Por maioria, Plenário julgou improcedente a ADI na qual a Procuradoria-Geral da República questionava o modelo de ensino religioso nas escolas da rede pública.
Em sessão plenária realizada na tarde desta quarta-feira (27), o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4439 na qual a Procuradoria-Geral da República (PGR) questionava o modelo de ensino religioso nas escolas da rede pública de ensino do país. Por maioria dos votos (6 x 5), os ministros entenderam que o ensino religioso nas escolas públicas brasileiras pode ter natureza confessional, ou seja, vinculado às diversas religiões.
Na ação, a PGR pedia a interpretação conforme a Constituição Federal ao dispositivo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (caput e parágrafos 1º e 2º, do artigo 33, da Lei 9.394/1996) e ao artigo 11, parágrafo 1º do acordo firmado entre o Brasil e a Santa Sé (promulgado por meio do Decreto 7.107/2010) para assentar que o ensino religioso nas escolas públicas não pode ser vinculado a religião específica e que fosse proibida a admissão de professores na qualidade de representantes das confissões religiosas. Sustentava que tal disciplina, cuja matrícula é facultativa, deve ser voltada para a história e a doutrina das várias religiões, ensinadas sob uma perspectiva laica.
O julgamento foi retomado hoje com o voto do ministro Marco Aurélio que acompanhou o relator, ministro Luís Roberto Barroso, pela procedência do pedido. Para ele, a laicidade estatal “não implica o menosprezo nem a marginalização da religião na vida da comunidade, mas, sim, afasta o dirigismo estatal no tocante à crença de cada qual”. “O Estado laico não incentiva o ceticismo, tampouco o aniquilamento da religião, limitando-se a viabilizar a convivência pacífica entre as diversas cosmovisões, inclusive aquelas que pressupõem a inexistência de algo além do plano físico”, ressaltou, acrescentando que não cabe ao Estado incentivar o avanço de correntes religiosas específicas, mas, sim, assegurar campo saudável e desimpedido ao desenvolvimento das diversas cosmovisões.
No mesmo sentido, votou o ministro Celso de Mello (leia a íntegra do voto), ao entender que o Estado laico não pode ter preferências de ordem confessional, não podendo interferir nas escolhas religiosas das pessoas. “Em matéria confessional, o Estado brasileiro há manter-se em posição de estrita neutralidade axiológica em ordem a preservar, em favor dos cidadãos, a integridade do seu direito fundamental à liberdade religiosa”, destacou, ao acompanhar integralmente o relator da ação direta.
Última a votar, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, seguiu a divergência apresentada inicialmente pelo ministro Alexandre de Moraes, no sentido de julgar a ação improcedente a fim de que o ensino religioso nas escolas públicas brasileiras tenha natureza confessional. “A laicidade do Estado brasileiro não impediu o reconhecimento de que a liberdade religiosa impôs deveres ao Estado, um dos quais a oferta de ensino religioso com a facultatividade de opção por ele”, ressaltou a ministra. De acordo com ela, todos estão de acordo com a condição do Estado laico do Brasil, a tolerância religiosa, bem como a importância fundamental às liberdades de crença, expressão e manifestação de ideias.
Com a leitura dos três votos proferidos nesta quarta-feira, o Supremo concluiu o julgamento da ADI. Votaram pela improcedência do pedido os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. Ficaram vencidos os ministros Luís Roberto Barroso (relator), Rosa Weber, Luiz Fux, Marco Aurélio e Celso de Mello, que se manifestaram pela procedência da ação.
O recurso ficou assim ementado:
ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS PÚBLICAS. CONTEÚDO CONFESSIONAL E MATRÍCULA FACULTATIVA. RESPEITO AO BINÔMIO LAICIDADE DO ESTADO/LIBERDADE RELIGIOSA. IGUALDADE DE ACESSO E TRATAMENTO A TODAS AS CONFISSÕES RELIGIOSAS. CONFORMIDADE COM ART. 210, §1°, DO TEXTO CONSTITUCIONAL. CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 33, CAPUT E §§ 1º E 2º, DA LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL E DO ESTATUTO JURÍDICO DA IGREJA CATÓLICA NO BRASIL PROMULGADO PELO DECRETO 7.107/2010. AÇÃO DIRETA JULGADA IMPROCEDENTE.
1. A relação entre o Estado e as religiões, histórica, jurídica e culturalmente, é um dos mais importantes temas estruturais do Estado. A interpretação da Carta Magna brasileira, que, mantendo a nossa tradição republicana de ampla liberdade religiosa, consagrou a inviolabilidade de crença e cultos religiosos, deve ser realizada em sua dupla acepção: (a) proteger o indivíduo e as diversas confissões religiosas de quaisquer intervenções ou mandamentos estatais; (b) assegurar a laicidade do Estado, prevendo total liberdade de atuação estatal em relação aos dogmas e princípios religiosos.
2. A interdependência e complementariedade das noções de Estado Laico e Liberdade de Crença e de Culto são premissas básicas para a interpretação do ensino religioso de matrícula facultativa previsto na Constituição Federal, pois a matéria alcança a própria liberdade de expressão de pensamento sob a luz da tolerância e diversidade de opiniões.
3. A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e compreende não somente as informações consideradas como inofensivas, indiferentes ou favoráveis, mas também as que possam causar transtornos, resistência, inquietar pessoas, pois a Democracia somente existe baseada na consagração do pluralismo de ideias e pensamentos políticos, filosóficos, religiosos e da tolerância de opiniões e do espírito aberto ao diálogo.
4. A singularidade da previsão constitucional de ensino religioso, de matrícula facultativa, observado o binômio Laicidade do Estado (CF, art. 19, I)/Consagração da Liberdade religiosa (CF, art. 5º, VI), implica regulamentação integral do cumprimento do preceito constitucional previsto no artigo 210, §1º, autorizando à rede pública o oferecimento, em igualdade de condições (CF, art. 5º, caput), de ensino confessional das diversas crenças.
5. A Constituição Federal garante aos alunos, que expressa e voluntariamente se matriculem, o pleno exercício de seu direito subjetivo ao ensino religioso como disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, ministrada de acordo com os princípios de sua confissão religiosa e baseada nos dogmas da fé, inconfundível com outros ramos do conhecimento científico, como história, filosofia ou ciência das religiões.
6. O binômio Laicidade do Estado/Consagração da Liberdade religiosa está presente na medida em que o texto constitucional (a) expressamente garante a voluntariedade da matrícula para o ensino religioso, consagrando, inclusive o dever do Estado de absoluto respeito aos agnósticos e ateus; (b) implicitamente impede que o Poder Público crie de modo artificial seu próprio ensino religioso, com um determinado conteúdo estatal para a disciplina; bem como proíbe o favorecimento ou hierarquização de interpretações bíblicas e religiosas de um ou mais grupos em detrimento dos demais.
7. Ação direta julgada improcedente, declarando-se a constitucionalidade dos artigos 33, caput e §§ 1º e 2º, da Lei 9.394/1996, e do art. 11, § 1º, do Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Santa Sé, relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, e afirmando-se a constitucionalidade do ensino religioso confessional como disciplina facultativa dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.
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