Em razão da ilegitimidade do Ministério Público Federal (MPF), a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu pela extinção, sem resolução de mérito, de uma ação civil pública em que a instituição contestava a tramitação de projeto de lei do plano diretor de Florianópolis sem as audiências públicas obrigatórias previstas no artigo 40, parágrafo 4º, I, do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001).
Por meio da ação, o MPF argumentou que o Poder Executivo municipal não teria promovido as audiências públicas necessárias para a feitura do plano diretor. Segundo o MPF, a não realização dessas audiências violaria a garantia da efetiva participação popular na definição do ordenamento do solo.
A intenção do MPF era que a Câmara Municipal devolvesse o projeto de lei ao Executivo para que fossem feitas as audiências, com ampla divulgação prévia e plena participação popular.
Ilegitimidade
No STJ, o relator, ministro Sérgio Kukina, afirmou que o MPF não tem legitimidade ativa nesse caso, conforme dispõem os artigos 3º e 267, VI, do Código de Processo Civil de 1973. “De fato, em hipóteses como a descortinada nestes autos, em que se coloca em xeque a atuação de instâncias governamentais domésticas ou locais, a legitimidade ativa se desloca para o plexo de atribuições do Ministério Público estadual, como deflui de sua respectiva Lei Orgânica Nacional, a saber, a Lei 8.625/93”, afirmou o ministro.
Kukina também explicou que o caso não trata da legitimidade do MPF para promover a tutela do meio ambiente: “A causa de pedir da ação, portanto, diz, exclusivamente, com a afirmada inobservância, pelos Poderes municipais, do correspondente iter legislativo desenhado para a confecção do plano diretor, inexistindo, desse modo, qualquer pretensão voltada à imediata tutela do meio ambiente.”
O recurso ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ESTATUTO DA CIDADE. PROJETO DE LEI DO PLANO DIRETOR DE FLORIANÓPOLIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL CONTRA O MUNICÍPIO E CONTRA A UNIÃO. ALEGAÇÃO AUTORAL DA FALTA DE ASSEGURAMENTO DA EFETIVA PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO LEGISLATIVO DO PLANO DIRETOR DA CAPITAL CATARINENSE. MATÉRIA DE INTERESSE LOCAL. ATRIBUIÇÃO TÍPICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. EXEGESE DO ART. 27 DA LEI Nº 8.625⁄93 (LEI ORGÂNICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DOS ESTADOS). RECONHECIMENTO DA ILEGITIMIDADE ATIVA DO PARQUET FEDERAL. CARÊNCIA DE AÇÃO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.1. A pretensão imediata da ação civil pública em comento objetiva conformar a atuação dos Poderes Executivo e Legislativo do município de Florianópolis às diretrizes normativas que asseguram a participação popular na elaboração do Projeto Legislativo do Plano Diretor do município.2. Visando a presente ação coletiva corrigir falha no iter legislativo do mencionado projeto (falta de participação da população), cuja irregularidade se atribui a autoridades municipais que, nos termos do art. 40, § 4º, do Estatuto da Cidade, são as legalmente responsáveis pela condução dos trabalhos legislativos, é força concluir que a legitimação ativa para a lide pertence ao Ministério Público Estadual, a teor da exegese do art. 27 da Lei nº 8.625⁄93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público dos Estados).3. Para fins de aferição da legitimidade ativa ad causam do MPF, desinfluente se revela a também presença da União no polo passivo da demanda, tanto mais que, como bem reconhecido pelo acórdão regional, inexiste respaldo legal para que, como desejado pelo Ministério Público Federal, se impusesse à União o encargo pleiteado na petição inicial.4. Em suma, o Ministério Público Federal é parte ilegítima para ajuizar ação civil pública que visa à anulação da tramitação de Projeto de Lei do Plano Diretor do município de Florianópolis, ao argumento da falta de participação popular nos respectivos trabalhos legislativos. Caracterizada, nessa medida, ofensa ao art. 267, VI, do CPC⁄73.5. Recurso especial a que se dá provimento, com a extinção do processo sem resolução de mérito, ante o reconhecimento da ilegitimidade ativa do Parquet federal. Agravo interno do MPF prejudicado.