Informativo de Jurisprudência – Edição Extraordinária nº 13 – STJ

Edição Extraordinária nº 13

1º de agosto de 2023.

CORTE ESPECIAL

Processo

 

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Rel. para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, por maioria, julgado em 19/4/2023, DJe 24/5/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Afastamento cautelar do cargo. Desembargador. Complementação. Suspensão do processo administrativo de aposentadoria voluntária. Possibilidade. Risco de esvaziamento da decisão cautelar. Necessidade de preservação dos efeitos futuros de eventual condenação.

Destaque

 

É juridicamente plausível a complementação de medida cautelar de afastamento do cargo imposta a Desembargador com a determinação de suspensão do processo administrativo de aposentadoria voluntária até o julgamento final da ação penal a qual responde.

Informações do Inteiro Teor

 

O afastamento cautelar do cargo está calcado na proteção da ordem pública, haja vista a gravidade dos fatos e a necessidade de evitar a prática de novas infrações penais. Nada obstante, não há como afastar da medida cautelar a utilidade também de assegurar a aplicação da lei penal, isto é, de garantir a efetividade de eventual decreto condenatório.

 

O fato imputado, em tese, ao Desembargador é indiscutivelmente grave, sobretudo porque lhe atribui o possível cometimento de violência sexual reiterada contra criança em tenra idade, a qual, se eventualmente confirmada, poderá evidenciar a prática de crimes com violação do dever funcional imposto a todos os magistrados, qual seja, o de manter conduta irrepreensível na vida pública e particular – ex vi do art. 35, VIII, da Lei Complementar n. 35/1979 – LOMAN.

 

Dessa forma, é juridicamente plausível a suspensão do processo administrativo de aposentação do acusado, especialmente porque, nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, “não se admite a cassação da aposentadoria como efeito penal da condenação com base no inciso I do art. 92 do Código Penal, por ausência de previsão expressa na norma penal. Precedentes” (AgRg no REsp 1.336.980/SC, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe 11/11/2019).

 

Acrescente-se, aliás, que o Supremo Tribunal Federal já inviabilizou a aposentadoria voluntária de autoridade pública com foro especial por prerrogativa de função, investigada por suposta prática de crimes com violação de dever funcional, justamente por vislumbrar o risco de esvaziamento da medida cautelar de afastamento do cargo e a possibilidade de frustração da futura e eventual aplicação da lei penal (Pet 7221 AgR-segundo, Relator Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 3/4/2018, acórdão eletrônico DJe-121, Divulg. 18-6-2018, Public. 19-6-2018).

Informações Adicionais

Legislação

 

Código Penal (CP), art. 92, I

 

Lei Complementar n. 35/1979 (LOMAN), art. 35, VIII

TERCEIRA SEÇÃO

Processo

 

EDcl no AgRg nos EAREsp 1.240.307-MT, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 8/2/2023, DJe 13/2/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Princípio da fungibilidade. Interposição de recurso em sentido estrito quando cabível apelação. Art. 416 do CPP. Possibilidade. Ausência de má-fé.

Destaque

 

O princípio da fungibilidade no processo penal pode ser aplicado quando ausente a má-fé e presente o preenchimento dos pressupostos do recurso cabível.

Informações do Inteiro Teor

 

Depreende-se do art. 579 do CPP que, inexistente a má-fé, o recurso interposto pela parte será processado de acordo com o rito do recurso cabível.

 

Má-fé não é sinônimo de erro grosseiro. Embora o conceito de má-fé possa ser considerado vago, registra-se que a melhor solução para sua definição encontra amparo na utilização do Código de Processo Civil – CPC, em atenção ao disposto no art. 3º do CPP.

 

Assim como já afirmava o art. 17 do CPC/1973, o CPC/2015 dispõe, no art. 80, que não se verifica como litigante de má-fé aquele que incide em erro grosseiro. Com esse escopo, o erro grosseiro somente implicará em litigância de má-fé se utilizado para justificar a incidência das hipóteses do art. 80 do CPC/2015.

