A 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou provimento ao recurso do Sindicato Nacional dos Analistas Tributários da Receita Federal do Brasil e manteve decisão que indeferiu pedido de reconhecimento de indenização a ocupantes de cargo em zona de fronteira, por entender que ainda não há a devida regulamentação da Lei 12.855/2013 e que as localidades estratégicas abrangidas por ela ainda precisam ser definidas por ato do Poder Executivo.
O Sindicato recorreu da sentença proferida em primeira instância argumentando que já haviam sido definidas as localidades que configurariam o direito à indenização em lista apresentada pelo Departamento de Polícia Federal (DPF) na Mensagem Eletrônica 003/2015-SIC/DGP/DPF, de 13 de fevereiro de 2015. Na mensagem, teriam sido divulgadas as unidades de lotação que, com justificativa técnica, ensejariam o pagamento da indenização.
No entanto, ao julgar o caso no TRF1, o relator, desembargador federal Rafael Paulo Soares Pinto, lembrou que o art. 84, IV, da Constituição Federal estabelece a competência privativa do Presidente da República para sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução. “Assim, entendo que o ato editado pelo Departamento de Polícia Federal não teve o condão de regulamentar a Lei 12.855/2013, mas tão somente de estabelecer uma relação sugestiva de localidades estratégicas que ensejam o pagamento da indenização em comento, a fim de amparar a futura regulamentação da norma por ato a ser editado pelo Poder Executivo”, destacou o magistrado no voto acompanhado por unanimidade pela 2ª Turma.
Ao negar provimento à apelação do sindicato, o desembargador federal destacou ainda que, caso a mensagem em questão tivesse regulamentado a referida lei, a regulamentação teria sido inconstitucional por invasão de competência atribuída privativamente ao chefe do Poder Executivo federal pela Constituição Federal. “Ressalto, por fim, segundo o entendimento adotado pelo STJ no Recurso Especial 1.617.086 – PR, julgado sob o rito dos recursos repetitivos, a Lei 12.855/2013, que instituiu a Indenização por Trabalho em Localidade Estratégica, é norma de eficácia condicionada à prévia regulamentação quanto à definição das localidades consideradas estratégicas para fins de pagamento da referida vantagem”, concluiu.
O REsp 1612778, ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA DE NATUREZA REPETITIVA. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. INDENIZAÇÃO POR TRABALHO EM LOCALIDADES ESTRATÉGICAS, VINCULADAS À PREVENÇÃO, CONTROLE, FISCALIZAÇÃO E REPRESSÃO DE DELITOS TRANSFRONTEIRIÇOS. ART. 1º, § 2º, DA LEI 12.855⁄2013. AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO. NECESSIDADE DE ATO NORMATIVO REGULAMENTADOR. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. TESE FIRMADA SOB O RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.I. Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC⁄73, aplicando-se, no caso, o Enunciado Administrativo 2⁄2016, do STJ, aprovado na sessão plenária de 09⁄03⁄2016 (“Aos recursos interpostos com fundamento no CPC⁄1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça”). Todavia, com o advento do CPC⁄2015, o rito de processo e julgamento dos recursos especiais repetitivos passou a ser estabelecido nos arts. 1.036 a 1.041 do referido diploma normativo. De igual modo, no âmbito do Regimento Interno desta Corte, o tema está regulado nos arts. 104-A e 256 a 256-X do RISTJ. Em consonância com o disposto no art. 1.036, § 5º, do CPC⁄2015 e no art. 256, caput, do RISTJ, previu-se a necessidade de afetação de dois ou mais recursos representativos da controvérsia, exigência cumprida, no caso, em razão de também ter sido afetado o REsp 1.617.086⁄PR, que cuida do mesmo tema.II. A controvérsia ora em apreciação, submetida ao rito dos recursos especiais representativos de controvérsia, nos termos dos arts. 1.036 a 1.041 do CPC⁄2015, cinge-se em estabelecer se a Lei 12.855⁄2013 – que prevê, em seu art. 1º, indenização destinada aos servidores públicos federais mencionados em seu § 1º, em exercício em unidades situadas em localidades estratégicas, vinculadas à prevenção, controle, fiscalização e repressão dos delitos transfronteiriços – tem eficácia imediata, ou, se para a percepção da aludida indenização, há necessidade de ato normativo regulamentador de seu art. 1º, § 2º, a fim de definir tais localidades estratégicas.III. Da leitura do art. 1º da Lei 12.855⁄2013 observa-se que, de forma clara, instituiu ela uma indenização a ser paga a servidores públicos da União, pertencentes às Carreiras e aos Planos Especiais de Cargos nela indicados, cujas atribuições estejam relacionadas à prevenção, controle, fiscalização e repressão aos delitos transfronteiriços, e desde que esses servidores se encontrem em exercício em localidades estratégicas, a serem