Neste exato momento, milhões de crianças estão trabalhando e deixando de usufruir de seus direitos fundamentais, como a educação, a saúde, o lazer. A existência de trabalho infantil em todo o planeta é uma triste realidade e, de tão incômoda, a maioria das pessoas prefere mesmo nem pensar no assunto. Por isso é que a OIT – Organização Internacional do Trabalho instituiu o dia 12 de junho como o “Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil”. O objetivo: alertar todas as comunidades e seus governos sobre essa prática terrível e destrutiva que, em pleno Século XXI, ainda assola diversas regiões do mundo, inclusive o Brasil. Essa campanha é mais necessária do que parece, pois a principal arma contra o trabalho infantil é a sensibilização da sociedade contra a exploração das crianças e adolescentes.
No Brasil, as instituições se mobilizam para combater essa prática nefasta. Todos os anos, uma série de eventos – promovidos conjuntamente pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), o Tribunal Superior do Trabalho (TST), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o então Ministério do Trabalho – movimentam a Semana Nacional da Aprendizagem, com intuito de conscientizar sobre os efeitos nefastos do trabalho infantil, combater os altos índices ainda identificados no Brasil, e, ao mesmo tempo, colaborar para o aumento do número de aprendizes junto às empresas participantes.
Rede de proteção – Durante o encerramento da última semana da aprendizagem em Minas Gerais, em agosto de 2018, foi apresentado o funcionamento da rede de proteção que envolve instituições públicas e privadas. O Ministério Público do Trabalho e, atualmente, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, integrante da estrutura do Ministério da Economia, fiscalizam o cumprimento das cotas de aprendizagem profissional pelas empresas e também a ocorrência de trabalho infantil. A Justiça do Trabalho julga ações civis públicas propostas pelo Ministério Público do Trabalho, a partir de denúncias da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho. Já as instituições da sociedade civil organizada atuam nas frentes de formação dos jovens e encaminhamento para as vagas de emprego decorrentes das cotas de aprendizagem.
Trabalho infantil: o que é e como identificar
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o termo “trabalho infantil” pode ser definido como o trabalho que prejudica o bem-estar de uma criança e compromete sua educação, desenvolvimento e meio de vida no futuro. A OIT considera criança toda pessoa abaixo de 18 anos. Nesse sentido, o trabalho infantil é aquele que, por sua natureza ou forma em que é realizado, prejudica e explora crianças de modo a privá-las das oportunidades educacionais. Ou seja, o trabalho que rouba da criança ou do adolescente o tempo de brincar e estudar.
A maioria dos países estabelece uma idade mínima geral de admissão no emprego ou trabalho, com ressalvas no sentido de que o menor seja empregado em serviços leves, como aqueles que não prejudiquem a saúde e a frequência escolar e não os exponham a riscos e perigos.
Essas situações estão previstas na lei nacional de cada país. Mas, geralmente, a legislação sobre a matéria se baseia nas duas convenções da OIT sobre trabalho infantil: a Convenção sobre a Idade Mínima de Admissão ao Emprego e ao Trabalho (C 138) e a Convenção sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil (C 182). Há, ainda, a Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas.
No Brasil, só é permitido começar a trabalhar a partir dos 16 anos, exceto nos casos de trabalho noturno, perigoso, insalubre ou penoso, nos quais a idade mínima é de 18 anos. O trabalho a partir dos 14 anos é admitido, mas apenas na condição de aprendiz.
Trabalho aprendiz é lei – A obrigação de reservar de 5% a 15% das vagas para programa de aprendizagem profissional é prevista nos artigos 428 a 433 da CLT para empresas de qualquer ramo ou natureza, exceto microempresas. O aprendiz deve ter entre 14 e 24 anos, mas a lei estabelece que seja dada prioridade para a faixa etária de 14 a 18 anos. O programa é também um importante caminho para a inclusão de pessoas com deficiência, para as quais não há limite de idade, ou de jovens em situação de vulnerabilidade social, para os quais a aprendizagem pode ser uma porta de entrada segura para o mercado de trabalho.
As piores formas de trabalho infantil
A Convenção sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil (C 182) se aplica a todas as crianças e adolescentes até a idade de 18 anos. Como seu título sugere, a Convenção se refere a determinados tipos de trabalho que não deveriam ser realizados por menores de 18 anos. São aqueles considerados como as piores formas de trabalho infantil, que abrangem as seguintes situações:
a) todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, tais como a venda e tráfico de crianças, a servidão por dívidas e a condição de servo, e o trabalho forçado ou obrigatório, inclusive o recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados; b) a utilização, o recrutamento ou a oferta de crianças para a prostituição, a produção de pornografia ou atuações pornográficas; c) a utilização, recrutamento ou a oferta de crianças para a realização de atividades ilícitas, em particular na produção e tráfico de entorpecentes, tais como definidos nos tratados internacionais pertinentes; e d) o trabalho que, por sua natureza ou pelas condições em que é realizado, é suscetível de prejudicar a saúde, a segurança ou a moral das crianças.
