Decisões interlocutórias em liquidação, cumprimento, execução e inventário são recorríveis por agravo de instrumento

​Todas as decisões interlocutórias proferidas na liquidação e no cumprimento de sentença, no processo executivo e na ação de inventário são recorríveis imediatamente por meio de agravo de instrumento, já que o regime previsto nos incisos do artigo 1.015 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) é específico para a fase de conhecimento.

O entendimento foi firmado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao dar provimento a um recurso contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Em uma ação de execução de contrato de aluguel, o TJSP indeferiu o pedido de revogação da gratuidade de justiça que havia sido concedida a uma das partes.

Posteriormente, o tribunal estadual não conheceu de um agravo de instrumento contra a decisão por entender que o meio recursal era impróprio, já que a hipótese (indeferimento de pedido de revogação da gratuidade) não consta no rol do artigo 1.015 do CPC. O inciso V desse artigo diz que o agravo é cabível contra “rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação”.

Com a decisão da Corte Especial, o TJSP deverá examinar o mérito do agravo de instrumento. A relatora do caso na Corte Especial, ministra Nancy Andrighi, destacou que a questão é “extremamente relevante, na medida em que se trata de matéria que afeta, direta e diariamente, milhões de processos judiciais em curso em todo o território nacional, exigindo tratamento igualitário às partes que se encontram nas mesmas situações jurídicas”.

A ministra explicou que a controvérsia em questão é diferente da analisada pela Corte no julgamento do Tema 988 dos repetitivos, já que naquela ocasião a discussão era restrita ao cabimento de recursos na fase de conhecimento.

Segundo ela, somente as decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento se submetem ao regime recursal disciplinado no caput e nos incisos do artigo 1.015 do CPC/2015.

Opção legisla​​tiva

Ela destacou que, nas fases de liquidação e cumprimento de sentença, e também no processo de execução (hipótese discutida no caso) e na ação de inventário, o legislador optou conscientemente por um regime recursal distinto, segundo o qual haverá ampla e irrestrita recorribilidade de todas as decisões interlocutórias – seja porque a maioria dessas fases ou processos não termina com sentença e, portanto, não haverá apelação, seja porque as decisões interlocutórias em tais casos costumam atingir de forma imediata e grave a esfera jurídica das partes.

“É nítido que o parágrafo único do artigo 1.015 do CPC/2015 excepciona a regra geral prevista no caput e nos incisos do referido dispositivo, ditando um novo regime para as fases subsequentes à cognição propriamente dita (liquidação e cumprimento de sentença), ao processo executivo e, ainda, a uma espécie de ação de conhecimento de procedimento especial, o inventário”, explicou a ministra.

Nancy Andrighi destacou que a doutrina é uníssona no sentido de admitir o agravo de instrumento em todas essas hipóteses.

O caso chegou à Corte Especial após afetação da Terceira Turma, tendo em vista divergência com decisões da Segunda Turma. A afetação seguiu as regras do artigo 16 do Regimento Interno do STJ, que prevê a afetação à Corte Especial em casos de divergência entre turmas de seções diferentes.

O recurso ficou assim ementado:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE CONTRATO LOCATÍCIO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE INDEFERE O PEDIDO DE REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA EM PROCESSO EXECUTIVO. RECORRIBILIDADE IMEDIATA POR AGRAVO DE INSTRUMENTO. POSSIBILIDADE. CABIMENTO DO RECURSO EM FACE DE TODAS AS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS PROFERIDAS EM LIQUIDAÇÃO E CUMPRIMENTO DE SENTENÇA, EXECUÇÃO E INVENTÁRIO, INDEPENDENTEMENTE DO CONTEÚDO DA DECISÃO. INCIDÊNCIA ESPECÍFICA DO ART. 1.015, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC⁄2015. LIMITAÇÃO DE CABIMENTO DO RECURSO, PREVISTA NO ART. 1.015, CAPUT E INCISOS, QUE SOMENTE SE APLICA ÀS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS PROFERIDAS NA FASE DE CONHECIMENTO. SUSPENSÃO DO PROCESSO ATÉ REALIZAÇÃO DE PERÍCIA EM AÇÃO DE INTERDIÇÃO DA LOCATÁRIA. PERTINÊNCIA DA SUSPENSÃO. EXAME DA INFLUÊNCIA E DOS REFLEXOS DA PROVA TÉCNICA NA EXECUÇÃO. SÚMULA 7⁄STJ.

1- Ação proposta em 14⁄06⁄2016. Recurso especial interposto em 26⁄10⁄2018 e atribuído à Relatora em 11⁄04⁄2019.

2- O propósito recursal consiste em definir: (i) se é recorrível, de imediato e por meio de agravo de instrumento, a decisão interlocutória proferida no processo de execução que indefere o pedido de revogação do benefício da gratuidade da justiça; (ii) se o processo executivo poderia ser suspenso até realização da prova pericial a ser realizada na ação de interdição da executada.

3- Somente as decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento se submetem ao regime recursal disciplinado pelo art. 1.015, caput e incisos do CPC⁄2015, segundo o qual apenas os conteúdos elencados na referida lista se tornarão indiscutíveis pela preclusão se não interposto, de imediato, o recurso de agravo de instrumento, devendo todas as demais interlocutórias aguardar a prolação da sentença para serem impugnadas na apelação ou nas contrarrazões de apelação, observado, quanto ao ponto, a tese da taxatividade mitigada fixada pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento dos recursos especiais repetitivos nº 1.696.396⁄MT e 1.704.520⁄MT.

4- Para as decisões interlocutórias proferidas em fases subsequentes à cognitiva – liquidação e cumprimento de sentença –, no processo de execução e na ação de inventário, o legislador optou conscientemente por um regime recursal distinto, prevendo o art. 1.015, parágrafo único, do CPC⁄2015, que haverá ampla e irrestrita recorribilidade de todas as decisões interlocutórias, quer seja porque a maioria dessas fases ou processos não se findam por sentença e, consequentemente, não haverá a interposição de futura apelação, quer seja em razão de as decisões interlocutórias proferidas nessas fases ou processos possuírem aptidão para atingir, imediata e severamente, a esfera jurídica das partes, sendo absolutamente irrelevante investigar, nessas hipóteses, se o conteúdo da decisão interlocutória se amolda ou não às hipóteses previstas no caput e incisos do art. 1.015 do CPC⁄2015.

5- Na hipótese em exame, foi proferida, em processo de execução, decisão interlocutória indeferindo o pedido formulado de revogação do benefício da gratuidade de justiça anteriormente deferido à parte, tratando-se de decisão imediatamente recorrível, por agravo de instrumento, com base no art. 1.015, parágrafo único, do CPC⁄2015.

6- A eventual impertinência da suspensão do processo executivo até realização da prova pericial a ser produzida na ação de interdição da parte adversa é questão incognoscível no recurso especial, tendo em vista a necessidade de reexame do acervo fático-probatório no que se refere a potencial utilidade e os efetivos reflexos que a prova técnica causará à execução em cuja defesa se alega, justamente, a incapacidade civil da contratante.

7- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1803925

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