Segunda Turma rejeita recurso do INSS contra concessão de benefício a mulheres indígenas menores de 16 anos

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou que a limitação etária não pode afastar a condição de segurada especial para mulheres indígenas menores de 16 anos nem vedar seu acesso ao sistema de proteção previdenciária estruturado pelo poder público, inclusive ao salário-maternidade.

Com base nesse entendimento, o colegiado, por unanimidade, negou provimento a recurso do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que pretendia reformar acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).

Uma ação civil pública foi movida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o INSS com o objetivo de que a autarquia se abstivesse de indeferir, exclusivamente por motivo de idade, os requerimentos de benefícios de salário-maternidade formulados pelas seguradas indígenas da etnia Mbyá-Guarani, respeitadas as demais exigências constantes na legislação.

A sentença atendeu ao pedido do MPF e determinou que o INSS parasse de negar os pedidos de salário-maternidade exclusivamente por motivo de idade. A decisão foi mantida pelo TRF4 sob o argumento de que é incabível evocar a Constituição Federal para negar acesso a direito previdenciário. Além disso, o tribunal considerou viável reconhecer a condição de segurado especial para quem exerce atividade rurícola, mesmo que menor de 16 anos.

No recurso apresentado ao STJ, o INSS pediu a impugnação do acórdão do TRF4, alegando que contrariou os dispositivos infraconstitucionais contidos na Lei 8.212/ 91, que institui o plano de custeio da Previdência Social, e na Lei 8.213/91, que dispõe sobre os planos de benefícios.

Proteção

O relator, ministro Herman Benjamin, afirmou que o acórdão impugnado está em consonância com o entendimento firmado pelo STJ em casos idênticos.

Segundo o ministro, o tribunal compreende que as regras de proteção estabelecidas para crianças e adolescentes não podem ser utilizadas para restringir direitos, e mesmo que, de forma indevida, tenha ocorrido a prestação de trabalho por menor de 16 anos, é necessário assegurar para essa criança ou adolescente, ainda que indígena, a proteção do sistema previdenciário, desde que preenchidos os requisitos exigidos na lei, devendo ser afastada a limitação etária.

Herman Benjamin também destacou, em seu voto, trechos de outro julgado (REsp 1.650.697), cujo relator, ministro Mauro Campbell Marques, ressaltou que o sistema previdenciário protege os indígenas, caso desempenhem trabalho remunerado.

Ainda de acordo com a decisão citada, tanto a Constituição Federal, quanto a Convenção 129 da Organização Internacional do Trabalho e o Estatuto do Índio garantem aos indígenas o mesmo tratamento conferido aos demais trabalhadores no que se refere aos direitos previdenciários.

O recurso ficou assim ementado:

PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INDÍGENAS MENORES DE 16 (DEZESSEIS) ANOS. CONDIÇÃO DE SEGURADAS ESPECIAIS. CONCESSÃO DE SALÁRIO-MATERNIDADE. CABIMENTO. PRECEDENTES.
1. Cuida-se, na origem, de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal contra o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, em que objetiva que o réu se abstenha de indeferir, exclusivamente por motivo de idade, os requerimentos de benefícios de salário-maternidade formulados pelas seguradas indígenas da cultura Mbyá-Guarani provenientes de qualquer cidade de competência. A sentença de procedência foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
2. O acórdão impugnado está em consonância com o entendimento do STJ em casos idêntico aos dos autos. Por emblemático, transcreve-se trecho do REsp 1.650.697⁄RS: “3. O sistema previdenciário protege os indígenas, caso desempenhem trabalho remunerado. A Constituição da República de 1988, a Convenção 129 da Organização Internacional do Trabalho e o Estatuto do Índio são uníssonos ao proteger os direitos indígenas e garantir à esta população, no tocante ao sistema previdenciário, o mesmo tratamento conferido aos demais trabalhadores. 4. A limitação etária não tem o condão de afastar a condição de segurada especial das indígenas menores de 16 (dezesseis) anos, vedando-lhes o acesso ao sistema de proteção previdenciária estruturado pelo Poder Público. Princípio da primazia da verdade. as regras de proteção das crianças e adolescentes não podem ser utilizadas com o escopo de restringir direitos. 5. Nos casos em que ocorreu, ainda que de forma indevida, a prestação do trabalho pela menor de 16 (dezesseis) anos, é preciso assegurar a essa criança ou adolescente, ainda que indígena, a proteção do sistema previdenciário, desde que preenchidos os requisitos exigidos na lei, devendo ser afastado o óbice etário” (REsp 1.650.697⁄RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 4⁄5⁄2017). No mesmo sentido: AgRg no REsp 1559760⁄MG, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 14⁄12⁄2015; REsp 1440024⁄RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 28⁄08⁄2015.
3. Recurso Especial não provido.
Ocorreu recurso para o Supremo Tribunal Federal, recebendo a seguinte numeração RE 1192837, ficando assim ementado:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRABALHADOR RURAL. MENOR DE 16 ANOS DE IDADE. CONCESSÃO DE SALÁRIO-MATERNIDADE. ART. 97 DA CF/88 E SÚMULA VINCULANTE 10. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. PRECEDENTES.
1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que não há violação ao princípio da reserva de plenário quando o acórdão recorrido apenas interpreta norma infraconstitucional, sem declará-la inconstitucional ou afastar sua aplicação com apoio em fundamentos extraídos da Constituição Federal. Precedentes.
2. Inaplicável o art. 85, § 11, do CPC/2015, uma vez que não houve fixação de honorários advocatícios.
3. Agravo interno a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015.

REsp 1709883

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