O regimento interno da PUC-PR prevê a formalidade em caso de suposta prática de irregularidade
A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho anulou a dispensa de uma professora da Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) sem a instauração de processo administrativo. Embora a dispensa tenha sido sem justa causa, a motivação alegada seria o cometimento de irregularidades, situação que, segundo o regimento interno, exige a apuração dos fatos e o direito à ampla defesa.
Dispensa
A professora foi admitida em 1995 pela Associação Paranaense de Cultura, mantenedora da PUC-PR, para a Área de Comunicação Social, e dispensada em 2005. Na reclamação trabalhista, ela disse que fora incluída numa lista de despedida coletiva “de forma absolutamente constrangedora”. A alegação, segundo ela, foi a de “não ter o perfil do curso”, quando, ao contrário, sempre tivera boas avaliações, vasta produção científica e vários artigos publicados em nome da instituição.
Restrições
Outro argumento foi o de que a legislação federal de ensino prevê diversas restrições à dispensa de professores, enquanto o Regimento Geral da PUC-PR exige deliberação de órgão colegiado para a medida.
Motivos
A PUC-PR, em sua defesa, argumentou que a professora fora dispensada por não haver mais necessidade de mantê-la no quadro de empregados. Mesmo sustentando não ser necessária motivação para a dispensa, disse que houve modificações em calendários e diminuição de alunos e turmas, decorrentes de mudanças no currículo pelo MEC. Também alegou que a professora descumpria os programas, não atendia às solicitações de ajustes feitas pela direção do curso nem participava de atividades que deveria desenvolver.
Poder diretivo
O juízo de primeiro grau e o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região mantiveram a validade da dispensa. Para o TRT, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei 9.394/1996) não garante o emprego nem restringe a dispensa imotivada de professores universitários. Também considerou que não foi demonstrada perseguição pessoal ou ideológica, antes descumprimento das atividades previstas no programa de aprendizagem da Universidade, inserindo a decisão no poder potestativo do empregador.
Devido processo legal
No entanto, o relator do recurso de revista, ministro Evandro Valadão, explicou que, de acordo com a jurisprudência do TST, a regra da LDB sobre a motivação da dispensa não restringe o poder do do empregador nem caracteriza estabilidade provisória no emprego do professor, em razão da autonomia garantida constitucionalmente às universidades. No caso, porém, o fundamento da dispensa, segundo a própria PUC-PR, foi o descumprimento, pela professora, das disposições contidas no seu próprio regramento interno, o que dá outro enfoque à análise do tema.
Nesse sentido, ele observou que o Regimento Geral da universidade não prevê a instauração de procedimento administrativo para qualquer tipo de dispensa, mas dispõe expressamente que a apuração de irregularidades obriga à instauração de sindicância ou procedimento administrativo. “É esse o caso dos autos, uma vez que o cometimento de irregularidade foi um dos motivos da dispensa da professora, ainda que sob o título de ‘sem justa causa’”, afirmou. “Diante desse contexto, a empregadora acabou por violar o direito constitucional do devido processo legal”.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO ANTES DA LEI Nº 13.467/2017. DISPENSA IMOTIVADA DE PROFESSORA UNIVERSITÁRIA. LEI Nº 9.394/96 (LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL). DELIBERAÇÃO POR ÓRGÃO COLEGIADO. DESNECESSIDADE. EXISTÊNCIA DE NORMA REGULAMENTAR (REGIMENTO GERAL DA PUC) QUE CONDICIONA A APURAÇÃO DE IRREGULARIDADE NA UNIVERSIDADE À INSTAURAÇÃO DE SINDICÂNCIA OU PROCESSO ADMINISTRATIVO. MUDANÇA NO CURRÍCULO, DESINTERESSE NO APROVEITAMENTO DA AUTORA E DESCUMPRIMENTO DAS ATIVIDADES PREVISTAS NOS PROGRAMAS DE APRENDIZAGEM COMO MOTIVOS EXPLICITADOS PELA EMPREGADORA PARA A DISPENSA. OBRIGATORIDADE DE REALIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO REGULAMENTAR MESMO QUANDO O RESULTADO FINAL É A DISPENSA SEM JUSTA CAUSA.
I. A jurisprudência consolidada nesta c. Corte Superior firmou-se no sentido de que a regra estabelecida no art. 53, parágrafo único, inciso V, da Lei nº 9.394/96 (que estabelece que ” Para garantir a autonomia didático-científica das universidades, caberá aos seus colegiados de ensino e pesquisa decidir, dentro dos recursos orçamentários disponíveis, sobre (…) contratação e dispensa de professores “) não consiste em uma restrição ao poder potestativo do empregador, de modo a caracterizar estabilidade provisória no emprego do professor, em razão da autonomia garantida constitucionalmente às Universidades. Precedentes.
II. No entanto, o fundamento para a dispensa da autora, tal como explicitado pela parte reclamada, e o descumprimento, pela ré, das disposições contidas do seu próprio regramento interno, em prejuízo à autora, dão ensejo à análise do tema sob o enfoque diverso. Discute-se, pois, a obrigatoriedade de instauração de procedimento administrativo especificamente destinado à apuração de irregularidades , consoante previsão do Regimento Geral da reclamada, para a dispensa da autora, quando a reclamada, mesmo tendo rescindido o contrato sem justa causa, aponta, como um dos diversos motivos para a despedida, o cometimento de irregularidade por parte da empregada.
