A adoção de uma postura mais firme e incisiva por parte do juiz presidente do tribunal do júri, durante os interrogatórios, não configura hipótese de suspeição. Para a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a alegação é insuficiente para anular o julgamento sem que haja demonstração de eventual prejuízo – ainda mais quando a defesa nem sequer cogitou de influência do magistrado sobre a posição dos jurados, pois são eles que analisam o mérito da causa, e não o presidente da sessão.
Com esse entendimento, o colegiado negou o pedido da defesa para anular a sessão do júri que condenou um réu por homicídio qualificado e aborto provocado por terceiro.
“A alegada suspeição do juiz togado parece até ser, in casu, desinfluente para a solução da controvérsia, porque o magistrado presidente não tem competência constitucional para julgar os crimes dolosos contra a vida. Em outras palavras, também não há como reconhecer o alegado vício porque o mérito da causa não foi analisado pelo juiz de direito, mas pelos jurados”, explicou a ministra Laurita Vaz, relatora do habeas corpus.
Na origem do caso, a Defensoria Pública alegou que o presidente do júri não conduziu o rito de forma imparcial ao inquirir as testemunhas e o acusado. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), entretanto, não reconheceu a alegada parcialidade do magistrado, o que levou a Defensoria a impetrar habeas corpus no STJ, pedindo um novo julgamento.
Questionamentos incisivos feitos às testemunhas
Após analisar os fatos descritos no processo, Laurita Vaz apontou que a defesa, na petição do habeas corpus, não fez nenhuma referência a eventual influência negativa que pudesse ter sido causada no conselho de sentença pela forma como o juiz inquiriu as testemunhas.
“Dessa forma, incide na espécie a regra prevista no artigo 563 do Código de Processo Penal (CPP) – a positivação do dogma fundamental da disciplina das nulidades –, de que o reconhecimento de vício que enseja a anulação de ato processual exige a efetiva demonstração de prejuízo (pas de nullité sans grief)”, disse a relatora.
De acordo com a ministra, os questionamentos feitos pelo magistrado a uma das testemunhas – apontados pela defesa como suposta evidência de parcialidade – tiveram relação com a causa e objetivaram saber quem dava início às agressões mútuas entre a vítima e o réu. “Por isso, ainda que se possa conjecturar que o juiz de direito tenha sido incisivo em seus questionamentos, não há como concluir que atuou na condução do feito de forma parcial”, observou.
Hipóteses de suspeição do CPP não foram demonstradas
Segundo Laurita Vaz, não é possível considerar que tão somente uma postura mais firme do magistrado seja capaz de influenciar a opinião dos jurados, quando a própria Constituição Federal pressupôs a sua plena capacidade de discernimento ao disciplinar o tribunal do júri.
Para ela, não tendo sido demonstrada a ocorrência de nenhuma das hipóteses de suspeição previstas do artigo 254 do CPP, “não há nulidade a ser reconhecida”.
“Por todos esses fundamentos, e em homenagem ao princípio da soberania dos veredictos do tribunal do júri, a hipótese não é de afastamento da conclusão do conselho de sentença, possível somente em circunstâncias excepcionais”, concluiu a relatora.
O recurso ficou assim ementado:
HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. DIREITO PROCESSUAL PENAL. WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL, IMPETRADO QUANDO O PRAZO PARA A INTERPOSIÇÃO DA VIA RECURSAL CABÍVEL NA CAUSA PRINCIPAL AINDA NÃO HAVIA FLUÍDO. INADEQUAÇÃO DO PRESENTE REMÉDIO. PRECEDENTES. EVENTUAL SUPERVENIÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO QUE AGREGA ÓBICE À COGNIÇÃO DO PEDIDO. ART. 105, INCISO I, ALÍNEA E, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DESCABIMENTO DE CONCESSÃO DE ORDEM DE OFÍCIO. ALEGAÇÃO DE PARCIALIDADE DO JUIZ PRESIDENTE DO TRIBUNAL DO JÚRI. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. COMPETÊNCIA PARA JULGAR OS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA ATRIBUÍDA CONSTITUCIONALMENTE AO CONSELHO DE SENTENÇA, E NÃO AO JUIZ DE DIREITO. EVENTUAL INFLUÊNCIA NEGATIVA DA CONDUÇÃO DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA, PELO MAGISTRADO TOGADO, SOBRE OS JURADOS, NEM SEQUER ALEGADA NA INICIAL DO WRIT. PEDIDO DE HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. Hipótese na qual as indagações do Juiz Presidente do Tribunal do Júri ao inquirir a irmã da Vítima durante a sessão plenária guardam absoluta relação com a causa, formuladas para que se esclarecesse quem em regra iniciava as constantes agressões mútuas (se a Ofendida, que foi morta, ou seu companheiro, o Réu, ora Paciente).
Ainda que se possa conjecturar que o Juiz de Direito tenha sido incisivo em seus questionamentos, não há como concluir que atuou na condução do feito de forma parcial.
2. A “suspeição, via de regra, é assunto impróprio ao veio restrito do habeas corpus, pois, além de ter o meio adequado (exceção), a análise de eventual motivo para afastar o magistrado de um processo demanda revolvimento de aspectos fáticos não condizentes com a via eleita” (STJ, HC 405.958/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 5/12/2017, DJe 12/12/2017).
3. A alegada suspeição do Juiz Togado parece até ser, in casu, desinfluente para a solução da controvérsia, porque o Magistrado Presidente não tem competência constitucional para julgar os crimes dolosos contra a vida. Em outras palavras, também não há como reconhecer o alegado vício porque o mérito da causa não foi analisado pelo Juiz de Direito, mas pelos Jurados.
4. Na espécie presume-se ainda que a Defesa nem sequer cogitou de eventual influência negativa do Magistrado Togado, sobre os jurados, ao inquirir testemunhas, pois essa conjuntura não foi alegada na inicial. Assim, incide a regra prevista no art. 563, do Código de Processo Penal – a positivação do dogma fundamental da disciplina das nulidades -, de que o reconhecimento de vício que enseja a anulação de ato processual exige a efetiva demonstração de prejuízo (pas de nullité sans grief).
5. E, ainda que assim não fosse, cabe referir que a doutrina ressalta que o munus de julgar confere ao leigo responsabilidade, além de provocar-lhe o sentimento de civismo ( v.g , NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri: 9.ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 2022. p. 22). É por isso que não se pode compreender que tão somente uma postura mais firme (ou até mesmo dura) do Magistrado Presidente influencie negativamente os Jurados – a quem a Constituição da República pressupôs a plena capacidade de discernimento, ao conceber o direito fundamental do Tribunal do Jú ri (art. 5.º, inciso XXXVIII).
6. Sem a demonstração de configuração de quais quer das hipóteses legais que configurem a suspeição do juiz, referidas no art. 254 do Código de Processo Penal, não há nulidade a ser reconhecida. Por todos esses fundamentos, e em homenagem ao princípio da soberania dos veredictos do Tribunal do Júri (art. 5.º, inciso XXXVIII, alínea c, do Texto Constitucional), a hipótese não é de afastamento da conclusão do Conselho de Sentença, possível somente em circunstâncias excepcionais.
7. Pedido de habeas corpus não conhecido.
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