PGR pede suspensão de inquérito das fake news até que Plenário do STF estabeleça balizas para investigação

Procurador-geral manifestou-se contra medidas de busca e apreensão determinadas por relator e cumpridas nesta quarta-feira (27)

O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão do inquérito 4.781, que apura fake news, ofensas e ameaças contra integrantes do Tribunal, até que o Plenário estabeleça balizas para a realização das investigações. A manifestação do PGR foi no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 572, de autoria da Rede Sustentabilidade, que alega que o inquérito é inconstitucional, entre outros motivos, por ter sido aberto pelo próprio STF, com base em seu Regimento Interno, sem a participação do Ministério Público. O relator da ADPF é o ministro Edson Fachin.

Augusto Aras já havia se manifestado pela constitucionalidade da investigação, desde que com algumas limitações apontadas em parecer de mérito na ADPF, como estar adstrita à garantia da segurança dos integrantes do Tribunal e contar com a participação do Ministério Público, única instituição com atribuição de propor ações penais. “Neste dia 27 de maio, contudo, a Procuradoria-Geral da República viu-se surpreendida com notícias na grande mídia de terem sido determinadas dezenas de buscas e apreensões e outras diligências, contra ao menos 29 pessoas, sem a participação, supervisão ou anuência prévia do órgão de persecução penal que é, ao fim, destinatário dos elementos de prova na fase inquisitorial, procedimento preparatório inicial, para juízo de convicção quanto a elementos suficientes a lastrear eventual denúncia”, afirmou Aras, em referência às diligências determinadas pelo relator do inquérito das fake news, ministro Alexandre de Moraes.

No último dia 19, o procurador-geral enviou a Moraes duas manifestações, no inquérito 4.781, contrárias à realização de busca e apreensão. Um dos fundamentos das manifestações do PGR na ocasião foi que as publicações em redes sociais apontadas como suspeitas, “a despeito de seu conteúdo incisivo em alguns casos”, não poderiam ser confundidas com a prática de calúnias, injúrias ou difamações contra os membros do STF. “Em realidade, representam a divulgação de opiniões e visões de mundo, protegidas pela liberdade de expressão, nos termos do ‘decisum’ do ministro Celso de Mello na Pet-MC 8.830/DF”, afirmou Augusto Aras. “Esse direito fundamental, que recebeu atenção do texto constitucional em diversas de suas disposições, é amplamente considerado essencial à higidez do regime democrático e do princípio republicano. A livre circulação de ideias e o debate público são fundamentais para a garantia de uma sociedade aberta, na qual as distintas visões de mundo são respeitadas de forma igualitária”, justificou.

As medidas executadas nessa terça-feira (26), no entendimento do PGR, “reforçam a necessidade de se conferir segurança jurídica na tramitação do Inquérito 4.781, objeto desta ADPF, com a preservação das prerrogativas institucionais do Ministério Público de garantias fundamentais, evitando-se diligências desnecessárias, que possam eventualmente trazer constrangimentos desproporcionais”. Segundo Augusto Aras, mesmo na fase investigativa, pré-processual, independentemente da forma como foi instaurado o inquérito, os direitos e garantias fundamentais de investigados devem ser observados, assim como é indispensável a supervisão do Ministério Público caso se façam necessárias diligências com a participação da polícia judiciária ou que impliquem restrição de direitos individuais.

“Não é possível que as investigações preliminares transitem diretamente entre a autoridade judiciária responsável pela condução das investigações preliminares e o organismo policial designado para prestar auxílio na condução da investigação (Polícia Federal), sem a indispensável supervisão do titular da ‘persecutio criminis’ (art. 129, I, da CF/1988). Nessa linha, na manifestação de mérito apontou-se que, dado o caráter atípico da função desempenhada pelo membro do Judiciário, bem como a natureza interna do feito, recomenda-se a fixação de parâmetros para o exercício dos atos necessários à colheita dos elementos de informação imprescindíveis à formação da opinio delicti”, defendeu o procurador-geral.

O recurso ficou assim ementado:

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. ADPF. PORTARIA GP Nº 69 DE 2019. PRELIMINARES SUPERADAS. JULGAMENTO DE MEDIDA CAUTELAR CONVERTIDO NO MÉRITO. PROCESSO SUFICIENTEMENTE INSTRUÍDO. INCITAMENTO AO FECHAMENTO DO STF. AMEAÇA DE MORTE E PRISÃO DE SEUS MEMBROS. DESOBEDIÊNCIA. PEDIDO IMPROCEDENTE NAS ESPECÍFICAS E PRÓPRIAS CIRCUNSTÂNCIAS DE FATO EXCLUSIVAMENTE ENVOLVIDAS COM A PORTARIA IMPUGNADA. LIMITES. PEÇA INFORMATIVA. ACOMPANHAMENTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. SÚMULA VINCULANTE Nº 14. OBJETO LIMITADO A MANIFESTAÇÕES QUE DENOTEM RISCO EFETIVO À INDEPENDÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO. PROTEÇÃO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE IMPRENSA.

1. Preliminarmente, trata-se de partido político com representação no Congresso Nacional e, portanto, legitimado universal apto à jurisdição do controle abstrato de constitucionalidade, e a procuração atende à “descrição mínima do objeto digno de hostilização”. A alegação de descabimento pela ofensa reflexa é questão que se confunde com o mérito, uma vez que o autor sustenta que o ato impugnado ofendeu diretamente à Constituição. E, na esteira da jurisprudência desta Corte, compete ao Supremo Tribunal Federal o juízo acerca do que se há de compreender, no sistema constitucional brasileiro, como preceito fundamental e, diante da vocação da Constituição de 1988 de reinstaurar o Estado Democrático de Direito, fundado na “dignidade da pessoa humana” (CR, art. 1º, III), a liberdade pessoal e a garantia do devido processo legal, e seus corolários, assim como o princípio do juiz natural, são preceitos fundamentais. Por fim, a subsidiariedade exigida para o cabimento da ADPF resigna-se com a ineficácia de outro meio e, aqui, nenhum outro parece, de fato, solver todas as alegadas violações decorrentes da instauração e das decisões subsequentes.

2. Nos limites desse processo, diante de incitamento ao fechamento do STF, de ameaça de morte ou de prisão de seus membros, de apregoada desobediência a decisões judiciais, arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada totalmente improcedente, nos termos expressos em que foi formulado o pedido ao final da petição inicial, para declarar a constitucionalidade da Portaria GP n.º 69/2019 enquanto constitucional o artigo 43 do RISTF, nas específicas e próprias circunstâncias de fato com esse ato exclusivamente envolvidas.

3. Resta assentado o sentido adequado do referido ato a fim de que o procedimento, no limite de uma peça informativa: (a) seja acompanhado pelo Ministério Público; (b) seja integralmente observada a Súmula Vinculante nº14; (c) limite o objeto do inquérito a manifestações que, denotando risco efetivo à independência do Poder Judiciário (CRFB, art. 2º), pela via da ameaça aos membros do Supremo Tribunal Federal e a seus familiares, atentam contra os Poderes instituídos, contra o Estado de Direito e contra a Democracia; e (d) observe a proteção da liberdade de expressão e de imprensa nos termos da Constituição, excluindo do escopo do inquérito matérias jornalísticas e postagens, compartilhamentos ou outras manifestações (inclusive pessoais) na internet, feitas anonimamente ou não, desde que não integrem esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais.

Íntegra da manifestação na ADPF 572

PROCESSO RELACIONADO ADPF 572

Deixe uma resposta

Iniciar conversa
Precisa de ajuda?
Olá, como posso ajudar