 

Observa-se que, na vigência do CPC/1939, o princípio da fungibilidade não poderia ser aplicado caso houvesse má-fé ou erro grosseiro, em clara demonstração de que as hipóteses não se confundem.

 

Sendo assim, no vigente CPP, instituído pelo Decreto-Lei n. 3.689/1941, aproximadamente dois anos após o CPC/1939 instituído pelo Decreto-Lei n. 1.608/1939, a omissão da ressalva no tocante ao erro grosseiro não pode ser tida como mero esquecimento, mas como proposital, eis que as duas legislações foram formuladas em mesmo contexto histórico.

 

Relevante, também, a constatação de que o parágrafo único do art. 579 do CPP traz requisito implícito para a aplicação do princípio da fungibilidade, qual seja, a possibilidade de processamento do recurso impróprio de acordo com o rito do recurso cabível, exemplificativamente, é o caso da tempestividade.

 

Na hipótese, houve erro grosseiro do Ministério Público na interposição de recurso em sentido estrito quando cabível apelação, pois inobservado o expressamente contido no art. 416 do CPP (Contra a sentença de impronúncia ou de absolvição sumária caberá apelação).

 

No entanto, não houve má-fé, eis que não preenchidas as hipóteses do art. 80 do CPC, bem como não há inadequação alguma para processamento pelo rito do recurso cabível, pois interposto no prazo recursal dele, com fundamentação e pleito que visavam a reforma da decisão recorrida, assim como se um apelo fosse.

 

Dessa forma, justificável é a admissão da aplicação do princípio da fungibilidade entre os recursos em sentido estrito e de apelação, embora existente o erro grosseiro diante da expressa previsão legal quanto ao recurso cabível que não enseja nenhuma dúvida objetiva.

Informações Adicionais

Legislação

 

Código de Processo Penal (CPP), arts. 3º, 416 e 579

 

Código de Processo Civil (CPC), art. 80

Saiba mais:

 

Pesquisa Pronta / DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS

 

Processo

 

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 14/6/2023, DJe 21/6/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL, DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Estatuto da Criança e do Adolescente. Procedimento especial de apuração do ato infracional. Interrogatório ao final da instrução. Aplicação do art. 400 do CPP. Alteração da jurisprudência. Modulação de efeitos.

Destaque

 

No procedimento de apuração do ato infracional, o interrogatório do menor deve ocorrer ao final da instrução, nos moldes do art. 400 do CPP.

Informações do Inteiro Teor

 

A jurisprudência do STJ era firme em assinalar, nos termos do art. 184 do Estatuto da Criança e do Adolescente, não haver nulidade na oitiva do adolescente como primeiro ato no procedimento de apuração de ato infracional, haja vista a previsão de rito especial na legislação de regência.

 

No entanto, recentemente esta Corte reconheceu a aplicação do entendimento firmado no HC 127.900/AM à seara menorista, sob o fundamento de que o menor de 18 anos deve ser ouvido após a instrução probatória, pois não pode receber tratamento mais gravoso do que aquele conferido ao adulto. (AgRg no HC 772.228/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe de 9/3/2023).

 

Na audiência de apresentação do adolescente, é possível que ao adolescente em conflito com a lei se imponham medidas socioeducativas, o que lhe traz considerável ônus e notória restrição à sua liberdade.

 

O interrogatório de um adolescente, em processo por ato infracional, há de ser visto também como meio de defesa, e, portanto, para ser efetivo, precisa ser realizado como ato final da instrução, a fim de que a pessoa processada tenha condições de melhor apresentar sua defesa e influenciar a futura decisão judicial. Essa ordem de produção da prova preserva os direitos e as garantias dos adolescentes, os quais não podem ser tratados como mero objetos da atividade sancionadora estatal (art. 100, parágrafo único, I, do ECA).

