A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a ilegitimidade do Banco Bradesco para figurar no polo passivo de cumprimento de sentença em ação de cobrança de expurgos inflacionários da poupança, proposta contra o Banco Econômico – cujo controle, transferido sucessivamente a outras instituições, acabou adquirido pelo Bradesco. Para o colegiado, a transferência de ativos e passivos do Econômico relativos à poupança envolveu apenas os depósitos existentes na data do negócio, não alcançando contas encerradas anteriormente.
O recurso ao STJ foi interposto contra decisão que entendeu caracterizada a sucessão de uma instituição financeira pela outra, sob o fundamento de que o Bradesco, ao adquirir o varejo bancário do Banco Econômico S/A, assumiu toda a sua clientela, incluídos direitos e obrigações sobre contas de depósitos. Dessa forma, deveria integrar o polo passivo da ação, ajuizada em 2005.
Segundo o processo, em 1996, o Banco Econômico – sob intervenção do Banco Central – celebrou contrato pelo qual o Banco Excel comprou seus ativos e assumiu os passivos. Posteriormente, o Excel foi comprado pelo Banco Bilbao Viscaya Argentaria Brasil, cujas ações foram adquiridas pelo Bradesco.
Teoria da aparência
O relator do recurso no STJ, ministro Villas Bôas Cueva, lembrou que o tribunal já se manifestou no sentido da inaplicabilidade da teoria da aparência em situações similares, bem como pela necessidade de verificação da titularidade dos passivos em cada caso concreto, de acordo com o contrato entre as instituições financeiras e as demais provas.
Segundo o magistrado, tal exigência – que refoge às regras gerais aplicáveis à incorporação, à fusão e à cisão empresarial, previstas nos artigos 227 e seguintes da Lei 6.404/1976 – resulta das normas específicas do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), implementado em novembro de 1995.
O relator verificou que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro concluiu que o contrato firmado entre o Banco Excel e o Econômico transferiu para o primeiro – e, consequentemente, para todos os seus sucessores – a responsabilidade pelo crédito discutido no processo.
Responsabilidade contratual
De acordo com Villas Bôas Cueva, tal conclusão está assentada tão somente no fato de que um anexo do contrato entre o Econômico e o Excel teria previsto a transferência de todos os ativos e passivos referentes a “depósitos de poupança”. Contudo, o ministro observou que o contrato foi firmado em 12 de abril de 1996, quase seis anos depois do encerramento da conta-poupança mantida pela autora da ação de cobrança contra o Banco Econômico.
“Presente tal circunstância, não se poderia concluir pela legitimidade do ora recorrente [Bradesco] para responder pela dívida cobrada apenas com fundamento na transferência de todos os ativos e passivos referentes a depósitos de poupança, partindo-se do pressuposto de que a aludida transferência contemplou apenas os depósitos existentes à época do negócio celebrado em 12 de abril de 1996, expressamente identificados em moeda corrente”, considerou.
Para que fosse possível responsabilizar o Excel – afirmou o relator –, o contrato também deveria prever a responsabilidade da instituição adquirente por futuras demandas relacionadas às cadernetas de poupança, mesmo aquelas já encerradas, ou, ainda de maneira mais genérica, que a sucessão se operaria em relação a todos os processos judiciais, presentes e futuros.
Desconsideração da personalidade
Villas Bôas Cueva ainda destacou que, caso a conclusão fosse outra, também não seria apropriado redirecionar a execução para pessoa jurídica distinta daquela que, de fato, assumiu ativos e passivos específicos do Banco Econômico, a não ser pela via da desconsideração da personalidade jurídica, observados os requisitos do artigo 50 do Código Civil.
“Sem que se tenha promovido a desconsideração da personalidade jurídica, a dívida somente poderia ser exigida de quem efetivamente assumiu os ativos e passivos do Banco Econômico, ou seja, do Banco Alvorada (atual denominação do Banco Excel), ainda que se trate de instituição financeira pertencente ao mesmo grupo econômico do Banco Bradesco”, concluiu.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E DIREITO BANCÁRIO. AÇÃO DE COBRANÇA. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. BANCO BRADESCO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. SUCESSÃO UNIVERSAL. NÃO OCORRÊNCIA. ATIVOS E PASSIVOS. TITULARIDADE. VERIFICAÇÃO EM CADA CASO CONCRETO. TEORIA DA APARÊNCIA. INAPLICABILIDADE. PERSONALIDADES JURÍDICAS DISTINTAS. CONSERVAÇÃO.1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3⁄STJ).2. Cinge-se a controvérsia a definir se o Banco Bradesco é parte legítima para integrar o polo passivo do cumprimento de sentença exarada nos autos de ação de cobrança proposta contra o Banco Econômico.3. A jurisprudência desta Corte firmou posicionamento no sentido de não reconhecer a ocorrência de sucessão universal entre instituições financeiras que celebram contrato de compra e venda de ativos e passivos sob as regras do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (PROER).4. Inaplicabilidade da teoria da aparência, sendo necessária a verificação da titularidade dos ativos e passivos em cada caso, de acordo com o contrato de compra e venda de ativos e assunção de direitos e obrigações, aliado aos demais meios de prova admitidos.5. Hipótese em que, a partir da análise das cláusulas do “Contrato de Compra e Venda de Ativos e Assunção de Passivos, Opção de Compra de Bens, Cessão de Direitos Contratuais e Outras Avenças”, firmado entre o Banco Econômico e o Banco Excel, o Tribunal de origem manteve o Banco Bradesco no polo passivo do pedido de cumprimento de sentença ao fundamento de que houve a transferência de todos os ativos e passivos referentes a “Depósitos de Poupança”.6. Peculiar situação dos autos em que o negócio celebrado entre as instituições financeiras, sob a disciplina das normas aplicáveis ao PROER, foi realizado em 12⁄4⁄1996, quase 6 (seis) anos depois do encerramento da conta-poupança mantida pela autora perante o Banco Econômico.7. Transferência de ativos e passivos referentes a “Depósitos de Poupança” que contemplou apenas os depósitos existentes à época do negócio celebrado em 12⁄4⁄1996, expressamente identificados em moeda corrente.8. Não se admite o redirecionamento da execução contra pessoa jurídica distinta daquela que, de fato, assumiu os ativos e passivos específicos do Banco Econômico S.A., senão pela via da desconsideração da personalidade jurídica, observados os requisitos do art. 50 do Código Civil.9. Recurso especial provido.
Leia o acórdão.