A Justiça do Trabalho do Ceará condenou as empresas James Delivery Intermediações de Negócios Ltda. e a Companhia Brasileira de Distribuição (Grupo Pão de Açúcar) a reconhecer vínculo trabalhista de um entregador, assim como pagar verbas trabalhistas no valor arbitrado de R$ 30 mil. A sentença, publicada neste mês de junho, é do juiz Vladimir Paes de Castro, em exercício pela 13ª Vara do Trabalho de Fortaleza.
Entenda ação
O trabalhador foi contratado no ano de 2019 na função de entregador. Ele realizava jornadas diárias de trabalho, de acordo com a demanda, em horários variáveis. O seu trabalho consistia na entrega de mercadorias, geralmente gêneros alimentícios para os clientes indicados pela empresa. Na reclamação trabalhista, o autor da ação informou que foi bloqueado pela plataforma em setembro de 2021.
Na defesa, a empresa alegou que o trabalhador era entregador parceiro e prestador de serviços autônomo. Afirmou que não havia a presença dos requisitos da relação de emprego, não existindo, portanto, subordinação jurídica. Por outro lado, não foi contestado o período de trabalho, nem tampouco foi juntada documentação que demonstrasse horários e dias das entregas realizadas pelo entregador.
Sentença
O magistrado Vladimir de Castro, inicialmente, reconheceu que James Delivery e outras empresas de aplicativos que fornecem serviços de entrega de bens móveis, principalmente alimentos e mercadorias, “não seriam apenas consideradas como facilitadoras do encontro de clientes e prestadores de serviços / microempreendedores, mas a própria responsável pelo fornecimento do serviço de acordo com a demanda imediata dos seus clientes”.
Para ilustrar, o juiz citou que os valores das entregas são fixados automaticamente pelo aplicativo, de acordo com seus algoritmos, conforme a demanda em determinado horário, dia e bairro, ou seja, “o trabalhador motoboy não tem nenhuma ingerência”. Destacou, ainda, acerca da falta de possibilidade de escolha do entregador pelo cliente, sendo que é a própria plataforma que faz essa triagem automaticamente.
Foram mencionados, ainda na decisão, outros elementos que reforçam a existência de subordinação na relação jurídica entre o motoqueiro e a empresa: recomendação dos modos de tratamento aos clientes; propaganda ostensiva do serviço aos usuários; pagamento feito pelo consumidor final por cartão de crédito diretamente à empresa; remuneração dos entregadores, pela empresa, mesmo quando a entrega se dá de forma gratuita ao usuário, por promoção feita pela própria companhia.
O magistrado Vladimir de Castro concluiu que se trata de uma nova forma de exploração de mão de obra de trabalho. “O suposto prestador de serviço, no caso o entregador, não tem nenhum benefício e não possui liberdade contratual para pactuar com autonomia. Trata-se, em regra, de trabalhadores(as) subordinados(as) como outro(a) qualquer, submetidos(as) aos direcionamentos da empresa digital, trabalhando muitas horas diárias em favor da plataforma, sobrevivendo de seu labor como entregador (delivery) de aplicativo, cuja atividade econômica é toda gerida pelo algoritmo da reclamada”.
Em relação às empresas acionadas, o juiz entendeu que James Delivery tem como objeto principal de sua atividade econômica a prestação de serviços de entrega de alimentos e mercadorias, e, para tanto, faz a gestão de uma multidão de trabalhadores (principalmente motoqueiros e ciclistas) para obter a satisfação das demandas de seus clientes.
Ficou ainda registrado na sentença que todas as empresas que exercem esse tipo de atividade econômica através de plataformas digitais exigem que o entregador arque com todas as despesas pelo exercício de sua atividade. “Entendo que está muito bem demonstrada a submissão dos trabalhadores a um cenário de absoluta precarização de seu trabalho, que além de prestar o labor em regra de forma subordinada, trabalhando dezenas de horas semanais, sem fruir de direitos trabalhistas, ainda têm que arcar com todos os custos relacionados ao exercício da atividade de entregador de delivery”, concluiu.
Condenação
As empresas James Intermediação de Negócios Ltda. e Companhia Brasileira de Distribuição foram condenadas a reconhecer o vínculo de emprego com o entregador na modalidade contrato de trabalho intermitente, no período de maio de 2019 a setembro de 2021, com salário de R$ 2,4 mil por mês. Foi declarada, ainda, a nulidade do contrato de parceria e prestação de serviços. O valor arbitrado da condenação foi de R$ 30 mil e inclui direitos trabalhistas, indenização por danos morais pela dispensa arbitrária e indenização das despesas de aluguel do veículo, manutenção e combustível.
Da sentença, cabe recurso.