Compete ao juízo da falência decidir sobre garantias dadas pela falida a empresa em recuperação

“Cuidando-se de bens do falido, que apenas garantem o cumprimento de obrigação em favor da empresa em recuperação, compete ao juízo do processo falimentar decidir o que entender de direito a respeito deles.”

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manifestou esse entendimento ao julgar conflito de competência entre o juízo que processa a autofalência de suposta devedora – segundo o qual os bens dados por ela em garantia pertencem à massa falida – e o juízo onde tramita a recuperação judicial da credora – que não libera os bens por entender que caberia ao juízo arbitral, em primeiro lugar, decidir o mérito da divergência entre as empresas a respeito de eventual descumprimento do contrato.

Os bens que estão no centro da controvérsia foram dados por uma empresa de serviços como garantia da execução de contrato firmado com uma empresa de energia renovável para construção e manutenção de parques eólicos. Diante de suposto descumprimento das obrigações por parte da prestadora de serviços, o caso foi submetido a procedimento de arbitragem, no qual se chegou a um acordo que, segundo a contratante, também teria sido descumprido.

A empresa de energia renovável entrou em recuperação judicial na Justiça estadual de São Paulo, enquanto a prestadora de serviços requereu sua autofalência em juízo do Ceará.

Bens da m​​assa

O conflito de competência no STJ foi suscitado pelo juízo da recuperação, após o juízo responsável pelo processo falimentar ter entendido que o propósito da garantia teria sido cumprido, devendo os bens retornar para a massa falida. Para o juízo suscitante, a controvérsia deveria ser solucionada em procedimento arbitral, para decidir sobre o mérito do descumprimento das obrigações.

Para o relator do conflito, ministro Antonio Carlos Ferreira, compete ao juízo da falência decidir sobre a destinação dos bens dados em garantia pela falida, que estão vinculados à execução concursal, inclusive sobre eventuais atos constritivos incidentes sobre o seu patrimônio.

Antonio Carlos destacou que o artigo 6º, caput e parágrafo 1º, da Lei 11.101/2005 estabelece que a decretação da falência suspende o curso de todas as ações e execuções contra o devedor, prosseguindo a ação que demandar quantia ilíquida no juízo em que estiver sendo processada. “No presente caso, a arrecadação dos bens em favor da massa falida não impede seja processada no juízo arbitral eventual demanda na qual se discuta o descumprimento de obrigações contratuais e créditos ilíquidos”, disse.

Habilitação na ​​falência

Ele ressaltou que, caso o juízo arbitral, eventualmente, reconheça que a empresa falida descumpriu o pacto de garantia, haverá formação de crédito em favor da outra empresa, a ser habilitado na falência, para fins de execução concursal, na classe própria, na forma dos artigos 6º, parágrafo 3º, e 83 da Lei 11.101/2005.

O juízo da recuperação judicial, explicou, tem competência para solucionar, exclusivamente, o destino a ser dado aos bens específicos de propriedade da recuperanda – o que ainda não é o caso no momento.

O ministro afirmou ainda que, se a empresa contratante discordar de decisão do juízo falimentar quanto ao destino dos bens dados em garantia, deve fazer uso dos recursos cabíveis nos autos do processo de falência, visando à reforma do respectivo entendimento, uma vez que o conflito de competência não possui índole recursal.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSO CIVIL. CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA ENTRE O JUÍZO DA FALÊNCIA DA SUPOSTA DEVEDORA E O JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL DA EVENTUAL CREDORA. CONTROVÉRSIA ACERCA DO DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS. BENS DE PROPRIEDADE DA FALIDA DADOS EM GARANTIA. LIBERAÇÃO DA GARANTIA. QUESTÕES DE DIREITO MATERIAL SUBMETIDAS AO JUÍZO ARBITRAL. CONFLITO SEM FINALIDADE RECURSAL. DISPOSIÇÃO SOBRE TAIS BENS. COMPETÊNCIA DO JUÍZO FALIMENTAR.
1. O conflito de competência, nestes autos, decorre da divergência entre o Juízo que processa a autofalência da suposta devedora, o qual se considera competente e afirma que os bens dados em garantia são de propriedade da massa falida, e o Juízo onde tramita a recuperação judicial da credora, que não libera os referidos bens por entender que compete ao Juízo arbitral, em primeiro lugar, decidir sobre o mérito do descumprimento das obrigações.
2. Extrai-se do “Memorando de Entendimentos” e dos respectivos aditivos assinados pelas partes que os bens discutidos neste conflito (três conjuntos de pás eólicas a serem submetidos à perícia independente e a importância depositada), entregues pela falida, proprietária de tais bens, representam, exclusivamente, garantias ao cumprimento das obrigações contratuais. Até o presente momento, a contratante do serviço, em recuperação judicial, não pode executar tais garantias e incorporar, definitivamente, os referidos bens ao seu patrimônio.
3. Havendo somente decisão do Juízo falimentar afirmando que os bens pretendidos por suposta credora pertencem à massa falida – entendimento que, diante dos elementos dos autos, deve prevalecer –, compete ao Juízo da falência decidir sobre a destinação da importância depositada e dos três conjuntos de pás eólicas, bens vinculados à execução concursal, inclusive sobre eventuais atos constritivos incidentes sobre o patrimônio da falida.
4. Eventualmente, caso o Juízo arbitral reconheça que a empresa falida é devedora de algum valor à sociedade que postula os bens dados em garantia, haverá formação de crédito em favor da empresa credora, a ser habilitado na falência, para fins de execução concursal.
5. Discordando a suposta credora de decisão do Juízo da falência, quanto ao destino a ser dado aos bens dados em garantia, deve fazer uso dos recursos cabíveis nos autos do processo falimentar, objetivando a reforma do respectivo entendimento, uma vez que o conflito de competência não tem função recursal.
6. Conflito conhecido para estabelecer a competência do JUÍZO DE DIREITO DA 2ª VARA DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS DE FORTALEZA – CE.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): CC 166591

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