O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu liminar na Ação Cautelar (AC) 3806 para conferir efeito suspensivo ao Recurso Extraordinário (RE) 594481 em que a União recorre de acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que assegurou aos procuradores da Fazenda Nacional o direito a férias anuais de 60 dias. O relator observou que a existência de dúvida razoável quanto ao direito pleiteado e o perigo da demora decorrente de repercussão financeira justificam a concessão da cautelar.
O ministro destacou que, segundo a União, dezenas de procuradores da Fazenda Nacional estão aptos a usufruir férias de 60 dias, desfalcando o contingente de pessoal da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e que, no caso de os beneficiários optarem pela conversão das férias em pecúnia, o dispêndio dos cofres públicos pode atingir a cifra de R$ 186.930.687,80, “em claro prejuízo ao erário”.
“Além disso, caso o Supremo Tribunal Federal conclua pela inexistência do direito a férias de sessenta dias aos procuradores da Fazenda, a União não terá como reaver os valores eventualmente pagos aos membros da PGFN, em caso de conversão das férias em pecúnia, muito menos recuperar os dias de folga já gozados com fundamento na decisão proferida pelo STJ. Tais circunstâncias, por si só, já configurariam o periculum in mora a justificar o deferimento da liminar requerida”, afirmou o relator.
O ministro observou não haver identidade de objeto entre o RE 594481 e o RE 602318, com repercussão geral, no qual o Plenário do STF entendeu que as férias dos procuradores federais são de 30 dias. Embora em ambos os casos o pleito se refira a férias de 60 dias e a discussão sobre a eventual recepção das Leis 2.123/1953 e 4.069/1962, com status de lei complementar, pela Constituição Federal de 1988, em cada recurso o direito pleiteado se refere aos integrantes de categoria específica de servidor público.
Segundo o relator, além da questão em relação à recepção das leis, também será preciso analisar a constitucionalidade da equiparação de vencimentos e vantagens entre os procuradores da Fazenda e os procuradores da República, em razão do artigo 37, inciso XIII, da Constituição, que veda a equiparação de vencimentos entre espécies remuneratórias dentro do serviço público.
“Com efeito, a solução dessas questões envolve o exame de mérito do recurso extraordinário, o que será feito oportunamente por esta Corte nos autos do RE 594481”. Com a concessão da liminar, o ministro reconsiderou decisão anterior em que havia negado efeito suspensivo ao recurso da União.
O recurso ficou assim decidido:
AÇÃO CAUTELAR. Pretensão de conferir efeito suspensivo a recurso extraordinário.
1. A atribuição de efeito suspensivo a recurso extraordinário só é aceita em hipóteses excepcionais, nas quais não se enquadra o presente caso.
2. A existência de dúvida fundada quanto à plausibilidade do pedido no recurso extraordinário desautoriza a pretensão de lhe conceder efeito suspensivo. 3. Inexistência de perigo na demora em recurso extraordinário interposto em 2007 e contra decisão sem efeitos pecuniários imediatos.
DECISÃO
1. Trata-se de ação cautelar, com pedido de medida liminar, que objetiva conferir efeito suspensivo a recurso extraordinário interposto pela União (RE 594.481/DF) em face de acórdão do Superior Tribunal de Justiça (REsp 415.691/DF).
2. A lide na origem diz respeito à mandado de segurança impetrado pelo Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional – SINPROFAZ contra a negativa de deferimento de férias de sessenta dias, com pagamento de terço constitucional, aos Procuradores da Fazenda.
3. Examinando o feito, o juízo de primeiro grau concedeu a segurança, posteriormente reformada pelo TRF da 1ª Região. O SINPROFAZ interpôs recurso especial contra o acórdão, provido pelo Superior Tribunal de Justiça, com fundamento na impossibilidade de medida provisória revogar leis que tratavam de matéria referente à organização e funcionamento da Procuradoria da Fazenda Nacional, recepcionadas pela Constituição com status de lei complementar (art. 131, CF). Contra o acordão, a União interpôs recurso extraordinário, que foi sobrestado pelo Ministro Joaquim Barbosa, em razão do reconhecimento de matéria análoga à disposta nos autos do RE 602.381-RG.
4. Em paralelo, a União interpôs reclamação perante o STF, com pedido liminar, contra decisão do Relator no Resp 415.691/DF, que determinara o cumprimento do acórdão proferido, mediante a concessão do direito de férias de sessenta dias aos procuradores integrantes na carreira no momento da impetração do mandado de segurança. No caso, a União sustentou a ocorrência de afronta ao julgamento da ADC nº 4. A liminar foi deferida pelo Ministro-Relator para suspender a decisão reclamada. Posteriormente, contudo, o Plenário desta Corte julgou improcedente a reclamação.
5. A União alega que a decisão pela improcedência da reclamação retomou a força executória da decisão proferida pelo STJ, sendo, portanto, cabível a presente ação cautelar para conferir efeito suspensivo ao recurso extraordinário. Registra a plausibilidade jurídica do pedido recursal com base na decisão proferida no RE 602.381-RG pela inexistência do direito a férias de sessenta dias dos Procuradores Federais, tese que se aplicaria ao presente caso. Alude ainda a perigo na demora por conta de possível repercussão financeira do cumprimento da decisão do STJ.
6. É o relatório.
Decido.