O que se busca é que essas piores formas de trabalho infantil sejam definitivamente banidas da sociedade.
Perigo: proibido para menores
Como se vê, o trabalho de crianças e adolescentes em atividades perigosas está elencado entre as “piores formas de trabalho infantil”. De acordo com a Convenção 182, o trabalho infantil perigoso é aquele realizado em condições de risco ou insalubres que podem ocasionar morte, lesão, ou doença em uma criança ou adolescente, em razão da inexistência ou precariedade de medidas de segurança e saúde ou de condições de trabalho inadequadas. O conceito de “trabalho infantil perigoso” também é abordado na Convenção da OIT sobre a Idade Mínima (C 138).
A OIT estabelece que a lista exata de atividades perigosas seja determinada por cada país. Mas recomenda que, ao se determinar o que seja trabalho perigoso, sejam consideradas as normas internacionais de trabalho, como as que dizem respeito a substâncias, agentes, máquinas ou processos perigosos (inclusive radiações ionizantes), levantamento de cargas pesadas e trabalho subterrâneo, além dos trabalhos em que a criança fica exposta a abusos de ordem física, psicológica ou sexual.
O Brasil e o trabalho infantojuvenil: leis de sobra
Com o objetivo de erradicar o trabalho infantil e proteger o trabalho do adolescente, o Brasil ratificou a Convenção 138 da OIT, que versa sobre a idade mínima para admissão em emprego, através do Decreto nº 4.134/2002 e, também, a Convenção 182, esta pelo Decreto nº 3.597/2000, relativa à interdição das piores formas de trabalho das crianças e ação imediata com vistas à sua eliminação.
Além disso, a nossa legislação é uma das mais completas do mundo quando se trata da proteção ao trabalho de crianças e jovens. Nas décadas de 80 e 90, foi aprovado o maior número de leis de garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes, o que colocou o Brasil em lugar de destaque internacional. Falta colocá-las em prática.
A Constituição Federal de 1988 proíbe a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor e estado civil (artigo 7º, inciso XXX). Além disso, a partir da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, no inciso XXXIII, do art. 7º, proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre realizado por menores de 18 anos e qualquer trabalho no caso de menores de 16 anos, exceto na condição de aprendiz, a partir de 14 anos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) reserva um capítulo inteiro para tratar do direito à profissionalização e à proteção no trabalho das crianças e adolescentes. Também dispõe sobre os direitos garantidos aos trabalhadores adolescentes e aos aprendizes, com proibição dos trabalhos noturnos, perigosos, insalubres, penosos, realizados em locais prejudiciais à sua formação e desenvolvimento físico, moral, psíquico e social, inclusive aqueles que impeçam a frequência escolar.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com as alterações feitas pela Lei Federal nº 10.097, de 19 de dezembro de 2000, trata do assunto no capítulo IV – “Da proteção ao Trabalho do Menor”, considerando “menor” aquela pessoa com idade compreendida entre os 14 e 18 anos. Nesse capítulo, estão estabelecidos vários critérios e deveres do empregador para com o adolescente empregado na sua empresa e o menor aprendiz. Entre eles, o de assegurar horários e locais de trabalho que permitam a frequência à escola, assim como a coincidência do período das férias do trabalho com as férias escolares. As empresas também são obrigadas a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a 5%, no mínimo, e 15%, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções exijam formação profissional.
Destaca-se que o artigo 424 da CLT dispõe que: “É dever dos responsáveis legais de menores, pais, mães ou tutores, afastá-los de empregos que diminuam consideravelmente o seu tempo de estudo, reduzam o tempo de repouso necessário à sua saúde e constituição física, ou prejudiquem a sua educação moral “.
Lei penal: quando o trabalho infantil é crime
Conforme a disposição constitucional, no Brasil, o trabalho infantil é considerado crime. E algumas formas mais nocivas da exploração de crianças são especialmente tratadas no CPB (Código Penal Brasileiro). Entre elas:
Trabalho infantil escravo – Reduzir o trabalhador à condição análoga à de escravo, por meio de trabalhos forçados, jornada exaustiva ou condições degradantes de trabalho, artigo 149 do Código Penal brasileiro de 1940, com a agravante de se tratar de criança ou adolescente (§ 2º, item I). A agravante foi introduzida pela Lei 10.803, de 11 de Dezembro de 2003 e aumenta a pena em uma metade;
Maus-tratos (artigo 136 do Código Penal), crime aplicável a situações envolvendo menores – Expor, a perigo, a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado. Se a pessoa for menor de 14 anos, há a agravante do § 3º, introduzida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), que aumenta a pena em mais um terço.
