Recolhimento espontâneo de preparo atrasado e insuficiente não autoriza deserção sem prévia intimação da parte

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a apresentação espontânea do comprovante do preparo recursal, após a interposição da apelação e em valor insuficiente, não permite que seja declarada a deserção do recurso sem a prévia intimação da parte para sanar o erro.

No julgamento, o colegiado afastou o reconhecimento da deserção e determinou que o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) intime uma companhia de seguros para regularizar o recolhimento do preparo, nos termos do artigo 1.007, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil (CPC).

A origem do caso foi uma ação de indenização por danos materiais movida contra a seguradora. Após o pedido ser considerado procedente em primeira instância, a empresa interpôs apelação, mas juntou comprovante de pagamento referente ao preparo de outro processo conexo. Antes de ser intimada para a correção do vício, ela fez o depósito relativo ao processo correto e juntou o comprovante.

O TJPE, entretanto, considerou ter havido deserção do recurso, pois o recolhimento foi feito de forma simples, e não em dobro, como exige o parágrafo 4º do artigo 1.007 do CPC. Além disso, as custas foram calculadas com base no valor da causa atualizado, e não no proveito econômico pretendido. A corte estadual aplicou o parágrafo 5º do artigo 1.007, entendendo que não seria cabível dar à recorrente a oportunidade de complementar o valor após ela ter feito o depósito insuficiente já fora do prazo.

Recorrente tem o direito de ser intimado antes de possível deserção

O relator do caso no STJ, ministro Marco Aurélio Bellizze, lembrou que, segundo o artigo 1.007 do CPC, o recorrente, no ato de interposição do recurso, deve comprovar o recolhimento do respectivo preparo, que corresponde às custas judiciais e ao porte de remessa e de retorno, sob pena de não conhecimento do recurso em razão da deserção.

No entanto, ele alertou que os parágrafos 2º e 4º do mesmo artigo determinam que, se o recorrente não comprovar o recolhimento do preparo ou depositar um valor insuficiente, terá o direito de ser intimado, antes do reconhecimento da deserção, para recolher em dobro o respectivo valor ou para complementá-lo, conforme o caso.

“Logo, a apresentação espontânea da apelante, ao juntar o comprovante pertinente ao recurso correto, ainda que em valor insuficiente, ao contrário do que entendeu o tribunal estadual, não tem o condão de suprir a necessidade de intimação para regularização do vício”, destacou Bellizze.

Juiz deve indicar equívoco a ser sanado na regularização do preparo

O relator explicou que a intimação promovida pelo magistrado é um direito da parte, o qual não deve ficar submetido ao seu juízo de discricionariedade. Dessa forma – continuou o ministro –, a pena de deserção só poderia ser aplicada após se dar conhecimento à parte de que o preparo foi recolhido em valor menor.

“O juiz tem o dever de provocar a parte para regularizar o preparo – indicando, inclusive, qual equívoco deverá ser sanado –, iniciativa processual que se tornou condição indispensável ao reconhecimento da deserção, sem a qual o escopo da lei, de possibilitar à parte a regularização do preparo recursal, não será atingido”, concluiu o ministro.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELAÇÃO. NÃO CONHECIMENTO. DESERÇÃO. QUESTÕES SUSCITADAS NO APELO QUE NÃO FORAM EXAMINADAS PELO TRIBUNAL LOCAL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. COMPETÊNCIA DO STF. APELANTE QUE JUNTOU CÓPIA DO COMPROVANTE DE PREPARO REFERENTE AO PROCESSO CONEXO. JUNTADA POSTERIOR DO COMPROVANTE CORRETO, O QUAL DEMONSTROU QUE O RECOLHIMENTO DO VALOR OCORRERA QUASE DUAS HORAS APÓS O PROTOCOLO DO RECURSO. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DA APELANTE PARA RECOLHIMENTO EM DOBRO DO VALOR, NOS TERMOS DO QUE DISPÕE O ART. 1.007, § 4º, DO CPC/2015. COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO QUE NÃO SUPRE A NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO. ACÓRDÃO REFORMADO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO.
1. O Tribunal de origem não conheceu do recurso de apelação, em razão da deserção reconhecida, razão pela qual não se manifestou acerca das matérias suscitadas no apelo. Logo, não há como conhecer do presente recurso especial em relação a essas questões, tendo em vista a falta de prequestionamento (Súmula 211/STJ).
2. Não cabe a esta Corte Superior analisar eventual violação do art. 5°, incisos LV e LVI, da Constituição Federal, ao argumento de que o acórdão recorrido teria afrontado os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal.
3. O recorrente deve comprovar, no ato de interposição do recurso, o recolhimento do respectivo preparo, que corresponde às custas judiciais e ao porte de remessa e de retorno, sob pena de não conhecimento do recurso em razão da deserção (CPC/2015, art. 1.007 ).
4. Os §§ 2º e 4º do art. 1.007 do CPC/2015, no entanto, estabelecem que, caso o recorrente, no momento da interposição do recurso, não comprove o recolhimento do preparo ou efetue o pagamento de valor insuficiente, terá o direito de ser intimado, antes do reconhecimento da deserção, para recolher em dobro o respectivo valor ou para complementá-lo, a depender do caso.
5. Assim, o fato de a apelante ter juntado, espontaneamente, o comprovante do preparo recursal após a interposição da apelação, ainda que em valor insuficiente, não tem o condão de suprir a necessidade de intimação para regularização do vício, que constitui direito da parte, o qual não deve ficar submetido a juízo de discricionariedade do magistrado.
6. Com efeito, o juiz tem o dever de provocar a parte para a regularização do preparo – indicando, inclusive, qual o equívoco deverá ser sanado, em consonância com o princípio da cooperação (CPC, art. 6º) -, iniciativa processual que se tornou condição indispensável ao reconhecimento da deserção, sem a qual o escopo da lei, de possibilitar à parte a regularização do preparo recursal, não será atingido.
7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.

Leia o acórdão no REsp 1.818.661.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1818661

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