7. A pretensão não merece acolhida. A jurisprudência desta Corte tem se orientado no sentido de que a concessão de tutela de urgência no âmbito do recurso extraordinário interposto pela parte interessada é medida excepcional, justificada apenas mediante o preenchimento dos pressupostos a seguir: (i) a instauração de jurisdição cautelar do Supremo Tribunal Federal, por meio da existência de juízo de admissibilidade do recurso extraordinário, consubstanciado em decisão proferida pelo Presidente do Tribunal de origem ou resultante do provimento do recurso de agravo de instrumento; (ii) a viabilidade processual do recurso extraordinário interposto; (iii) a plausibilidade da tese jurídica veiculada no recurso extraordinário; (iv) a existência do periculum in mora, pela demora na apreciação do apelo extremo.
8. Tais requisitos não ocorrem no presente caso. Inicialmente, há dúvidas fundadas quanto à plausibilidade do pedido do recurso extraordinário no qual se postula o efeito suspensivo. Com efeito, apesar de as decisões de sobrestamento do RE 594.481/DF entenderem pela semelhança entre o presente caso e o discutido nos autos do RE 602.381-RG, a Ministra Cármen Lúcia manifestou ser inaplicável aos Procuradores da Fazenda Nacional o mesmo tratamento conferido aos Procuradores Federais, uma vez que são membros de carreiras diversas e estão submetidos a legislação diferentes. Tanto é assim que, em esclarecimento proferido antes do julgamento da causa, destacou que a repercussão geral seria decidida apenas para os Procuradores Federais. Confiram-se alguns trechos do voto proferido que comprovam essa afirmação: A discussão neste processo centra-se na interpretação do art. 131, caput, da Constituição da República e a sua aplicação aos procuradores federais. (…) Embora seja certo que a Procuradoria-Geral Federal integra a Advocacia Pública, não é possível concluir que ela integra a Advocacia-Geral da União. A lei usou terminologia própria e inconfundível, qual seja, a Procuradoria-Geral Federal é vinculada à AGU, e não um de seus órgãos. (…) O art. 131 da Constituição da República não tratou da Procuradoria-Geral-Federal ou dos procuradores federais, ou seja, esse dispositivo constitucional não disciplinou a representação judicial e extrajudicial das autarquias e fundações públicas (Administração Indireta), mas apenas da União (Administração Direta). O art. 131 da Constituição tratou da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, no seu § 3º , conforme se observa na sua transcrição: (…)
9. Portanto, sem comprometer-me em definitivo com a tese sustentada, deixando o pronunciamento conclusivo para seu momento adequado, o que se pode afirmar em sede de juízo sumário é que não parece ser plausível a alegação da União de que a decisão desta Corte pela denegação de férias de sessenta dias aos Procuradores Federais seria aplicável aos Procuradores da Fazenda Nacional. Conforme se demonstrou, a tese assentada na repercussão geral abrange somente os Procuradores Federais. Inclusive, a diferença entre as carreiras é confirmada pela própria União nos autos do RE 602.381-RG: Não se pode confundir, ou pretender confundir-se, o cargo de Procurador da Fazenda Nacional, membro da Advocacia-Geral da União, nos termos do art. 2º, § 5º da Lei Complementar nº 73/1993, e que possui lei específica que dispõe sobre sua remuneração (Lei nº 10.549/2002), com o cargo de Procurador Federal, carreira integrante da Procuradoria-Geral Federal, criada pela Lei nº 10.480/2002, apenas vinculada à AGU, que exerce sua supervisão, não possuindo ainda a condição de membro da AGU.
10. Ademais, não há perigo na demora na presente cautelar. Isso ocorre por dois singelos motivos. Em primeiro lugar, verifico que a interposição do recurso ocorreu no ano de 2007, sem qualquer pedido de efeito suspensivo ou alegação de possível dano em caso de cumprimento da decisão do STJ.
11. Em segundo lugar, o direito reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça diz respeito à fruição de férias de sessenta dias. Isto é: o que se afirmou foi que os Procuradores da Fazenda abrangidos pela decisão continuariam podendo tirar férias correspondentes a esse período. Essa decisão não promoveu reclassificação ou equiparação de servidores públicos, pagamento de vencimentos, concessão de aumento remuneratório ou extensão de vantagens pecuniárias. Embora a fruição de férias envolva o pagamento do terço constitucional, esse não é o objeto da demanda, mas mera consequência lógica da medida.
12. Como o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, o acórdão de mérito do STJ poderia ser executado imediatamente, como afirma a lei e determinou o Relator no feito de origem. Os interessados podiam, portanto, requerer administrativamente as suas férias. No entanto, nos casos em que considerou inconveniente o gozo do direito, a União o indeferiu. A conversão em pecúnia teve causa, portanto, nessa recusa da Administração em assegurar a fruição efetiva das férias. Mais especificamente, cuida-se de uma representação pecuniária do direito que não pôde ser gozado na forma própria. Se o acórdão poderia ser executado tal como previsto, e os interessados poderiam tirar férias, impedir a sua fruição na forma alternativa de perdas e danos é dar à União o poder de esvaziar o caráter mandamental do acórdão do STJ. Não pode a Administração impor a transformação de um direito não-pecuniário em perdas e danos apenas para se livrar do ônus que um acórdão exequível lhe impõe.
13. Por todas as razões descritas, entendo que o recurso extraordinário não possui viabilidade jurídica o suficiente para dar ensejo à tutela ora pretendida.
14. Diante do exposto, considerando a inexistência de periculum in mora e fumus boni iuris, nego seguimento à presente ação cautelar (RI/STF, art. 21, § 1º), ficando prejudicado o exame do pedido de medida liminar.
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Processo relacionado: AC 3806