Exploração da prostituição de menores – A exploração da prostituição infantil, considerada pela Organização Internacional do Trabalho como uma das piores formas de trabalho infantil, é crime previsto no artigo 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Pornografia de menores – Crime previsto nos artigos 260 e 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Venda ou tráfico de menores – Constitui crime previsto no artigo 239 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Conto de fadas às avessas: causas e formas do trabalho infantil no Brasil
A condição de miserabilidade e desestruturação das famílias, a insuficiência de políticas públicas e a péssima distribuição de renda são as principais causas da exploração do trabalho infantil no nosso país. Antigamente, os filhos trabalhavam em negócios familiares, sempre sob a coordenação e responsabilidade dos pais e o ofício era, dia a dia, gradualmente aprendido. Hoje, a criança pobre é obrigada a trabalhar para ajudar no sustento da família, ou seja, não passa mais pela convivência saudável do trabalho.
Os efeitos negativos da exploração do trabalho infantil são tantos que geram um ciclo perverso: os filhos explorados no trabalho, geralmente, têm pais que passaram pela mesma situação e assim por diante. Eles não conseguem interromper o ciclo, porque o tempo dedicado ao trabalho e o cansaço lhes rouba o acesso à educação e as oportunidades de melhora. E, por ignorância ou necessidade, acabam expondo seus filhos à mesma rotina de trabalho precoce, permitindo que prestem serviços até mesmo em situações perigosas, insalubres e penosas. Ao combater essa prática, as autoridades locais muitas vezes se intimidam diante da enorme carência material vivenciada por essas famílias. Por seu turno, a sociedade também tem sua parcela de culpa, ao consumir produtos advindos do trabalho infantil, ao invés de denunciar a prática aos órgãos competentes.
Estatísticas do trabalho infantil: números que não são brincadeira
Dados do Relatório Mundial sobre Trabalho Infantil, elaborado pela OIT, apontam que 168 milhões de crianças realizam trabalho infantil no mundo. Entre elas, 120 milhões têm idades entre 5 e 14 anos e cerca de 5 milhões vivem em condições análogas à escravidão. E, o que é pior, mais da metade (85 milhões) está envolvida com trabalhos perigosos. Segundo a OIT, entre 20% e 30% das crianças em países de baixa renda abandonam a escola e entram no mercado de trabalho até os 15 anos.
No Brasil, embora entre os anos de 2000 a 2010 tenha havido redução do percentual geral de trabalho infantil, pesquisa do IBGE de 2017 aponta 2,7 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos trabalhando no país – e mais da metade deles em atividades ilegais e perigosas, principalmente em indústrias, carvoarias e na agricultura. Desse total, apenas 500 mil em situação regular, como aprendizes, ou com carteira assinada, os demais em situação de informalidade de vínculo, sem garantia de direitos. Detalhe: mais de 700 mil desses pequenos trabalhadores têm menos de 13 anos. Ainda segundo o IBGE, no Brasil, 258 mil crianças e jovens realizam trabalho doméstico nas casas de outras pessoas. Nos centros urbanos, as crianças são encontradas como vendedores ambulantes nos semáforos e nos lixões. Para coroar, um conto de horror: nos últimos cinco anos, 12 mil crianças sofreram acidentes de trabalho e 110 morreram.
As autoridades que atuam no combate ao trabalho infantil no Brasil acreditam que nossa cultura aceita o trabalho de crianças e adolescentes como forma de ajudar o sustento da família e o maior desafio é mudar esta percepção. Quando a criança trabalha, sai da escola ou tem um rendimento insuficiente e perde o direito de ser criança, de brincar e estudar. Só a conscientização da sociedade pode mudar esse quadro.
Trabalho infantil: Tristes casos julgados na JT de Minas
A seguir, duas decisões da JT mineira em que o tema Trabalho Infantil esteve em pauta. A primeira, retratando a situação do adolescente que, mesmo nos centros urbanos, trabalha em condições irregulares e perigosas, tudo para completar a renda necessária à própria subsistência e de sua família. A segunda ilustra com precisão a triste e ainda atual realidade das famílias que vivem em condições miseráveis nas zonas rurais do Brasil e que acabam por explorar o trabalho de seus filhos menores, muitos ainda crianças bem pequenas.