Ministro Edson Fachin recebeu advogados, pesquisadores e representantes do estado. Retomada do caso está pautada para 26/3
O vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, recebeu nesta quinta-feira (6) representantes das partes e de entidades que atuam na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, de sua relatoria, que trata da letalidade policial no Estado do Rio de Janeiro.
As audiências serviram para ouvir sugestões e apontamentos sobre o voto do ministro, apresentado no começo de fevereiro. Após a manifestação do relator, o caso passou por uma série de diálogos entre os ministros e órgãos do poder público, com objetivo de chegar a uma proposta consensual. A retomada do julgamento da ADPF 635 está marcada para 26 de março.
Advogados, pesquisadores, militantes de direitos humanos e representantes do estado fizeram diversos comentários sobre o voto do relator. Entre outros pontos, foram levantados temas como os critérios para os indicadores de letalidade policial, o sistema de câmeras corporais nas fardas das polícias, o monitoramento e a fiscalização das decisões do Supremo, o papel do Ministério Público e a efetividade das perícias.
Fachin esclareceu que o caso é um “processo estrutural”, que não se encerra com uma decisão judicial e que demanda uma construção baseada no diálogo. “Nos processos estruturais, a decisão se constrói. Depois do meu voto, já iniciamos um conjunto de diálogos e estamos mapeando consensos e dissensos”, afirmou. Para Fachin, um dos primeiros objetivos na tramitação da ADPF das Favelas foi o de dar dignidade a todos os argumentos. “Não é usual fazer audiência depois de um voto, mas esse processo complexo demanda isso”.
Redução da letalidade
Em uma das reuniões, representantes da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro apresentaram informações apontando que houve redução da letalidade policial a partir das decisões do STF na ação. Um dos pedidos é para que não seja reconhecido um quadro de violação massiva de direitos na segurança pública estadual, o chamado de “estado de coisas inconstitucional”.
O procurador Carlos da Costa e Silva Filho defendeu a adoção de medidas que garantam isonomia com outros estados, principalmente no que diz respeito a indicadores sobre violência. Também foram feitos pedidos para adequação de prazos e procedimentos para instalação de câmeras corporais em agentes da Polícia Civil.
Ganhos históricos
Pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), autor da ação, o advogado João Gabriel Madeira Pontes ressaltou a importância do voto do relator. Ele fez sugestões para aprimorar as regras de uso das câmeras, com regras para instalação em viaturas e georreferenciamento.
Representantes do Complexos Advocacy, articulação de ONGs de favelas, disseram que a ADPF trouxe ganhos históricos para o debate sobre segurança pública. Eles manifestaram, porém, preocupações com o formato proposto no voto do relator para a estruturação do comitê de acompanhamento da decisão da ADPF.
Para o grupo, é preciso detalhar a composição do órgão, para que, por exemplo, a cadeira destinada à sociedade civil seja ocupada por entidade que defenda as medidas tomadas na ação. “Nos parece preocupante não ter qual vai ser a diretriz ou o posicionamento dessa organização da sociedade civil que vai estar no comitê. Se essa cadeira não refletir a sociedade civil que pede a ação, vai ser uma perda de oportunidade”, afirmou o advogado Joel Luiz.
“A bala continua matando”
Bruna da Silva, moradora do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, e mãe de Marcus Vinícius, morto aos 14 anos durante operação policial em 2018, fez uma dura fala sobre o assassinato do filho. Ela também disse que a situação de violência se mantém. “A bala que matou meu filho continua matando”, afirmou. “Hoje crio minha família com medo. Quando tem operação, tenho que me esconder dentro de casa”.
Ela participou da audiência junto com representantes da Conectas Direitos Humanos.
O jovem Luis Fernando, de 16 anos, contou como a violência impacta o seu dia a dia. Ele disse que as operações “impedem nossa infância e traumatizam nossa vida” e entregou uma carta escrita à mão relatando a situação, sugerindo que o relator a entregasse aos demais ministros. “Tem bastante sentimento nas cartas, pessoas importantíssimas que a gente perdeu”.
A assistente social Liliane Pereira dos Santos, nascida e criada na Maré, disse que teve a infância e a adolescência “marcada pela violência extrema”. Na sua avaliação, a ADPF 635 trouxe um grande impacto para a vida de quem vive nas comunidades do Rio de Janeiro.
Intensidade das operações
A advogada e pesquisadora Rhaysa Ruas disse ao ministro que há relatos de que as operações policiais ficaram mais intensas no Rio de Janeiro com a proximidade do julgamento da ADPF em Plenário, no começo de fevereiro.
Ela fez ponderações sobre como as determinações da ADPF serão implementadas e acompanhadas. Entre os pontos de atenção, destacou a necessidade de uma obrigação para preservar vestígios de crimes e de procedimentos de perícia independentes da estrutura da polícia.
Quanto a esse último ponto, Fransérgio Goulart, diretor executivo da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial, lembrou que é importante analisar as experiências de institutos de perícia que estão fora das polícias civis, como em São Paulo.