Trabalhadora estava em licença médica por suspeita de contaminação pelo novo coronavírus e descumpriu orientação de permanecer isolada
A Justiça do Trabalho decidiu validar a dispensa por justa causa de uma trabalhadora de supermercado de Brusque (SC) que, após entrar em licença médica alegando sintomas de Covid-19, viajou para a cidade turística de Gramado (RS) no período em que deveria estar cumprindo quarentena.
O afastamento foi solicitado pela própria empregada, que apresentou atestado médico particular. Embora a orientação médica fosse para que ela repousasse e permanecesse em casa, a trabalhadora admitiu que viajou com o namorado para passar o final de semana na serra gaúcha. Após se reapresentar na empresa, ela foi dispensada por justa causa.
Argumentando que trabalhara por sete anos na empresa e que a punição era um ato desproporcional e excessivo, a empregada contestou judicialmente a dispensa por justa causa e exigiu o pagamento de R$ 18 mil em verbas rescisórias.
Multa
Os argumentos não convenceram o juiz titular da 2ª Vara do Trabalho de Brusque, que confirmou a dispensa por justa causa e classificou como “gravíssimo” o comportamento da trabalhadora.
O juiz Roberto Masami Nakajo asseverou na sentença que “o mundo vive um momento atípico no qual muitas medidas têm sido tomadas na tentativa de salvar vidas, manter empregos e a economia ativa” e que nesse contexto “a autora recebeu atestado médico justamente para que ficasse em isolamento por ter tido contato com pessoa supostamente contaminada pelo coronavírus”.
Ressaltou o magistrado que “a empresa continuou a pagar seu salário e, em contrapartida, esperava-se que a autora mantivesse isolamento, um ato de respeito em relação ao próximo e à toda sociedade, e que atitudes como esta, contrária às orientações das autoridades sanitárias, podem levar à uma elevação dos níveis de infecção e a novas restrições, o que poderia comprometer ainda mais a saúde financeira das empresas, incluindo da ex-empregadora da autora da ação.”
“Tenho por caracterizado ato de improbidade e de mau procedimento”, concluiu o juiz Nakajo ao manter a justa causa.
O juiz também condenou a empregada a pagar multa de 10% do valor da causa por litigância de má-fé, a ser revertida a entidade pública ou filantrópica para o combate à pandemia. “Postular a reversão da justa causa diante de tão grave conduta, representa, por si só, ato desleal e procedimento temerário”, frisou.
Recurso
No julgamento do recurso, os desembargadores da 3ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-SC) foram unânimes em considerar a dispensa válida. A desembargadora-relatora Quézia Gonzalez destacou que a segurança dos ambientes de trabalho é uma questão vital para o enfrentamento da crise sanitária.
“Numa pandemia não existem obrigações estranhas ao meio ambiente laboral, sendo ele parte importante da equação para o enfrentamento da grave crise”, disse a magistrada, apontando que a situação de crise deve reforçar o comprometimento de todos os atores sociais em prol da saúde.
Gonzalez também destacou o fato de que, ao contrário de uma licença médica comum, o afastamento da empregada não tinha caráter individual. “A medida decorreu não do adoecimento e da necessidade de tratamento médico ou hospitalar, mas por indicativos de que poderia ter sido contaminada por um vírus de alta transmissibilidade, como medida social”, comparou.
Ainda segundo a relatora, o fato de o exame indicar que a trabalhadora não estava contaminada pelo vírus na ocasião da viagem não ameniza o ocorrido. “O que se avalia aqui é o liame de confiança e de honestidade entre os polos da relação trabalhista”, concluiu.
O recurso ficou assim ementado:
JUSTA CAUSA. MANUTENÇÃO. INTERRUPÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO PARA OBSERVÂNCIA DE QUARENTENA DETERMINADA POR AUTORIDADE SANITÁRIA COMO MEIO DE EVITAR A PROPAGAÇÃO DO CORONAVÍRUS SARS-COV-2 EM RAZÃO DA SUSPEITA DE CONTAMINAÇÃO DA TRABALHADORA (ART. 3º DA LEI Nº 13.979/2020). DESCUMPRIMENTO DA MEDIDA QUE AUTORIZAVA O AFASTAMENTO LABORAL. As medidas quarentenárias não refletem a necessidade de afastamento por incapacidade laborativa, mas uma medida de contenção epidemiológica de doença infectocontagiosa, tendo como núcleo central a separação de pessoas suspeitas de contaminação, o que justifica a sua consideração como hipótese de interrupção do contrato de trabalho por expressa previsão legal (art. 3º, caput, §§ 1º e 3º, da Lei nº 13.979/2020). A conduta da autora, consistente em viajar a lazer quando da interrupção do contrato de trabalho, período durante o qual deveria ter restado em quarentena em razão da suspeita de contaminação pelo coronavírus SARS-CoV-2, afronta diretamente a determinação de autoridade pública que respaldava considerar o seu afastamento como justificado, resultando no descumprimento de obrigações contratuais, já que o contrato de trabalho é sinalagmático, o que reflete a ideia de deveres mútuos, dentre os quais a prestação de serviços, salvo nas hipóteses de suspensão ou de interrupção, é o principal deles. A desconformidade entre, de um lado, o respeito e a observância, pelo empregador, das determinações das autoridades públicas, e, de outro, a conduta obreira transgressora das mesmas diretrizes importa reconhecer que o liame de confiança estabelecido entre as partes restou substancialmente atingido, autorizando a justa causa.
Por maioria, o colegiado também decidiu manter a multa aplicada à empregada.
PROCESSO 0000786-02.2020.5.12.0061