Ministro Augusto César defende restrições à crisotila

O ministro Augusto César Leite de Carvalho, do Tribunal Superior do Trabalho, acredita que a discussão em torno do amianto ultrapassa a questão trabalhista e se insere num contexto que abrange toda a sociedade, devido a suas dimensões ambientais, econômicas, ideológicas e de saúde. Nesta entrevista, ele discute esses diversos aspectos do tema e afirma que é preciso superar a visão “monetista” do problema.

A legislação brasileira que trata a questão do amianto é de quando?

Min. Augusto César – A ratificação da Convenção nº 162 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) é de 1991. A nossa legislação é de 1995, com a edição da Lei nº 9055/1995, que proíbe as formas anfibólicas do amianto e ressalva a crisotila. A ressalva se justificava naquela época, mas não hoje, com a ascensão do Direito Ambiental, em que o princípio da precaução inibe qualquer atividade em que haja a suspeita de que pode causar danos. É mais do que prevenir: se há dúvida, resguarda-se a vida humana, a saúde do trabalhador.

Do ponto de vista da Justiça do Trabalho e da evolução da jurisprudência, qual é o quadro atual em relação aos problemas do amianto?

Min. Augusto César – A questão nos tem chegado por meio de ações que visam à reparação do dano moral a trabalhadores acometidos doenças como placa pleural, asbestose e mesotelioma. Há a percepção que a crisotila tem, sim, efeito cancerígeno, e a jurisprudência responsabiliza o empregador pelos efeitos nocivos da exposição ao produto. Nos EUA, os níveis de tolerância são bem menores que no Brasil. Essa audiência pública promovida pelo Supremo Tribunal Federal é uma ótima oportunidade para que o tema possa ser discutido abertamente.

Como o mundo trata o problema?

Min. Augusto César – Até 1991, diziam que apenas as formas anfibólicas do amianto é que causariam esses males. Com o tempo, essa concepção foi mudando em razão do aprofundamento dos estudos, principalmente por parte de médicos canadenses. O Canadá hoje é o maior produtor de crisotila, mas proíbe o consumo em seu próprio território. Ele exporta para os outros países o que não quer que seus cidadãos consumam.

Na União Europeia, houve uma diretiva proibindo o consumo de qualquer forma de amianto a partir de 2005. Países vizinhos a nós, como Argentina e Chile, já proibiram o amianto. O Brasil está indo em sentido contrário, apesar de ser o quarto produtor de amianto branco no mundo.

As doenças relacionadas à exposição ao amianto têm um período de latência que pode chegar a 40 anos. O que o trabalhador deve fazer ao confirmar o diagnóstico?

Min. Augusto César – No processo trabalhista, algumas vezes há dúvidas em relação à prescrição, já que a asbestose não é uma doença de diagnóstico instantâneo. Somente após a ciência inequívoca do dano é que se pode deflagrar o prazo da prescrição. É um princípio do Direito: você só tem contra si um prazo de prescrição quando se tem o direito de ação, que ocorre quando é confirmado o diagnóstico, mesmo que a exposição tenha ocorrido há mais de 20 anos. É perverso imaginar que o trabalhador, por não ter ajuizado a ação à época do rompimento do vínculo de emprego, não possa mais fazê-lo e tenha que suportar isso sem poder pedir a reparação. A partir do diagnóstico, portanto, o prazo para ajuizar a ação é de três anos. Ainda assim é muito pouco tempo, e essas noções que dizem respeito à prescrição podem ser que sejam revisadas no futuro.

Algumas entidades sindicais que defendem a continuidade da produção do amianto dizem que esses casos aconteceram quando não se tinham condições seguras de trabalho, mas que hoje, com controle adequado e acordos coletivos, a atividade é totalmente segura para o trabalhador. Este argumento é válido?

Min. Augusto César – O amianto não causa dano apenas ao trabalhador. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), são 125 milhões de trabalhadores expostos, e 105 mil continuam morrendo por ano. Então, essa proteção em grau absoluto não existe. Outros trabalhadores, não só os de minas, também estão sujeitos ao problema.

Outro argumento usado pelos defensores do amianto é a questão da geração de empregos. Qual a sua visão sobre este ponto?

Min. Augusto César – Os produtos de amianto entram no mercado com preço muito baixo, o que cria dificuldades para os concorrentes. Segundo um estudo feito em São Paulo, 150 mil trabalhadores de produtos alternativos ao amianto perderiam o emprego se a comercialização do amianto branco, hoje proibida naquele estado, voltar a ser autorizada. Existe, então, a possibilidade de trabalho seguro, que não expõe o trabalhador e a sociedade à inalação desse material cancerígeno. Há outras substâncias que concorrem com ele sem a mesma condição de preço, mas que empregam também, e esses empregos seriam sacrificados. Em última análise, o dilema é entre o desenvolvimento econômico incondicional ou o desenvolvimento econômico sustentável, que assegura proteção ambiental, segurança e saúde ao trabalhador.

As leis que proíbem o uso e a circulação de mercadorias com amianto representam um avanço?

Min. Augusto César – É elogiável a posição do Estado de São Paulo e a dos demais estados quanto a isso. Com as leis, não permitimos que se produza ou se comercialize o amianto e também não permitimos que ele circule no nosso território. Acho difícil de entender porque o princípio da livre circulação de mercadorias deva prevalecer sobre o princípio da dignidade humana.

Quais as perspectivas, do ponto de vista da legislação e da jurisprudência, no campo das garantias ao trabalhador?

Min. Augusto César – A minha visão do Direito é a da superação da fase monetista, aquela em que tudo acontece e depois tudo é reparado. Essa abordagem dá à lesão um custo monetário, transforma em dinheiro o mal que irremediavelmente está feito. Hoje, a compreensão é outra: é de prevenção, de não permitir que um determinado tipo de trabalho se realize porque ele não só vai gerar um mal no futuro, mas porque vai se preservar uma condição que afeta bens ambientais. A Constituição e as normas de direito internacional se referem a essa proteção para as gerações futuras, mas também para o trabalhador de hoje mesmo. Não se pode deixar que atividade econômica se desenvolva se ela está levando ao adoecimento e à morte. Creio que há uma mudança de concepção no tocante à concretização desses direitos.

Onde podemos observar essa mudança?

Min. Augusto César – Na noção de dignidade humana, por exemplo. As encíclicas papais da Igreja Católica concebiam que a dignidade humana era afetada quando o trabalhador era levado à estafa. Hoje, do ponto de vista filosófico e jurídico, entende-se que o principio da dignidade humana é afetado quando existe trabalho degradante. Não quer dizer apenas que o trabalhador esteja exaurido, cansado. Qualquer espécie de trabalho degradante afeta a concepção do homem como fim, e não como meio.

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