Fixação de ICMS para medicamentos deve observar preços praticados pelo mercado

Nas hipóteses em que os preços adotados pelo mercado sejam consideravelmente inferiores à tabela de referência divulgada pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), a base de cálculo para fixação do ICMS deve acompanhar os valores praticados efetivamente, sob pena de o estado ser obrigado a devolver o tributo excedente. O ajuste tem o objetivo de evitar o excesso de onerosidade ao contribuinte do imposto e, por consequência, ao consumidor final.

O entendimento foi firmado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que manteve decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). Ao comparar os valores estipulados pela CMED a título de Preço Máximo ao Consumidor (PMC) e os preços efetivamente praticados pelo mercado, o TJRS concluiu ter havido distorção do valor do ICMS devido à adoção do PMC como referência da base de cálculo do imposto para os casos de substituição tributária progressiva.

Nesse regime de substituição, a lei determina a pessoa responsável pelo pagamento do imposto de terceiros (substituídos), que são participantes de cadeia econômica em que o fato gerador do tributo só ocorrerá posteriormente.

PMC e ICMS

No recurso especial julgado pela Segunda Turma, o Estado do Rio Grande do Sul alegou que o artigo 8º da Lei Complementar 87/1996 – que dispõe sobre o ICMS – especifica que, nos casos de mercadoria ou serviço cujo preço final ao consumidor seja fixado por órgão competente, a base de cálculo do imposto, para efeito de substituição tributária, deve ser o preço fixado pelo órgão.

Para o estado, o texto legal possui normatividade suficiente para legitimar a conduta da Fazenda gaúcha de arbitrar o valor da base de cálculo das operações de medicamentos tendo como referência os valores fixados pela CMED, já que a câmara é constituída como órgão público regulador do setor econômico no qual se insere o mercado de remédios.

O relator do recurso especial, ministro Mauro Campbell Marques, reconheceu que os fundamentos apresentados pela Fazenda Pública estadual encontram amparo na jurisprudência do STJ, que já confirmou que a Lei 10.742/2003 autoriza que a CMED fixe, anualmente, o Preço Máximo ao Consumidor dos medicamentos, de forma que o comércio varejista utilize essa tabela de referência inclusive para efeito de apuração do ICMS.

Preços superiores

Todavia, no caso analisado, o ministro explicou que o tribunal gaúcho, de forma adequada, excepcionou a jurisprudência que autoriza a utilização do PMC para fins de substituição tributária. Isso porque houve comprovação específica de que a base de cálculo imposta pelo Estado, para fins de substituição tributária, era muito superior ao preço efetivamente praticado no comércio varejista.

O relator também destacou recente mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal, que, ao julgar o RE 593.849, concluiu que é devida a restituição da diferença do ICMS pago a mais no regime de substituição tributária progressiva se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida.

