Segundo o ministro Gilmar Mendes, não há direito adquirido a regime jurídico.
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou seguimento (julgou inviável) ao Recurso Extraordinário (RE) 954968, em que um procurador da Fazenda Nacional pedia o reconhecimento do direito adquirido a férias de 60 dias anuais. Segundo o ministro, não há direito adquirido a regime jurídico.
Até a edição da Medida Provisória 1.522/1996, convertida na Lei 9.527/1997, os procuradores da Fazenda Nacional tinham direito a 60 dias de férias por ano, com fundamento na legislação que os equiparava aos membros do Ministério Público da União. A partir de então, o período foi reduzido para 30 dias.
No recurso ao Supremo, o procurador João Ferreira de Assis questionava decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) que havia negado o direito à manutenção dos 60 dias. Ele argumentava que, conforme estabelece o artigo 131 da Constituição Federal, cabe à lei complementar dispor sobre a organização e o funcionamento da Advocacia-Geral da União (AGU), na qual está inserida a Procuradoria da Fazenda Nacional. Segundo ele, como tem status de lei complementar, a norma que fundamentava a equiparação não poderia ser revogada por medidas provisórias ou por leis ordinárias.
Mas, de acordo com o ministro Gilmar Mendes, o dispositivo constitucional somente exige lei complementar para dispor sobre a organização e o funcionamento da AGU (estruturação de cargos e funções) e não engloba a regulamentação de direitos e deveres, entre eles as férias. O relator explicou que o direito dos procuradores da Fazenda Nacional a 60 dias de férias anuais também é debatido no RE 594481. Como nesse caso não houve ainda julgamento do mérito ou reconhecimento da repercussão geral da matéria, não havia obstáculo à apreciação do recurso sob a sua relatoria.
O recurso ficou assim decidido:
Trata-se de recurso extraordinário em face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ementado nos seguintes termos: “ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. PROCURADOR DA FAZENDA NACIONAL. FÉRIAS DE 60 DIAS ANUAIS. Após a edição da MP 1.522/96, convertida na Lei 9.527/97, os Procuradores da Fazenda Nacional não possuem direito a 60 dias de férias anuais, quanto aos períodos aquisitivos a partir de 1997. Precedentes”. (eDOC 8, p. 57) No recurso extraordinário, interposto com fundamento no art. 102, III, “a”, da Constituição Federal, aponta-se violação ao art. 131 do texto constitucional. Nas razões recursais, alega-se que o Tribunal de origem aplicou, ao caso, o disposto nos arts. 20 e 26 da lei complementar 73/1993, o art. 77 da lei 8.112/1990 e o art. 5° da lei 9.527/1997, e não a legislação específica que trata da matéria, conforme estabelece o art. 131 da CF/88. Sustenta-se, ainda, que, até a edição da medida provisória 1.522/1996, convertida na lei 9.527/1997 (que prevê 30 dias de férias anuais), os Procuradores da Fazenda Nacional vinham gozando de 60 dias de férias por ano, com fundamento na legislação que os equiparava aos membros do Ministério Público da União, a qual possui o status de lei complementar e que não poderia ser revogada por medidas provisórias ou por leis ordinárias. Dessa forma, teria havido violação ao art. 131 do texto constitucional, que estabelece que cabe à lei complementar dispor sobre a organização e o funcionamento da Advocacia-Geral da União, na qual está inserida a Procuradoria da Fazenda Nacional. (eDOC 8, p. 102) Intimada, a parte recorrida defendeu que os direitos dos Procuradores da Fazenda Nacional são os previstos na própria lei complementar 73/1993 e, subsidiariamente, aqueles constantes da lei 8.112/1990, que dispõe, de modo específico, sobre o de gozo de férias anuais de 30 dias, não havendo direito adquirido do autor a regime jurídico. (eDOC 9) A Procuradoria-Geral da República manifestou-se pelo não provimento do recurso. (eDOC 9) Decido. A irresignação não merece prosperar. Inicialmente, destaco que, embora similar, a presente controvérsia é distinta daquelas apreciadas no bojo do RE 