 

O art. 3° da Lei n. 8.069/1990 assegura aos adolescentes “todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata essa lei”. O art. 110, do mesmo estatuto, dispõe: “Nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal”.

 

Por sua vez, a Constituição Federal de 1988 nos mostra a abrangência dessa garantia, ao assegurar, no art. 5°, LV, da CF, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e os recursos a ela inerentes, aos acusados em geral, direito que engloba a perspectiva de o próprio processado confrontar as imputações e as provas produzidas em seu desfavor. Como não é possível se defender de algo que não se sabe, o interrogatório deve ser realizado nos moldes do art. 400 do CPP, como último ato instrutório.

 

Esse é o entendimento que melhor se coaduna com um devido processo justo. Todavia, faz-se necessária a modulação da alteração jurisprudencial, a fim de que a inovação no ordenamento jurídico não comprometa a segurança jurídica e culmine em declaração de invalidade de todas as representações ajuizadas no país desde a promulgação da Constituição Federal e a vigência da Lei n. 8.069/1990. Deve-se limitar os efeitos retrospectivos do julgado a partir de 3/3/2016, data em que o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 127.900/AM, sinalizou que o art. 400 do CPP era aplicável aos ritos previstos em leis especiais.

 

Assim, propõe-se o aperfeiçoamento da recente jurisprudência desta Corte, para fixação das seguintes orientações:

 

  1. a) em consonância com o art. 184 do ECA, oferecida a representação, a autoridade judiciária designará audiência de apresentação do adolescente, e decidirá, desde logo, sobre a decretação ou manutenção da internação provisória e sobre a remissão, que pode ser concedida a qualquer tempo antes da sentença;

 

  1. b) é vedada a atividade probatória na audiência de apresentação, e eventual colheita de confissão nessa oportunidade não poderá, de per se, lastrear a procedência da representação;

 

  1. c) diante da lacuna na Lei n. 8.069/1990, aplica-se de forma supletiva o art. 400 do CPP ao procedimento especial de apuração do ato infracional, garantido ao adolescente o interrogatório ao final da instrução, perante o Juiz competente, depois de ter ciência do acervo probatório produzido em seu desfavor;

 

  1. d) o novo entendimento é aplicável aos processos com instrução encerrada após 3/3/2016, conforme julgado proferido pelo Supremo Tribunal Federal no HC n. 127.900/AM, Rel. Ministro Dias Toffoli, Tribunal Pleno;

 

  1. e) regra geral, para acolhimento da tese de nulidade, faz-se necessário que a defesa a aponte em momento processual oportuno, quando o prejuízo à parte é identificável por mero raciocínio jurídico, por inobservância do direito à autodefesa.

Informações Adicionais

Legislação

 

Código de Processo Penal (CPP), art. 400

 

Lei n. 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), arts. 3º, 100, parágrafo único, I, 110 e 184

 

Constituição Federal (CF), art. 5°, LV

QUINTA TURMA

Processo

 

AgRg no REsp 1.935.671-RS, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 27/6/2023, DJe 3/7/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PENAL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Crime do art. 96, inciso II, da Lei n. 8.666/1993. Superveniência da Lei n. 14.133/2021 (atual art. 337-L, inciso II, do CP). Ausência de prejuízo à Administração Pública. Crime tentado.

Destaque

 

Se o delito previsto no art. 96, inciso II, da Lei n. 8.666/1993 (revogado pela Lei n. 14.133/2021, atual art. 337-L, inciso II, do CP) prevê que configura crime o ato de fraudar, em prejuízo da Administração Pública, licitação ou contrato dela decorrente, mediante fornecimento, como verdadeira, de mercadoria falsificada, e, se, ao final da instrução penal, se constata não ter havido o prejuízo, em razão de circunstâncias alheias à vontade do agente, tem-se como caracterizada a tentativa.

Informações do Inteiro Teor

 

A controvérsia consiste em definir se cabe aplicação de causa de diminuição de pena relativa ao crime tentado, quando, por razões alheias à vontade dos agentes, o delito tipificado no art. 96, II, da Lei n. 8.666/93, não se consuma.

