Para a caracterização do dano, deve haver demonstração efetiva de prejuízo ao convívio familiar e social.
A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho afastou a condenação da Sulclean Serviços, de Santa Maria (RS), ao pagamento de indenização por danos existenciais a um serralheiro em razão da não concessão de férias dentro do prazo legal. Segundo o colegiado, para a caracterização do dano existencial deve haver demonstração efetiva de prejuízo ao convívio familiar e social.
Cinco anos
Na reclamação trabalhista, o empregado contou que foi compelido a vender seus dias de férias em diversos períodos concessivos e, por isso, passara mais de cinco anos sem usufruir do descanso. Além do pagamento em dobro dos períodos, ele pedia a indenização, com o argumento de que ficara impossibilitado de fruir do lazer com sua família.
Integração social e familiar
O juízo da 2ª Vara do Trabalho de Santa Maria concedeu o pagamento de férias em dobro e a indenização de R$ 5 mil, por considerar que o empregado havia dano a sua integridade física e psíquica/mental. De acordo com a sentença, as férias visam proporcionar não apenas descanso, mas, também, a integração social e familiar do trabalhador, prejudicada em razão do trabalho. O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) majorou a condenação para R$ 7 mil.
Demonstração efetiva
O relator do recurso de revista da empresa, ministro Ives Gandra, explicou que a própria lei já estabelece como sanção, no caso da não concessão de férias, o pagamento em dobro (CLT, artigo 137). E, conforme a jurisprudência do TST, para que haja o dever de indenizar, é imprescindível que haja a demonstração efetiva de prejuízo ao convívio familiar e social, o que não ficou demonstrado na decisão do TRT. “Entendo que a supressão desse direito, por si só, não é suficiente a autorizar a indenização por dano existencial, sendo necessária a demonstração da repercussão do fato e da ofensa aos direitos da personalidade, que justifique reparação”, concluiu.
O recurso ficou assim ementado:
I) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA – SUMARÍSSIMO – DANO EXISTENCIAL – FÉRIAS NÃO GOZADAS – TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA – AGRAVO PROVIDO .
1. O critério de transcendência corresponde a um filtro seletor de matérias que mereçam pronunciamento do TST para firmar teses jurídicas pacificadoras da jurisprudência trabalhista e depois controlar sua aplicação pelos TRT.
2. Nos termos do art. 896-A, § 1º, IV, da CLT, constitui transcendência jurídica da causa a existência de questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista.
3. Diante da novidade da questão relativa a constituir dano existencial a não concessão de férias ao trabalhador, reconhece-se a transcendência jurídica da causa, vislumbrando-se possível violação do art. 5º, V e X, da CF, com a concessão de indenização por dano moral por tais motivos .
Agravo de instrumento provido .
II) RECURSO DE REVISTA – SUMARÍSSIMO – FÉRIAS NÃO GOZADAS – INEXISTÊNCIA DE DANO “EXISTENCIAL” – PROVIMENTO .
1. No campo da responsabilidade civil, em que as obrigações são extracontratuais, devidas em ocorrência de danos sofridos por alguém e provocados por outrem, a positivação da doutrina se deu no Código Civil de 1916 pela fixação da necessidade de reparação dos atos ilícitos (CC, art. 159), ligados originariamente à indenização por danos materiais, mas contemplando também algumas situações de danos morais, como a injúria e calúnia, mas sob o prisma dos prejuízos materiais sofridos pelo ofendido (CC, art. 1.547 e parágrafo único). A Constituição Federal de 1988 ampliou os bens passíveis de tutela contra danos, incluindo os extrapatrimoniais, como a imagem, vida privada, intimidade e honra da pessoa (art. 5º, V e X), e o Código Civil de 2002 atualizou a disciplina da responsabilidade civil, para albergar também os danos morais para o caso de difamação (CC, art. 953).
2. Até a edição da Lei 13.467/17, a Justiça do Trabalho se pautou pelo Código Civil quanto à parametrização dos danos materiais e morais, uma vez que a CLT não dispunha de normas quanto a obrigações extracontratuais, no campo da responsabilidade civil ligada a relações de trabalho. Hoje os parâmetros decorrem dos arts. 223-A a 223-G da CLT (danos extra-patrimoniais), sendo os bens tutelados a honra, imagem, intimidade, liberdade de ação, autoestima, sexualidade, saúde, lazer e integridade física (CLT, art. 223-C).
3. Nesse contexto evolutivo, a figura do dano “existencial” tem surgido como categoria jurídica por demais indeterminada, capaz de albergar qualquer conteúdo que se queira, tal como expectativas de realização pessoal e progressão profissional frustradas, com vistas à imposição de indenização suplementar àquilo que o ordenamento jurídico já prevê como sanções pelo descumprimento de normas trabalhistas.
4. No caso, quer em face da concretude dos bens extra-patrimoniais tutelados por nosso ordenamento legal (honra, imagem, intimidade, liberdade de ação, autoestima, sexualidade, saúde, lazer e integridade física), quer pela indeterminação do conceito doutrinário de dano existencial, que sequer possui previsão legal, como o princípio aberto da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), não o tenho como passível de respaldar majoração indenizatória àquilo que a própria lei já estabeleceu como sanção, no caso da não concessão de férias, que deverão ser pagas em dobro (CLT, art. 137), razão pela qual é de se prover o recurso patronal, excluindo da condenação o dano “existencial” deferido.
Recurso de revista conhecido e provido.
A decisão foi unânime.
Processo: RR-21015-56.2019.5.04.0702