III. O Tribunal Regional do Trabalho, com fundamento nos elementos de prova dos autos, concluiu não ter havido qualquer nulidade na dispensa sem justa causa da reclamante. Destacou que não há, na legislação federal aplicável à reclamada, regulamento ou estatuto, previsão de procedimento para dispensa com ampla defesa do professor. Consignou que o art. 53 da Lei 9.394/96 não confere, por si só, garantia de emprego aos professores universitários ou restringe a sua dispensa sem justa causa. Pontuou, ainda, que o regramento contido no Capítulo VII do Regimento Geral da PUC-PR (arts. 131 a 140) não impede a dispensa do trabalho sem justa causa, mas tão-somente estabelece o procedimento a ser aplicado, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, para apuração de irregularidades e aplicação de sanções disciplinares ao corpo docente ou discente. Entendeu que, como a autora foi dispensada sem justa causa, não se tornou exigível a instauração de procedimento administrativo para a sua dispensa, pois a despedida sem justa causa da autora não pode ser considerada penalidade por infração disciplinar. Fundamentou igualmente que o conjunto probatório não denota que a dispensa da reclamante teria ocorrido por perseguição pessoal e ideológica ou decorrente de discriminação. Entendeu, assim, que a dispensa dos empregados da reclamada, regidos que são pelas normas da CLT, não necessita de motivação, de maneira que a rescisão imotivada do contrato de trabalho está inserida no poder potestativo atribuído por Lei, não podendo tal ato ser considerado ilegal.
IV. No caso concreto, embora o Tribunal Regional do Trabalho tenha consignado que ” a composição do Colegiado, à época, entendeu que a despedida foi imotivada, e não decorrente de acusação dos superiores hierárquicos de prática de atos faltosos, já que a rescisão imotivada do contrato de trabalho dos empregados regidos pela CLT está inserida no poder potestativo atribuído por lei à empresa ” e também que ” ainda que o empregador tenha motivos o bastante para dispensar o empregado (o que se coloca a título de argumentação apenas), tal circunstância não o impede de dispensar o empregado imotivadamente, como ocorreu ‘ in casu’ “, é incontroverso, já que confessado pela reclamada em contestação (trecho transcrito no acórdão regional de embargos de declaração, fls. 5429/5449), que a “razão material” para a despedida da autora foi ” o descumprimento das atividades previstas nos programas de aprendizagem conduzidos pela Reclamante ” (a autora teria reiteradamente deixado de atender às solicitações de ajustes feitas pela Direção do Curso, além de não participar das atividades que deveria desenvolver junto ao Centro de Teologia e Ciências Humanas – CTCH), tendo sido feitas reuniões com a autora ” onde foram expostas as falhas e cobradas providências que não foram atendidas “.
V. O art. 131 do Regimento Geral da PUC dispõe que ” A autoridade universitária que tiver ciência de irregularidade na Universidade é obrigada a promover sua apuração imediata , mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa e contraditório “. A redação do dispositivo denota que, em havendo ciência de irregularidade, deve ser assegurada a realização do procedimento, pois ele se destina não somente à verificação da existência ou não de descumprimento contratual, mas também ao exercício do contraditório e da ampla defesa. Não importa, pois, o resultado final do procedimento (arquivamento, advertência, suspensão, dispensa sem justa causa, dispensa por justa causa etc), pois, do contrário, se estaria condicionando a realização do procedimento regulamentar ao seu resultado final, o que seria ilógico.
VI. De tal modo, independentemente do título dado à dispensa da reclamante (no caso, sem justa causa) e ainda que inexista previsão legal ou regimental que obrigue a ré a motivar o ato de dispensa, a reclamada expressamente elencou, como um dos motivos da dispensa, o descumprimento de atividades previstas nos programas de aprendizagem conduzidos pela autora e a renitência da empregada em atender as providências impostas para sanar as falhas expostas pela empregadora (a “razão material” para a dispensa). Essa explicitação não é irrelevante, pois, mesmo que a dispensa tenha se dado sem justa causa, se a reclamada apontou a prática de qualquer irregularidade pela autora, o fato deveria ter sido apurado, consoante disposto no Regimento Geral da empregadora.
VII. Se havia previsão regulamentar para a instauração de sindicância ou processo administrativo disciplinar para a apuração de irregularidades praticadas por seus empregados (arts. 127 e seguintes do Regimento Geral da PUC/PR, de 2000), e se a reclamante foi acusada de ter descumprido as normas da reclamada, de modo a praticar irregularidade, é certo que a dispensa da reclamante deveria ter sido precedida do regular procedimento previsto para tanto.
VIII. Não se está aqui a afirmar que o Regimento Geral da reclamada prevê a instauração de procedimento administrativo para todo e qualquer tipo de dispensa, mas apenas se está a explicitar a necessidade de cumprimento dos regramentos internos da reclamada, aos quais ela se vincula, que dispõem expressamente que a apuração de irregularidade da Universidade dá ensejo à obrigatória instauração de sindicância ou procedimento administrativo. É esse o caso dos autos, uma vez que o cometimento de irregularidade foi um dos motivos ensejadores da dispensa da autora, ainda que sob o título de “sem justa causa”.
IX. Diante desse contexto, a decisão regional que manteve a validade da dispensa sem justa causa da reclamante, mesmo sem a instauração de sindicância ou processo administrativo para a apuração de irregularidades imputadas à reclamante pela reclamada, consoante previsão expressa dos regramentos internos da empregadora, acabou por violar o disposto no art. 5º, LV, da Constituição da República, que estabelece que ” aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes “.
X. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.
Por unanimidade, a Sétima Turma condenou a universidade à reintegração da docente e ao pagamento de todas as vantagens do período de afastamento, até a data do efetivo retorno.
Processo: RR-764600-87.2006.5.09.0006