TRF1 determina que ICMBio simplifique comprovação da deficiência na inscrição dos candidatos em concurso

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos (Cebraspe) recorreram ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) da decisão que aceitou os pedidos formulados em ação civil pública para declarar a ilegalidade do art. 3º, inciso IV do Decreto 9.508/2018.

O normativo exige às pessoas com deficiência a comprovação da condição no ato da inscrição dos candidatos no concurso do Edital nº1/2021.

Ao avaliar o recurso, a 5ª Turma da Corte aceitou parcialmente as alegações do Cebraspe e do ICMBio que afirmaram haver condições estabelecidas na legislação vigente e em edital para se concorrer às vagas destinadas aos candidatos com deficiência e que a cláusula questionada do edital do ICMBio não traz inovação legal (mudança, criação ou introdução de novas leis, regulamentos ou normas em um sistema jurídico).

Segundo consta dos autos, o item 5.1.5 do referido edital exigia que pessoas com deficiência, ao se inscreverem para o concurso, apresentassem um parecer emitido por uma equipe multiprofissional e interdisciplinar. Esse parecer deveria atestar, ainda, o tipo e o grau de deficiência do candidato, fazendo referência específica ao código da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) e indicar a provável causa da deficiência.

Obstáculos ao acesso de pessoas com deficiência – O Ministério Público se manifestou sobre o caso argumentando que “a exigência de comprovação antecipada da deficiência para a inscrição em concursos públicos é ilegal, pois cria obstáculos ao acesso a cargos públicos que não estão previstos em lei” e que o próprio edital já prevê a realização de uma avaliação biopsicossocial de acordo com a exigida sob responsabilidade do Cebraspe depois das provas e, por isso, “não seria razoável exigir o parecer multidisciplinar no momento da inscrição”.

Para o relator, desembargador federal Carlos Augusto Pires Brandão, “ao condicionar a inscrição do candidato à comprovação da condição de deficiência por meio de parecer emitido por uma equipe multidisciplinar, não apenas representa uma inovação ilegal no sistema jurídico, mas também entra em conflito com o propósito de proteção legal buscado pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), além de violar o princípio da razoabilidade e proporcionalidade”.

O magistrado ressaltou, também, que, embora o edital tenha força normativa dentro do concurso, este “edital não pode conter disposições que contrariem as normas constitucionais e legais sob o risco de violar o princípio do livre acesso aos cargos públicos”.

Nesse sentido, afirmou o relator, a Constituição Federal estabelece a proteção de igualdade de oportunidades. Logo, a Administração Pública não pode estabelecer, por meio de edital, restrições à participação de candidatos com deficiência em concurso públicos, senão aquelas necessárias à implementação da política pública de inclusão social.

Também afirmou o desembargador que a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009), em seu artigo 27, prescreve: “Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência ao trabalho, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Esse direito abrange o direito à oportunidade de se manter com um trabalho de sua livre escolha ou aceitação no mercado laboral, em ambiente de trabalho que seja aberto, inclusivo e acessível a pessoas com deficiência”.

Desproporcionalidade – Por essas razões, o desembargador federal Carlos Pires Brandão considerou que a exigência prevista no art. 3, inciso IV do Decreto 9.508/2018 de apresentação de parecer emitido por equipe multiprofissional e interdisciplinar formada por três profissionais, “embora procure evidenciar a abordagem social da deficiência, mostra-se, todavia, desproporcional à finalidade que pretende alcançar”, visto que pode afastar os candidatos que não têm como acessar, pelos mais diversos motivos, equipes qualificadas por profissionais especializados não disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ou pelo próprio concurso público.

Em vista do exposto pelo relator, o magistrado afirmou que é sensato e razoável, do ponto de vista jurídico, determinar que o ICMBio, nos próximos certames, passe a exigir no ato da inscrição “tão somente laudo médico simples, subscrito por médico inscrito em Conselho Regional de Medicina que ateste a espécie e o grau ou nível da deficiência do candidato como condição suficiente para comprovação da deficiência para fins de inscrição dos candidatos. Essa solução está em sintonia com os princípios estabelecidos na Constituição Federal, em tratados internacionais e na Lei nº 13.146/2015 e se mostra apropriada e necessária para contemplar de modo equilibrado os interesses da administração e os direitos fundamentais da pessoa humana. Com isso, reduz-se a possibilidade de fraudes, tornando o concurso mais acessível a candidatos com deficiência, garantindo-se a implementação da política pública de inclusão de modo coerente com o princípio da isonomia”, afirmou.

Além disso, o Instituto também fica autorizado a exigir que o candidato com deficiência, aprovado e convocado, seja submetido, previamente à contratação, à avaliação por equipe multidisciplinar que ateste a espécie e o grau ou o nível da deficiência, com expressa referência ao código correspondente da Classificação Internacional de Doenças (CID10), a fim de se aferirem o enquadramento de sua condição especial nas categorias legais e a compatibilidade ou não da deficiência com as atribuições do estágio.