definidas em ato do Poder Executivo, por Município, devendo ser considerados, para tanto, os seguintes critérios: (i) a localização dos Municípios em região de fronteira e (ii) a dificuldade de fixação de efetivo (art. 1º, § 2º, I e IV, da Lei 12.855⁄2013).IV. Assim, apesar de a Lei 12.855⁄2013 ter vinculado o direito indenizatório aos servidores nela mencionados, que estivessem em exercício em localidade estratégica vinculada à prevenção, controle, fiscalização e repressão dos delitos transfronteiriços, deixou para a norma regulamentadora posterior, do Poder Executivo, a definição de tais localidades estratégicas, devendo ser levados em conta, para tal, dois critérios cumulativos, ou seja, a localização dos Municípios em região de fronteira, bem como a dificuldade de fixação de pessoal nessas localidades.V. Com efeito, houve veto presidencial aos incisos II e III do § 2º do art. 1º do PL 4.264⁄2012, que originou a Lei 12.855⁄2013 – normas que previam, como critério para a definição de “localidade estratégica”, também a “existência de postos de fronteira, ou de portos e aeroportos de ou para outros países” (inciso II) e a “existência de unidades a partir das quais seja exercido comando operacional sobre os postos de fronteira” (inciso III) –, e ao art. 5º do referido Projeto de Lei, que determinava que a Lei entraria em vigor “na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir de 1º de janeiro de 2013”.VI. O exame das razões do veto presidencial aos aludidos dispositivos legais conduz à exegese de que a teleologia da norma era a de privilegiar conjuntamente, na definição de “localidade estratégica”, os critérios de localização do Município em região de fronteira e de dificuldade de fixação de pessoal, além da necessidade de regulamentação da matéria por ato do Poder Executivo, que definisse as localidades estratégicas nas quais seria devida a indenização, aos servidores efetivos das Carreiras e Planos Especiais de Cargos na Lei mencionados, com exercício nas referidas localidades. De fato, os incisos II e III do § 2º do art. 1º do PL 4.264⁄2012 foram vetados, pelo Presidente da República, ao fundamento de que, “da forma como redigidos, os dispositivos ampliam os critérios para a definição das localidades estratégicas para fins de pagamento de parcela indenizatória, possibilitando a inclusão de áreas onde não haja dificuldade de fixação de servidores, o que representaria um desvirtuamento do objetivo original da medida, focada, sobretudo, nas regiões efetivamente fronteiriças”. De igual modo, restou vetado o art. 5º do PL 4.264⁄2012, porque “em contrariedade ao interesse público”, pois ignoraria “a necessidade de regulamentação da matéria, quanto às localidades estratégicas abrangidas, assim como sua natureza indenizatória”.VII. A Lei 12.855⁄2013 contém norma de eficácia limitada, a depender, por conseguinte, de regulamentação. Na lição de HELY LOPES MEIRELLES, normas de eficácia limitada são “as leis que trazem a recomendação de serem regulamentadas, não são exequíveis antes da expedição do decreto regulamentar, porque esse ato é conditio juris da atuação normativa da lei. Em tal caso, o regulamento opera como condição suspensiva da execução da norma legal, deixando os seus efeitos pendentes até a expedição do ato do Executivo” (in Direito Administrativo Brasileiro. RT, 14ª ed., 1989, p. 108).VIII. Em situação assemelhada – e respeitadas as especificidades –, esta Corte, ao tratar do Adicional de Atividade Penosa, em razão de desempenho de atividades em zona de fronteira, firmou a compreensão no sentido de que “a concessão do Adicional de Atividade Penosa aos servidores públicos federais depende de ‘termos, condições e limites previstos em regulamento’, evidenciado, assim, o caráter de norma de eficácia limitada do art. 71 da Lei 8.112⁄1990, porquanto a concessão da referida vantagem aos servidores públicos federais depende de regulamentação” (STJ, REsp 1.495.287⁄RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 07⁄05⁄2015).IX. No que respeita à alegada autoaplicabilidade da aludida Lei 12.855⁄2013, “este e. STJ já firmou entendimento no sentido de que ‘a indenização prevista na Lei 12.855⁄2013 ainda depende de regulamentação pelo Poder Executivo, de modo que não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, fixar o rol de servidores que a ela farão jus nem atribuir-lhes vantagem ou indenização correlatas’” (STJ, AgInt no AREsp 1.020.717⁄RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 02⁄05⁄2017). Nesse sentido: STJ, AgInt no REsp 1.583.665⁄RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 12⁄09⁄2016; AgRg no AREsp 826.658⁄RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 25⁄05⁄2016; AgInt no REsp 1.617.046⁄PR, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 22⁄11⁄2016; STF, AgRg no ARE 1.021.861, Rel. Ministro