929.886 e do RE 602.381, que tratam da validade de férias anuais de 60 dias para advogados da União e para procuradores federais, respectivamente. O RE 602.381 teve a repercussão geral da questão constitucional reconhecida e o mérito julgado, ocasião em que esta Suprema Corte destacou que aquele precedente era aplicável apenas aos procuradores federais, em razão da especificidade da legislação que rege a carreira. De fato, naquele recurso extraordinário, a questão decidida foi outra, no sentido de que as leis 2.123/1953 e 4.069/1962 não foram recepcionadas com status de lei complementar pela Constituição para a Procuradoria-Geral Federal, sendo impossível a equiparação entre procuradores autárquicos e membros do Ministério Público. Confira-se a ementa da decisão: “CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ALEGADA INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DE TURMA RECURSAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS NS. 282 E 356 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA. RECURSO AO QUAL NÃO SE CONHECE NO PONTO. PROCURADORES FEDERAIS. PRETENDIDA CONCESSÃO DE FÉRIAS DE SESSENTA DIAS E CONSECTÁRIOS LEGAIS. ART. 1º DA LEI N. 2.123/1952 E ART. 17, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 4.069/1962. DISPOSIÇÕES NORMATIVAS RECEPCIONADAS COM STATUS DE LEI ORDINÁRIA. POSSIBILIDADE DE REVOGAÇÃO PELO ART. 18 DA LEI N. 9.527/1997. INTERPRETAÇÃO DO ART. 131, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. A PROCURADORIA-GERAL FEDERAL, APESAR DE MANTER VINCULAÇÃO, NÃO SE CARACTERIZA COMO ÓRGÃO DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO. ATUAL IMPOSSIBILIDADE DE EQUIPARAÇÃO DAS CONDIÇÕES FUNCIONAIS DOS MEMBROS DA ADVOCACIA PÚBLICA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, PROVIDO.” (RE 602.381, rel. min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe de 3/2/2015) Já o RE 929.886, ainda sem resolução de mérito, trata de controvérsia referente às férias anuais de advogados da União, com a expressa ressalva de que não são apreciados, naqueles autos, direitos dos procuradores da Fazenda Nacional, conforme se depreende da manifestação do Min. Relator pelo reconhecimento da repercussão geral naquele recurso extraordinário: “Outrossim, é relevante observar que a presente controvérsia, embora semelhante, não se confunde com as discussões travadas nos recursos extraordinários 594.481 e 602.381, que tratam da validade das férias de 60 (sessenta) dias para os procuradores da fazenda nacional e os procuradores federais, ambas carreiras que, juntamente aos advogados da União, integram a Advocacia-Geral da União”. Por fim, destaco que o direito dos procuradores da fazenda nacional a 60 dias de férias anuais também é debatido no âmbito do RE 594.481, sem que tenha havido julgamento mérito ou reconhecimento da repercussão geral da matéria. (RE 594.481, Rel. Min. Roberto Barroso). Assim, não há óbice à apreciação do presente feito. Feitos esses esclarecimentos, verifico que o Tribunal de origem, ao examinar a legislação infraconstitucional aplicável à espécie (lei complementar 73/1993, lei 8.112/1990 e lei 9.527/1997) e o conjunto probatório constante dos autos, consignou que os Procuradores da Fazenda Nacional não possuem direito a 60 dias de férias anuais. Nesse sentido, extrai-se o seguinte trecho do acórdão impugnado: “A MM. Juíza Federal, Dra. Rosimar Terezinha Kolm, apreciou com precisão a lide, nos seguintes termos: […] Assim, a matéria relativa a férias dos Procuradores da Fazenda Nacional, é atualmente regulada da seguinte forma: Lei Complementar n° 73. de 10-02-1993 (”Institui a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e dá outras providências”).’ […] Lei 8.112. de 11-12-1990 (dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União. das autarquias e das fundações públicas federais): […] Lei n° 9.527. de 10-12-1997 (alterou dispositivos das Leis n 8.112. de 11 de dezembro de 1990.8.460. de 17 de setembro de 1992. e 2.180. de 5 de fevereiro de 1954): […] o direito a férias dos Procuradores da Fazenda Nacional, a partir do período aquisitivo de 1997, na forma da legislação atualmente em vigor, é de 30 dias anuais. Se a Lei Complementar quisesse preservar as férias de 60 dias aos Procuradores da Fazenda Nacional teria expressamente previsto este direito, a exemplo do que fez a Lei Complementar n° 75, de 20-05-2003, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União. […] Isto porque o art. 131 da Constituição Federal preceitua: Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo. (grifei) Portanto, somente é exigida Lei Complementar para dispor sobre a organização e o funcionamento da Advocacia-Geral da União, o que inclui a estruturação de cargos e funções, através da instituição de cargos e carreiras, da fixação das lotações e da forma dos provimentos dos cargos. A exigência de lei complementar não engloba a regulamentação de direitos e deveres, entre eles o direito a férias. Ressalte-se, ainda, que está preservado o princípio da isonomia, porquanto a Lei Complementar n° 73/93 dispõe expressamente que são estendidos aos Procuradores da Fazenda Nacional os mesmos direitos dos demais servidores públicos, na forma do Regime Jurídico Único. Por fim, consigne-se que inexiste direito adquirido a regime jurídico”. (eDOC 8) De fato, o art. 131 da Constituição Federal estabelece que a Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo, sendo que, na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Assim, nos termos do texto constitucional, a lei complementar 73/1993 expressamente dispôs que os membros da carreira têm os direitos assegurados por aquela legislação e pela lei nº 8.112/1990, com o que restou revogada toda lei pretérita incompatível com tais diplomas. Posteriormente, a lei 9.527/1997, fruto de conversão de medida provisória, alterou dispositivos da lei 8.112/1990 e determinou que serão concedidos trinta dias de férias anuais aos ocupantes de cargo efetivo de procurador da Administração Pública Federal, não havendo o que se falar, portanto, em violação ao art. 131 da Constituição, porquanto exige-se lei complementar apenas para dispor sobre organização e funcionamento da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Ademais, não se pode olvidar que não há direito adquirido a regime jurídico. Confiram-se, a propósito, os seguintes precedentes: “Recurso Extraordinário. 2. Questões funcionais referentes à carreira da Procuradoria da Fazenda Nacional. Período de férias. Lei ordinária. Possibilidade. 3. Exigência de lei complementar apenas para dispor sobre sua organização e funcionamento (art. 131 da CF). 4. Recurso Extraordinário a que se nega provimento”. (RE 539370, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe 4.3.2011) “AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PROCURADORES DA FAZENDA NACIONAL. FÉRIAS DE 60 DIAS POR ANO. RISCO DE GRAVE LESÃO À ORDEM E À ECONOMIA PÚBLICAS. MEDIDA DE CONTRACAUTELA CONCEDIDA. CONTROVÉRSIA SUBJACENTE ACERCA DA CONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL DOS ARTIGOS 5º E 18 DA LEI 9.527/1997 EM FACE DOS ARTIGOS 37, XV, 59, 69, 131 E 135 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REAFIRMAÇÃO DA COMPETÊNCIA DESTA SUPREMA CORTE PARA O JULGAMENTO DO PEDIDO DE CONTRACAUTELA. INEXISTÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO DO ACÓRDÃO CUJA SUSPENSÃO FOI SOBRESTADA PELA DECISÃO AGRAVADA. INOCORRÊNCIA DE PERDA DE OBJETO DA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DE TODOS OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. INVIABILIDADE DO RECURSO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO”. (SS 3423 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, DJe 29.5.2019) No mesmo sentido, também são as seguintes decisões monocráticas: RE 1135612, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 18.6.2018, e RE 965186, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 1.8.2016. Ante o exposto, nego seguimento ao recurso (art. 932, VIII, do CPC, c/c art. 21, §1º, do RISTF)
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Processo relacionado: RE 954968