A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), por unanimidade, deu provimento aos recursos de apelação de dois réus condenados pelo Juízo da 2ª Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais pela prática do crime de contrabando.
Costa da denúncia que em dezembro de 2010 foi apreendido no estabelecimento comercial de um dos réus 44 pacotes de cigarro da marca “Vila Rica”, de importação proibida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), oriundos do Paraguai, e que, segundo informado pelo acusado, teria sido fornecida pelo outro réu.
Ao recorrerem da sentença, os acusados sustentaram que a Anvisa permitia desde 2013 a importação daquela marca de cigarros e, com isso, o fato configuraria o delito de descaminho e não contrabando. Alegam que, por se tratar de crime de descaminho, houve a extinção da punibilidade em virtude do recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), devido ao Estado de Minas Gerais, antes de iniciada a investigação. Além disso, requereram a aplicação do princípio da insignificância, pois a mercadoria foi avaliada em R$ 1.320,00.
Ao analisar o caso, o relator, juiz federal convocado Leão Aparecido Alves, destacou que, de fato, a Anvisa permitia a comercialização da referida marca de cigarros em setembro de 2013, favorecendo os acusados na desclassificação do crime de contrabando para descaminho, uma vez que a inclusão da marca “Vila Rica” na relação de marca de cigarros permitidos pela Anvisa favoreceu os acusados, porquanto este produto deixou de ser clandestino no Brasil.
O magistrado ressaltou que, “nos termos do art. 5º, inciso XL, da CF, a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. Por sua vez, o parágrafo único do art. 2º do CP estabelece que lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”.
Assim, pontuou o relator, como a Anvisa acrescentou no rol de produtos permitidos marca de cigarros anteriormente proibida, incide, na hipótese, o princípio da retroatividade da lei mais benigna, uma vez que a expedição do registro de produto fumígeno não se revestiu dos atributos da excepcionalidade e temporariedade das normas previstas no art. 3º do Código Penal, o que justifica a desclassificação da conduta dos réus do delito de contrabando para o de descaminho.
O magistrado sustentou que a consumação do delito ocorre com o mero ingresso da mercadoria em território nacional sem o pagamento dos tributos devidos, e para a sua caracterização é suficiente a entrada no país da mercadoria estrangeira sem o pagamento dos tributos devidos, tal como se deu no caso concreto, em que o réu trouxe os produtos apreendidos do Paraguai sem proceder ao recolhimento dos impostos exigidos pela legislação. No entanto, o princípio da insignificância deve ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor dos tributos devidos é inferior ao fixado no art. 20 da Lei 10.522/2002, atualizado pelas Portarias 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda.
“Mesmo que o suposto delito tenha sido praticado antes das referidas portarias, conforme assenta a doutrina e a jurisprudência, norma posterior mais benéfica retroage em favor do acusado”, concluiu o relator.
O recurso ficou assim ementado:
PENAL. PROCESSO PENAL. CONTRABANDO. CIGARRO. MARCA PERMITIDA PELA ANVISA. ABOLITIO CRIMINIS. DESCLASSIFICAÇÃO. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO. RECURSO PROVIDO. 1. Réus condenados pela prática do crime descrito no art. 334, §1º c/c 29 do Código Penal. Apreensão de 44 (quarenta e quatro) pacotes de cigarro da marca “Vila Rica”, oriundos do Paraguai, mercadoria proibida à época, nos termos do Decreto-Lei 399/68 e da Resolução ANVISA 90/2007. 2. O primeiro apelante pugna pela reforma da sentença, tendo em vista que a ANVISA, a partir de 2013, permite a importação do cigarro da marca “Vila Rica”, requer a desclassificação do delito de contrabando para o de descaminho; que, por se tratar de crime de descaminho, houve a extinção da punibilidade em virtude do recolhimento do ICMS devido ao Estado de Minas Gerais em 24/03/2010, antes de qualquer ato investigativo. O segundo apelante requer a aplicação do princípio da insignificância, devendo ser reconhecida a atipicidade; a inexistência de provas para sua condenação e, em caso de manutenção da sentença, a ponderação da menor importância de sua participação no delito. 3. A conduta foi praticada pelos réus em dezembro de 2010, época em que os cigarros da marca apreendidos eram proibidos no território brasileiro, conforme resolução editada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária. No entanto, em 01/10/2013, aquela agência reguladora editou a relação de marcas de cigarros autorizados no país acrescentando a referida marca “Vila Rica”, permanecendo nessa condição até o presente momento. Na espécie, é indubitável que a inclusão da marca “Vila Rica” na relação de marcas de cigarros permitidos pela ANVISA favoreceu os acusados, porquanto este produto deixou de ser clandestino no Brasil. Desclassificação do crime de contrabando para o de descaminho. 4. A consumação do crime de descaminho ocorre com o mero ingresso da mercadoria no território nacional sem o pagamento dos tributos devidos. Não há razão para a extinção da punibilidade em razão do pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia. 5. O princípio da insignificância deve ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor dos tributos devidos é inferior ao fixado no art. 20 da Lei 10.522/2002, atualizado pelas Portarias 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda. Caso em que o valor iludido dos cigarros foi de 1.062,16, sendo inferior ao valor monetário considerado teto para incidência do princípio da insignificância. 6. Recursos providos.
Diante do exposto, a Turma deu provimento aos recursos dos réus, nos termos do voto do relator e desclassificou a conduta do delito de contrabando para o de descaminho, absolvendo os réus da imputação a eles da prática do crime de descaminho, descrito no art. 334 do Código Penal.
Processo nº: 0003509-30.2013.4.01.3811