Embora reconhecida a dispensa discriminatória, demais pedidos feitos na petição não foram analisados
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou a devolução ao TRT do processo de um eletricista da Transformadores e Serviços de Energia das Américas S.A. para que sejam examinados todos os pedidos feitos pelo empregado na petição inicial. O empregado, que teve reconhecida a dispensa discriminatória por alcoolismo e recebeu indenização por danos morais, disse que o TRT deixou de analisar outros pedidos feito na petição, como o pedido de reintegração ao emprego e pagamento de verbas trabalhistas.
O empregado relatou na ação trabalhista que trabalhou na Transformadores de 2002 a 2016, onde exerceu o cargo de coordenador técnico de equipe de engenheiros e projetistas da área de Engenharia de Sistemas. Portador de patologia depressiva, com dependência alcoólica, ele afirmou que foi dispensado logo após seu retorno de tratamento médico. Para ele, a demissão foi discriminatória e contrariou a Lei 9.029/1995, o que o fez pedir indenização por dano moral e a reintegração ao emprego.
A 21 ª Vara do Trabalho de Curitiba (PR) julgou improcedente o pedido. Com entendimento diverso, o TRT reconheceu o caráter discriminatório da dispensa do empregado, portador de alcoolismo, nos termos da Súmula 443 do TST, condenando a empresa ao pagamento de indenização por danos morais de R$ 10 mil, com juros e correção monetária.
Embargos
Todavia, embora o TRT tenha reconhecido o caráter discriminatório da dispensa, o empregado interpôs embargos contra a decisão. Segundo ele, o Regional não se manifestou sobre os efeitos de ter sido reconhecida a dispensa discriminatória, pedidos que foram feitos na petição inicial, tais como a reintegração e o pagamento de todas as verbas devidas desde a data da dispensa até a efetiva reintegração e quanto à indenização dobrada do dia da dispensa até a data em que se daria a efetiva reintegração.
Estritos limites
O Regional declarou no julgamento dos embargos que o recurso do empregado foi julgado nos estritos limites do pedido feitos por ele na ação trabalhista quando requereu a reforma da sentença, “a fim de declarar a dispensa discriminatória, condenando a recorrida a indenização por danos morais, no montante de cinquenta vezes a sua última remuneração”. Segundo o TRT, de acordo com o artigo 322 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC), o pedido deveria ser “certo ou determinado”, e que apenas seria lícito formular pedido genérico em ocasiões específicas, “as quais não estão presentes nos autos”.
Demais pedidos
Ao analisar o caso, o relator, ministro Maurício Godinho Delgado, lembrou que o empregado pleiteou o reconhecimento do caráter discriminatório da doença, mas também fez vários pedidos na ação, entre os quais, indenização por danos morais, a qual foi acolhida pelo Regional. Contudo, segundo o relator, o Regional, mesmo provocado por embargos, deixou de analisar os demais pedidos. “Todos os pleitos relacionados ao tema da responsabilidade civil da empresa pela dispensa discriminatória deveriam ter sido analisados pelo TRT, conforme postulado na petição inicial”, observou o relator.
Em seu voto, o relator lembra que o art. 1.013, § 1º, do CPC/15, prevê que todas as questões suscitadas e discutidas no processo – ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado-, serão objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal. O voto cita ainda entendimento da Súmula 393 do TST, que dispõe que: “O efeito devolutivo em profundidade do recurso ordinário, que se extrai do artigo do CPC, transfere ao Tribunal a apreciação dos fundamentos da inicial ou da defesa, não examinados pela sentença, ainda que não renovados em contrarrazões, desde que relativos ao capítulo impugnado.
O recurso ficou assim ementado:
A) AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMANTE. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE. PROVIMENTO PARA RECONHECER O CARÁTER DISCRIMINATÓRIO DA DISPENSA. NECESSIDADE DE ANÁLISE DE TODOS OS PEDIDOS RELACIONADOS AO TEMA. EFEITO DEVOLUTIVO DO RECURSO ORDINÁRIO. SÚMULA 393/TST. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, quanto ao tema em epígrafe, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da arguição de contrariedade à Súmula 393/TST, suscitada no recurso de revista. Agravo de instrumento provido.
B) RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. 1. PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ART. 282, § 2º, DO CPC/2015 (ART. 249, § 2º, DO CPC/73). Diante da possibilidade de decisão favorável ao Reclamante, deixa-se de apreciar a suscitada nulidade, nos termos do artigo 282, § 2º, CPC/2015 (art. 249, § 2º, CPC/73). Recurso de revista não conhecido, quanto ao tema. 2. RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE. PROVIMENTO PARA RECONHECER O CARÁTER DISCRIMINATÓRIO DA DISPENSA. NECESSIDADE DE ANÁLISE DE TODOS OS PEDIDOS RELACIONADOS AO TEMA. EFEITO DEVOLUTIVO DO RECURSO ORDINÁRIO. SÚMULA 393/TST. A interposição de recurso ordinário transfere ao órgão ad quem o conhecimento de toda a matéria objeto de irresignação. Trata-se do efeito devolutivo, comum aos recursos e que, no recurso ordinário, tem caráter amplo. Esse efeito pode ser analisado sob duas perspectivas: em sua dimensão horizontal (extensão do efeito devolutivo) e em sua dimensão vertical (profundidade do efeito devolutivo, também conhecido como efeito translativo). A extensão do efeito devolutivo delimita o objeto litigioso, os limites da impugnação, definindo-se satisfatoriamente pelo antigo brocardo ” tantum devolutum quantum appellatum “. A profundidade do efeito devolutivo, por sua vez, delimita as questões que devem ser examinadas pelo órgão recursal para solucionar a matéria impugnada. Dispõe o art. 1.013, § 1º, do CPC/15 que ” Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo , ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado “. Pela redação do parágrafo ora mencionado, percebe-se que é possível ao Tribunal ad quem analisar todos os fundamentos de mérito, examinados ou não pelo magistrado, pois o dispositivo legal confere ampla profundidade ao recurso interposto pela parte, não restringindo o exame recursal a questões efetivamente solucionadas na decisão impugnada. Assim, o efeito devolutivo amplo abrange tanto matérias examináveis de ofício quanto fundamentos que, em que pese terem sido suscitados, deixaram de ser analisados. Em consonância com a explanação ora esposada, este TST editou a Súmula 393, cujo enunciado dispõe que: ” O efeito devolutivo em profundidade do recurso ordinário, que se extrai do § 1º do art. 1.013 do CPC de 2015 (art. 515, §1º, do CPC de 1973), transfere ao Tribunal a apreciação dos fundamentos da inicial ou da defesa, não examinados pela sentença , ainda que não renovados em contrarrazões, desde que relativos ao capítulo impugnado “. Na hipótese , o Reclamante, na inicial, pleiteou o reconhecimento do caráter discriminatório da dispensa, em razão de ser portador de alcoolismo , com base na Lei nº. 9.029/1995, apresentando vários pedidos daí decorrentes ; dentre os quais o de condenação da Reclamada ao pagamento de indenização por dano moral. O Juízo de origem julgou improcedente o referido pedido , por assentar que não restou demonstrada a despedida discriminatória do Obreiro . A Corte Regional, por sua vez, reconheceu o caráter discriminatório da dispensa do Obreiro, portador de alcoolismo, nos termos da Súmula 443/TST, reformando a sentença, no aspecto, tão somente para condenar a Reclamada ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais), com juros e correção monetária na forma da Súmula 439/TST. O Reclamante opôs embargos de declaração, ao argumento de que o TRT não se manifestou quanto a todos os efeitos do reconhecimento da dispensa discriminatória, na extensão prevista em lei e postulada na petição inicial . Contudo, o TRT, mesmo provocado por embargos de declaração, deixou de analisar tais pleitos. Com efeito, uma vez devolvido o tema ” responsabilidade civil da Reclamada pela dispensa discriminatória ” ao Tribunal Regional, e, considerando a ampla e profunda devolutividade do recurso ordinário – nos termos do art. 1.013 do CPC e da Súmula 393/TST -, compreende-se que todos os pleitos relacionados a este tema deveriam ter sido analisados pela Corte Regional, nos moldes postulados na petição inicial – o que não foi observado pelo Colegiado de origem. Recurso de revista conhecido e provido no aspecto.
C) AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMADA. ANÁLISE PREJUDICADA. Em virtude do provimento do recurso de revista da Reclamante, o que motivou o retorno dos autos ao TRT de origem, mostra-se prejudicado o exame do apelo da Reclamada. Análise do agravo de instrumento prejudicada.
A decisão foi unânime, mas a empresa já interpôs embargos declaratórios, ainda não analisados pelo TST.
Processo: RRAg – 10068-50.2016.5.09.0041