 

O delito previsto no art. 96, inciso II, da Lei n. 8.666/93 (revogado pela Lei n. 14.133/2021, atual art. 337-L, inciso II, do CP) prevê que configura crime o ato de fraudar, em prejuízo da Administração Pública, licitação ou contrato dela decorrente, mediante fornecimento, como verdadeira, de mercadoria falsificada, e, se, ao final da instrução penal, se constata não ter havido o prejuízo, em razão de circunstâncias alheias à vontade do agente, tem-se como caracterizada a tentativa. De fato, a norma penal, em regra, descreve uma conduta proibida na forma consumada, sendo necessária a aplicação do art. 14, inciso II, do Código Penal, para o reconhecimento da tentativa.

 

No caso, a empresa dos acusados, após sagrar-se vencedora em procedimento licitatório, tendo o objeto do contrato sido a ela devidamente adjudicado, efetivamente entregou à Administração Pública 100 cartuchos de tinta remanufaturados e em embalagens falsificadas, no valor total de R$ 17.999,00 (dezessete mil, novecentos e noventa e nove reais). Entretanto, a Administração Pública Federal não efetuou o efetivo pagamento pelos produtos fornecidos, apenas porque iniciou procedimento interno para a verificação da autenticidade do material (já devidamente fornecido pelos recorridos), oportunidade em se constatou a falsidade da mercadoria.

 

Dessa forma, se os agravantes efetivamente praticaram todos os atos relativos ao fornecimento da mercadoria (tentativa perfeita), porém, em razão exclusivamente de circunstâncias alheias à vontade dos agentes, o delito não se consumou (configuração de prejuízo à Fazenda Pública), não se pode falar em conduta atípica, mas, sim, em crime tentado.

Informações Adicionais

Legislação

 

Código Penal (CP), art. 337-L, inciso II

 

Lei n. 8.666/1993, art. 96, inciso II.

 

Lei n. 14.133/2021

Processo

 

AgRg no AREsp 2.271.420-MG, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 27/6/2023, DJe 3/7/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PENAL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Tráfico de drogas. Posse de drogas para uso pessoal. Pleito de desclassificação. Pequena quantidade de drogas. Ácido bórico. Ausência de outros elementos caracterizadores do tráfico.

Destaque

 

A apreensão de pequenas quantidades de droga junto com o ácido bórico não implica, necessariamente, a conduta tipificada no art. 33 da Lei n. 11.343/2006.

Informações do Inteiro Teor

 

No caso analisado, o agravante foi condenado como incurso no art. 33, § 1º, inciso I, da Lei nº 11.343/2006 porque portava, em via pública, 0,32 g de crack e 164,80 g de ácido bórico.

 

A posse de ácido bórico, por si só, é um indiferente penal, haja vista que é largamente utilizado para fins lícitos, como tratamentos de saúde, desinsetização, adubamento ou retardação de chamas, podendo ser adquirido com relativa facilidade em farmácias ou lojas de insumos para agricultura, em preparações que vão de 50 g até 1 kg.

 

Não se está a ignorar que o ácido bórico seja utilizado, também, para os fins de preparação de drogas ilícitas. Ocorre que, nesses casos, a condenação deve se pautar em outros elementos que apontem, de modo inequívoco, para a traficância, como a apreensão de consideráveis quantidades de droga, balanças de precisão, embalagens plásticas, somas de dinheiro etc.

 

Presumir, nas circunstâncias dos autos, que a conduta constituiu tráfico de drogas, pelo simples fato de o réu portar ácido bórico e pequena quantidade de crack, importa em ignorar a realidade social que, nos termos do § 2º do art. 28 da Lei nº 11.343/2006, deveria ter sido avaliada para os fins de determinar se o entorpecente encontrado se destinava ao consumo pessoal.

