Ocupante de imóvel transferido por contrato particular de compra e venda e reconhecido como propriedade da União não tem interesse processual para propor indenização por benfeitoria necessária

A 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) confirmou a sentença que extinguiu o processo, sem julgamento do mérito, em que se pleiteava o direito a indenização por benfeitorias necessárias, ao argumento de que foram realizadas por possuidor de boa-fé. A sentença teve por fundamento a ausência de interesse de agir porque os autores não detinham a posse e por isso não poderiam pleitear indenização.

O juízo sentenciante reconheceu a extinção do contrato de compra e venda entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e um particular, que vendeu o imóvel aos apelantes sem a aprovação do INCRA. Como resultado, ficou estabelecido que a posse do bem não foi transferida, pois ele retornou à propriedade da União.

Os apelantes argumentaram que a perícia e a apelação confirmaram sua legitimidade para a ação, por terem a posse do imóvel de boa-fé há 23 anos, conforme os registros de Imposto Territorial Rural (ITR) e Ato Declaratório Ambiental (ADA) e têm direito a uma compensação. Eles reconheceram que a propriedade continua pertencendo à União, mas argumentaram que isso não prejudica o interesse público, pois se trata de um bem público disponível e a transferência de posse entre terceiros de boa-fé possui natureza obrigacional, ou seja, é um vínculo jurídico que gera direitos e obrigações.

Segundo o relator convocado, juiz federal Marllon Sousa, a sentença determinou que o imóvel pertence à União, devido à violação da cláusula do contrato com o INCRA, que estipulava que a propriedade era inegociável e intransferível (cláusula resolutiva), conforme evidenciado pelas provas dos autos. Por isso, o contrato foi rescindido e não foi reconhecida a transferência de posse do outro contratante para os apelantes, embora aleguem ocupar o imóvel há mais de vinte anos.

Com a rescisão, o imóvel automaticamente retornou à posse da União. A ocupação dos apelantes era apenas tolerada, não se confundindo com posse do bem público. Isso também afeta os registros de impostos e documentos ambientais em nome dos apelantes, pois não possuem um título de posse válido.

“Por fim, ainda que se considerasse possível enquadrar o caso como posse de má-fé, o art. 517 Código Civil de 1916 – vigente no tempo do contrato de compra e venda – somente previa direito à indenização das benfeitorias necessárias, cuja prova da realização não se encontra nos autos”, concluiu o relator.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. OCUPAÇÃO TOLERADA DE IMÓVEL DE PROPRIEDADE DA UNIÃO.  MERA DETENÇÃO. ART. 208 DO CC. IMPOSSIBILIDADE DE INDENIZAÇÃO. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. A controvérsia reside no óbice da desapropriação pleiteada por ENERGIA SUSTENTÁVEL DO BRASIL S/A para desapropriar área do imóvel que a sentença reconheceu ser de propriedade da União em razão da extinção do contrato de promessa de compra e venda com o INCRA, por descumprimento da cláusula resolutiva expressa de domínio inegociável e intransferível e, por conseguinte, não reconheceu a transferência da posse por contrato particular aos apelantes que, segundo alegam, exercem a posse há mais de duas décadas e com reconhecimento da União sobre a ocupação a título de posse e reivindicam indenização pelas benfeitorias realizadas no imóvel na condição de posseiros.

2. O lote em questão é de proprietária da União, tal como esclarecido no laudo pericial afirmando a inserção da área em questão na matrícula imobiliária de nº 13.568 e reconhecido pelos apelantes que o imóvel não deixou de ser de propriedade da União.

3. É hábil a documentação para se extrair o descumprimento da cláusula resolutiva do contrato de promessa de compra e venda firmado com o INCRA e, assim, manter o reconhecimento da extinção desse contrato, por força do art. 119 do Código Civil de 1916, vigente à época do aludido descumprimento.

4. A extinção do referido contrato confere automática reversão do imóvel ao patrimônio da União, de modo que não houve transferência de posse do referido imóvel público para os apelantes.

5. A ocupação tolerada do imóvel público, ou sem permissão da Administração, não se confunde com a posse e se estabelece como mera detenção de natureza precária, conforme previsto no art. 1.208 do Código Civil.

6. A área pública não é passível de posse ou usucapião e a boa-fé da ocupação de bem público não é indenizável, conforme destacado no seguinte precedente (AgInt nos EDcl no REsp n. 1.944.329/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 15/3/2022.)

7. Apelação não provida.

A Turma, por unanimidade, rejeitou a apelação.

 

Processo: 0012869-24.2015.4.01.4100

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