da esfera exclusivamente patrimonial, o que demanda exame de fatos e provas.5. Recurso especial provido.
Leia o acórdão.