 

Em 2016, pesquisadoras da Fiocruz, da Universidade Federal de Pernambuco e da Universidade Federal de São Paulo entrevistaram 1.062 usuários de crack e observaram que 54,3% deles já haviam utilizado o chamado “pó virado”, consistente na mistura de crack ao ácido bórico para os fins de consumo pela via nasal. Em outro estudo, pesquisadoras observaram que a preparação do “pó virado” é feita pelos próprios usuários, em grupos e de forma compartilhada, a fim de obter efeito mais duradouro e, consequentemente, menores níveis de fissura e paranoia decorrentes do uso da droga. Além disso, não raro o “pó virado” era uma alternativa para os usuários de cocaína que precisavam lidar com a abstinência diante da impossibilidade de obter sua droga de escolha.

 

Diante desses achados, é preciso cuidado redobrado ao avaliar se a conduta de portar drogas e ácido bórico deve ser tipificada como tráfico de drogas ou posse de drogas para uso pessoal. “IX – Na hipótese dos autos, a pequena quantidade da droga apreendida (0,32 g de crack), bem como a ausência de outros elementos caracterizadores da traficância, levam à conclusão de que os fatos se ajustam melhor ao disposto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006”.

 

Os precedentes do Superior Tribunal de Justiça já reconheceram que a apreensão de pequenas quantidades de droga junto com o ácido bórico não implica, necessariamente, a conduta tipificada no art. 33 da Lei nº 11.343/2006, e que é possível caracterizar a posse de drogas para uso pessoal em circunstâncias envolvendo a apreensão de entorpecentes em quantidade superior à dos autos.

 

Convém destacar, ainda, que o agravante possuía duas anotações por posse de drogas para uso pessoal em sua folha de antecedentes e que, inicialmente, os primeiros agentes de segurança pública que tiveram contato com os fatos não identificaram elementos caracterizadores de traficância.

Informações Adicionais

Legislação

 

Lei n. 11.343/2006, arts. 28 e 33

Processo

 

AgRg no REsp 2.012.591-PA, Rel. Ministro João Batista Moreira (Desembargador convocado do TRF1), Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 16/5/2023, DJe 19/5/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PENAL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Roubo majorado pelo emprego de arma e concurso de agentes. Dosimetria. Valoração negativa da culpabilidade. Fundamentos concretos.

Destaque

 

A majoração da pena é admissível quando a culpabilidade revela aspectos mais censuráveis, além dos inerentes ao tipo penal, desde que haja fundamentação concreta e idônea para tal.

Informações do Inteiro Teor

 

Ambas as Turmas da Terceira Seção do STJ possuem orientação no sentido de que, na análise da circunstância judicial da culpabilidade, é necessário levar em conta tanto a maior como a menor censurabilidade da conduta delituosa praticada, aplicando-se não apenas as condições pessoais do agente, mas também avaliando a situação em que a prática criminosa ocorreu.

 

No caso, os agravantes alegam que “a culpabilidade não poderia ser valorada negativamente, pois ela não se confunde com aquela que é pressuposto da pena, ou seja, se a culpabilidade do réu é reprovável e desfavorável pela própria natureza da infração. Em outros termos, não pode exasperar a pena-base, pois esta é inerente ao próprio tipo penal, de modo que para que a circunstância negativa seja negativamente valorada, é necessário que ela extrapole aquela já prevista pelo legislador no tipo incriminador, o que no caso não se verifica”.

 

Todavia, o Tribunal a quo destacou que, durante a fuga empreendida com o veículo da vítima, os acusados efetuaram disparos de arma de fogo contra a guarnição da polícia militar, sendo presos somente em município diverso daquele onde consumado o roubo do veiculo automotor.

 

Dessa forma, percebe-se que o acórdão recorrido apresentou elementos concretos que autorizam a valoração negativa da culpabilidade dos agentes, eis que reveladores do maior desvalor das condutas.