“Nesse contexto – seja em consequência da política da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos, seja em razão da própria política de mercado –, se os preços praticados pelos varejistas são inferiores aos preços divulgados pela CMED, não é dado ao Estado-membro impor a observância dos preços divulgados, fomentando, dessa forma, a indevida majoração dos preços dos medicamentos no mercado varejista”, concluiu o relator ao rejeitar o recurso do Rio Grande do Sul.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SUBMISSÃO À REGRA PREVISTA NO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 02⁄STJ. SUPOSTA OFENSA AO ART. 535 DO CPC⁄73. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. TRIBUTÁRIO. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. FIXAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO COM BASE NOS PREÇOS DIVULGADOS PELA CÂMARA DE REGULAÇÃO DO MERCADO DE MEDICAMENTOS. PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE RELATIVA. POSSIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO DE QUE O PREÇO PRATICADO PELO COMÉRCIO VAREJISTA É INFERIOR À BASE DE CÁLCULO PRESUMIDA.
1. Não havendo no acórdão recorrido omissão, obscuridade ou contradição, não fica caracterizada ofensa ao art. 535 do CPC⁄73.
2. Na linha dos precedentes deste Tribunal: (a)  para fins de substituição tributária do ICMS, é legítima a imposição de que a base de cálculo do imposto corresponda ao preço final a consumidor, fixado por órgão público competente; (b) O art. 8º da LC 87⁄96, para fins de substituição tributária progressiva do ICMS, deve levar em consideração os dados concretos de cada caso, para fins de fixação da base de cálculo do ICMS.
3. Assim, em princípio: “Estabelecendo a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos – CMED os critérios para obtenção dos valores correspondentes ao Preço Máximo ao Consumidor, esse valores correspondem à base de cálculo do ICMS, para fins de substituição tributária.” (RMS 20.381⁄SE, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 29⁄06⁄2006, DJ 03⁄08⁄2006, p. 203).
4. Todavia, conforme constou do acórdão recorrido, no caso concreto a parte autora comprovou que a base de cálculo do ICMS (fixada com base no Preço Máximo ao Consumidor) é “muito superior” ao preço efetivamente praticado no comércio varejista. Nesse contexto, o Tribunal de origem excepcionou, de modo adequado, os precedentes deste Tribunal — que autorizam a utilização do Preço Máximo ao Consumidor para fins de fixação da base de cálculo do ICMS no regime de substituição tributária, no que concerne ao comércio de medicamentos —, especialmente ao afirmar que “a base de cálculo estimada deve se aproximar ao máximo da realidade do mercado, de forma a se evitar a excessiva onerosidade ao contribuinte do imposto e, consequentemente, ao consumidor final”.
5. Ressalte-se que tal entendimento é reforçado, em razão da recente mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal que, nos autos do RE 593.849⁄MG, firmou a seguinte tese jurídica em sede de repercussão geral: “É devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida”.
6. Na linha desse entendimento, se a base de cálculo efetiva é inferior à presumida, é devida a restituição do ICMS pago a maior no regime de substituição tributária. Nesse contexto, não pode o Estado-membro determinar a utilização de critério que implique seja a base de cálculo do ICMS, fixada para fins de substituição tributária, superior ao preço praticado (base de cálculo efetiva), sob pena de ser obrigado a devolver o ICMS pago a maior. Constitui ônus do contribuinte comprovar a discrepância entre o base de cálculo “presumida” e a efetiva. Todavia, havendo comprovação específica, impõe-se reconhecer a ilegalidade do critério utilizado pela entidade tributante (como ocorre no caso dos autos), pois, “o modo de raciocinar ‘tipificante’ na seara tributária não deve ser alheio à narrativa extraída da realidade do processo econômico, de maneira a transformar uma ficção jurídica em uma presunção absoluta”.
7. É oportuno ressaltar que o caso concreto refere-se ao comércio de medicamentos, itens de primeira necessidade. Conforme informações extraídas do endereço eletrônico “http:⁄⁄www.brasil.gov.br⁄saude” a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed) atua no sentido de regular os preços, obstando que as empresas do ramo pratiquem preços superiores aos que autorizados pelo Governo. Em análise relativa aos “preços máximos estabelecidos pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed) entre março de 2004 e dezembro de 2011”, verificou-se que “a regulação econômica permitiu que os medicamentos chegassem às mãos dos brasileiros com preços, em média, 35% mais baratos do que os pleiteados pelas indústrias farmacêuticas”. Nesse contexto — seja em consequência da política da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed), seja em razão da própria política de mercado —, se os preços praticados pelos varejistas são inferiores aos preços divulgados pela CMED, não é dado ao Estado-membro impor a observância dos preços divulgados, fomentando, dessa forma, a indevida majoração dos preços dos medicamentos no mercado varejista. Ressalte-se que “a regulação do mercado de medicamentos é baseada em um modelo de ‘Teto de Preços’”.
8. Recurso especial não provido.
No STF o processo ficou assim ementado:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. TRIBUTÁRIO. ICMS. BASE DE CÁLCULO: PREÇO MÁXIMO DE VENDA AO CONSUMIDOR. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVAS. SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AUSÊNCIA DE OFENSA CONSTITUCIONAL DIRETA. VERBA HONORÁRIA MAJORADA EM 1%, PERCENTUAL QUE SE SOMA AO FIXADO NA ORIGEM, OBEDECIDOS OS LIMITES DOS §§ 2º, 3º E 11 DO ART. 85 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/2015, E MULTA APLICADA NO PERCENTUAL DE 1%, CONFORME O § 4º DO ART. 1.021 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1519034

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