O recurso ficou assim ementado:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS FUNDAMENTAIS. TRATADO INTERNACIONAL. CONCURSO PÚBLICO. PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE PARECER EMITIDO POR EQUIPE MULTIPROFISSIONAL E INTERDISCIPLINAR FORMADA POR 3 (TRÊS) PROFISSIONAIS. DIFICULDADE INJUSTIFICADA. ACESSO ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA AOS CARGOS PÚBLICOS. RAZOABILIDADE. 1. Trata-se de apelações interpostas pelo CEBRASPE e pelo ICMBio em face de sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos em ação civil pública que objetiva afastar a aplicação do art. 3º, inciso IV do Decreto 9.508/2018, bem como do item 5.1.5 do Edital nº 01 – ICMBio, de 26 de novembro de 2021, que impõe às pessoas com deficiência, no ato da inscrição do concurso, a apresentação de parecer emitido por equipe multiprofissional e interdisciplinar formada por 3 (três) profissionais, no qual deve ser atestada a espécie e o grau do nível de deficiência do candidato, com expressa referência ao código correspondente da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), assim como a provável causa da deficiência. 2. Embora o edital tenha força normativa dentro do concurso, obrigando tanto a Administração Pública quanto os candidatos às suas regras, ele não pode conter disposições que contrariem as normas constitucionais e legais, sob o risco de violar o princípio do livre acesso aos cargos públicos. Segundo esse princípio, os cargos, empregos e funções públicas devem estar acessíveis aos brasileiros que atendam aos requisitos estabelecidos em lei, bem como aos estrangeiros, nos termos da legislação aplicável (Constituição Federal, Artigo 37, Inciso I). 3. A moldura jurídico constitucional de proteção a igualdade de oportunidades determina que a Administração Pública não pode estabelecer exigências editalícias que importem em restrições intransponíveis à participação de candidatos com deficiência em concursos públicos, senão aquelas estritamente necessárias para a implementação da política pública de inclusão social. No mesmo sentido, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009), em seu artigo 27 prescreve: “Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência ao trabalho, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Esse direito abrange o direito à oportunidade de se manter com um trabalho de sua livre escolha ou aceitação no mercado laboral, em ambiente de trabalho que seja aberto, inclusivo e acessível a pessoas com deficiência.” 4. Por essa razão, a exigência prevista no Art. 3º, inciso IV do Decreto 9.508/2018, na parte em que impõe a apresentação pelos candidatos com deficiência, no ato de inscrição, de parecer emitido por equipe multiprofissional e interdisciplinar formada por 3 (três) profissionais, embora procure evidenciar a abordagem social da deficiência, mostra-se, todavia, desproporcional à finalidade que pretende alcançar, porquanto pode afastar candidatos portadores de deficiência que não têm como acessar, pelas mais diversas razões, a equipes qualificadas por profissionais especializados, não disponibilizados pelo sistema público de saúde ou pelo próprio concurso público. 5. Assim, exsurge juridicamente razoável determinar-se que o ICMBio, para os próximos certames que realizar, passe a exigir, por ocasião da inscrição, tão somente laudo médico simples, subscrito por médico inscrito em Conselho Regional de Medicina, que ateste a espécie e o grau ou nível da deficiência do candidato, como condição suficiente para comprovação da deficiência para fins de inscrição dos candidatos. Essa solução está em sintonia com os princípios estabelecidos na Constituição Federal, em tratados internacionais e na Lei nº 13.146/2015, e se mostra apropriada e necessária para contemplar de modo equilibrado os interesses da administração e os direitos fundamentais da pessoa humana. Com isso, reduz-se a possibilidade de fraudes, tornando o concurso mais acessível a candidatos com deficiência, garantindo-se a implementação da política pública de inclusão de modo coerente com o princípio da isonomia. 6. De outra parte, fica o ICMBio também autorizado a exigir que o candidato portador de deficiência aprovado e convocado seja submetido, previamente à contratação, a avaliação por parte de equipe multidisciplinar que ateste a espécie e o grau ou o nível da deficiência, com expressa referência ao código correspondente da Classificação Internacional de Doenças (CID10), a fim de se aferirem o enquadramento de sua condição especial nas categorias legais e a compatibilidade ou não da deficiência com as atribuições do estágio. 7. Sem honorários advocatícios, nos termos do art. 18, da Lei 7.347/85. 8. Apelações do CEBRASPE e ICMBio e remessa oficial parcialmente providas.

 

O Colegiado acompanhou, por unanimidade, o voto do relator.

 

Processo: 1000573-24.2022.4.01.3900

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