Processo

 

AgRg nos EDcl no AREsp 2.172.438-SP, Rel. Ministro João Batista Moreira (Desembargador convocado do TRF1), Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 11/4/2023, DJe 14/4/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PENAL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Crime de moeda falsa. Grande quantidade de cédulas falsas e maus antecedentes. Recrudescimento da pena-base.

Destaque

 

A depender da gravidade da circunstância judicial, a incidência de uma única delas (art. 59, Código Penal) é suficiente para a fixação da pena-base no máximo legal.

Informações do Inteiro Teor

 

A Corte de origem avaliou de forma negativa as circunstâncias do crime, tendo em vista a grande quantidade de cédulas contrafeitas (139 cédulas), o que extrapolaria o normal em relação a crimes desta espécie.

 

A fundamentação apresentada justifica o aumento da reprimenda básica, pois lastreada em elemento concreto que denota maior reprovabilidade, como já decidiu esta Corte Superior.

 

Dessa forma, não se pode atribuir como ilegal a elevação da pena-base, na espécie, amparada nas circunstâncias do crime e nos maus antecedentes, exatamente como realizado. A jurisprudência do STJ orienta que até mesmo uma única circunstância judicial pode elevar a pena-base ao máximo legal, a depender de sua gravidade.

Informações Adicionais

Legislação

 

Art. 59 do Código Penal (CP).

Processo

 

HC 822.947-GO, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 27/6/2023, DJe 30/6/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Tráfico de drogas. Art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006. Princípio in dubio pro reo. Dedicação criminosa. Interpretação restritiva. Requisitos do tráfico privilegiado. Ocorrência. Possibilidade de acordo de não persecução penal. Descrição dos fatos na denúncia. Desnecessidade. Excesso de acusação (overcharging) que não deve prejudicar o acusado. Requisitos para a possibilidade de ANPP atendidos.

Destaque

 

Reconhecida a aplicação da minorante do tráfico privilegiado, com patamares abstratos de pena dentro do limite de 4 anos para a pena mínima, o acusado tem direito à possibilidade do acordo de não persecução penal, mesmo se o Parquet tiver descrito os fatos na denúncia de maneira imperfeita, pois o excesso de acusação (overcharging) não deve prejudicar o acusado.

Informações do Inteiro Teor

 

O acordo de não persecução penal é um ajuste pré-processual celebrado entre o órgão acusador e o autor do delito se atendidos os requisitos previstos, expressamente, no Código de Processo Penal: 1) confissão formal e circunstanciada; 2) infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos; e 3) necessidade e suficiência para reprovação e prevenção do crime.

 

Trata-se de instituto resultante de acordo de vontades entre o Ministério Público e o acusado com vistas a dar solução negociada a processos cuja origem sejam crimes de menor gravidade. Porém, não se trata de direito subjetivo do acusado, devendo existir, além da confluência dos requisitos exigidos pela lei, o interesse do órgão acusador em propor o acordo.

 

No julgamento do AgRg no REsp 2.016.905/SP, a Quinta Turma do STJ estabeleceu que, nos casos em que ocorre a alteração do enquadramento jurídico ou da desclassificação do delito, seja por meio de emendatio libelli ou de mutatio libelli, é possível aplicar o ANPP, desde que preenchidos os requisitos legais exigidos para esse instituto negocial.

 

Esse precedente reconheceu a aplicação adaptada da Súmula 337/STJ, que prevê ser cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e procedência parcial da pretensão punitiva. Portanto, se houver a desclassificação da imputação para outra infração que admite benefícios despenalizadores do art. 89, caput, da Lei n. 9.099/1995, os autos do processo devem retornar à instância de origem para aplicação desses institutos.

 

A situação em análise segue o mesmo raciocínio, uma vez que foi constatado um equívoco na descrição dos fatos narrados para a imputação do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 (tráfico de drogas) ao acusado. Isto posto, é necessário que o processo retorne à sua origem para avaliar a possibilidade de propositura do ANPP, independentemente das consequências jurídicas da aplicação da minorante do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 (tráfico privilegiado) na dosimetria da pena, ou seja, para reduzir a pena.