EDSON FACHIN, SEGUNDA TURMA , DJe de 20⁄10⁄2017; AgRg no ARE 988.452, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, SEGUNDA TURMA, DJe de 04⁄04⁄2017.X. A corroborar tal compreensão, verifica-se que o Poder Executivo, em 06⁄12⁄2017 (DOU de 07⁄12⁄2017), regulamentou a Lei 12.855⁄2013, por meio dos Decretos 9.224 (Carreira de Policial Federal e Plano Especial de Cargos do Departamento da Polícia Federal), 9.225 (Carreira de Auditoria-Fiscal do Trabalho), 9.226 (Carreira de Fiscal Federal Agropecuário), 9.227 (Carreira Tributária e Aduaneira da Receita Federal e Plano Especial de Cargos do Ministério da Fazenda) e 9.228 (Carreira de Policial Rodoviário Federal e Plano Especial de Cargos do Departamento da Polícia Rodoviária Federal), tendo sido publicadas, em 20⁄12⁄2017, as correspondentes Portarias 455, 458, 457, 459 e 456, de 19⁄12⁄2017, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, relacionando os Municípios que foram definidos, como localidades estratégicas, para fins da percepção da aludida indenização, todos os referidos atos normativos com vigência a partir de sua publicação, incluindo a aludida Portaria 459, de 19⁄12⁄2017, o Município de Chuí⁄RS, no qual o autor presta serviço, como localidade estratégica, para os fins da referida Lei 12.855⁄2013.XI. In casu, na inicial, o autor postulou, no mérito, a declaração do seu direito à percepção da Indenização por Trabalho em Localidade Estratégica, instituída pela Lei 12.855⁄2013, desde a data de sua vigência, com termo final na data de vigência do regulamento previsto na referida Lei, com o pagamento das diferenças remuneratórias correspondentes.XII. Sem razão, contudo, considerando, ainda, que a matéria já foi regulamentada, pelo Decreto 9.227, de 06⁄12⁄2017, e pela Portaria 459, de 19⁄12⁄2017, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil, ambos em vigor a partir da data de sua publicação.XIII. Tese jurídica firmada: “A Lei 12.855⁄2013, que instituiu a Indenização por Trabalho em Localidade Estratégica, é norma de eficácia condicionada à prévia regulamentação, para definição das localidades consideradas estratégicas, para fins de pagamento da referida vantagem”.XIV. Caso concreto: Recurso Especial improvido.XV. Recurso julgado sob a sistemática dos recursos especiais representativos de controvérsia (art. 1.036 e seguintes do CPC⁄2015 e art. 256-N e seguintes do RISTJ).
O recurso ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. ADICIONAL DE LOCALIDADES ESTRATÉGICAS. LEI N. 12.855, DE 2013. REGULAMENTAÇÃO INEXISTENTE. IMPOSSIBILIDADE DE SUA IMPLEMENTAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. SÚMULA VINCULANTE N. 37.
1. A Lei n. 12.855, de 2013, ao instituir a indenização devida aos ocupantes dos cargos que menciona pelo exercício nas unidades situadas em localidades estratégicas, vinculadas à prevenção, controle, fiscalização e repressão dos delitos transfronteiriços, determinou que as localidades estratégicas de que trata o caput serão definidas em ato do Poder Executivo, por Município, considerando-se a localização do município em região de fronteira e a dificuldade de fixação de efetivo, cf. art. 2 e inciso.
2. A Constituição de 1988 dispõe sobre o poder regulamentar em seu art. 84, inciso IV, conferindo ao Presidente da República a competência privativa para sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução.
3. As leis que trazem a recomendação de serem regulamentadas não são exequíveis antes da expedição do decreto regulamentar, porque esse ato é condicio juris da atuação normativa da lei. Em tal caso, o regulamento opera como condição suspensiva da execução da norma legal, deixando seus efeitos pendentes até a expedição do ato do Executivo. (Direito Administrativo Brasileiro, RT, 14ª ed., 1989, p. 108)
4. Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento de isonomia (Súmula Vinculante n. 37, na mesma dicção da Súmula 339).
5. A Primeira Seção do STJ, ao julgar o REsp 1.612.778/RS, sob o rito dos recursos especiais representativos de controvérsia, de relatoria da Ministra Assusete Magalhães, confirmando os julgados retro elencados, firmou a seguinte tese: “A Lei 12.855/2013, que instituiu a Indenização por Trabalho em Localidade Estratégica, é norma de eficácia condicionada à prévia regulamentação, para definição das localidades consideradas estratégicas, para fins de pagamento da referida vantagem”. (REsp 1612778/RS, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/11/2018, DJe 19/02/2019).
6. A sentença foi publicada na vigência do atual CPC (a partir de 18/03/2016, inclusive), devendo-se aplicar o disposto no art. 85, § 11, arbitrando-se honorários advocatícios recursais. Majoração de 2% (dois por cento) sobre o valor originalmente arbitrado.
7. Apelação da parte autora desprovida.
Processo 1004414-59.2019.4.01.3600