 

Sob outra perspectiva, a jurisprudência consolidada da Quinta Turma desta Corte, em relação ao § 1º do art. 28-A do CPP, firmada no julgamento dos EDcl no AgRg no AgRg no AREsp 1.635.787/SP, estabeleceu que, ao avaliar a pena mínima do crime, devem ser consideradas as causas de aumento e diminuição previstas, as quais devem estar descritas na denúncia, não sendo possível levar em conta a pena mínima calculada após a aplicação da causa de diminuição, que só é reconhecida no momento da prolação da sentença condenatória.

 

Entretanto, após reflexão profunda sobre o tema, penso que o acusado teria o direito de ter a proposta do ANPP independentemente de as descrições dos fatos na denúncia coincidirem com a imputação do crime de tráfico privilegiado. Caso fosse imposta essa exigência, estaríamos praticamente inviabilizando a aplicação desse instituto nos casos de tráfico de drogas.

 

Reconhecida a aplicação da minorante do tráfico privilegiado, os patamares abstratos de pena estabelecidos na lei situam-se dentro do limite de 4 anos para a pena mínima, previsto no art. 28-A do CPP. Além disso, com a aplicação da minorante neste STJ, o acusado tem direito ao ANPP, mesmo se o Parquet tiver descrito os fatos na denúncia de maneira imperfeita, pois o excesso de acusação (overcharging) não deve prejudicar o acusado.

 

É essencial garantir que o acusado possa usufruir do ANPP, independentemente das descrições exatas dos fatos na denúncia. Afinal, a finalidade desse instituto é oferecer uma alternativa para a resolução de casos penais, proporcionando uma solução negociada.

 

Por fim, enfatiza-se que não se está reconhecendo um direito subjetivo do réu à proposta do acordo de não persecução penal, mas, sim, realizando uma interpretação adequada do art. 28-A do CPP. Essa é uma condição jurídica inerente ao próprio ANPP quando presentes os requisitos para sua proposição, que deve ser devidamente considerada.

 

Informações Adicionais

Legislação

 

Lei n. 11.343/2006, art. 33, § 4º

 

Código de Processo Penal (CPP), art. 28-A

 

Lei n. 9.099/1995, art. 89

Processo

 

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 20/6/2023, DJe 23/6/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Fiança. Medida assecuratória real. Natureza jurídica. Depósito judicial. Art. 11 da Lei n. 9.289/1996. Correção monetária. Taxa referencial (TR). Remuneração básica caderneta de poupança. Taxa SELIC. Inaplicabilidade.

Destaque

 

A taxa SELIC não é aplicável aos depósitos judiciais decorrentes de fiança em crimes de sonegação fiscal de competência da Justiça Federal, uma vez que possui caráter remuneratório e não se destina à correção monetária.

Informações do Inteiro Teor

 

A controvérsia discute o índice utilizado para a atualização dos depósitos judiciais decorrentes de fiança em crimes de sonegação fiscal de competência da Justiça Federal.

 

A fiança desempenha papel crucial ao assegurar a presença do acusado no processo e o cumprimento de suas obrigações, independentemente da natureza específica do delito. Os depósitos judiciais decorrentes de fiança possuem natureza peculiar, voltados à garantia dos créditos tributários e previdenciários supostamente sonegados, sem se confundirem com eles.

 

É importante fazer a devida distinção e considerar a não incidência, no presente caso, do Tema 905/STJ, que foi julgado na Primeira Seção, por meio do procedimento dos recursos repetitivos, nos processos REsps 1.492.221/PR, 1.495.144/RS e 1.495.146/MG, sob a relatoria do eminente Ministro Mauro Campbell Marques. Nesses casos, foram estabelecidos os índices de correção monetária e juros moratórios específicos para o pagamento de impostos ou contribuições previdenciárias.

 

Outra questão que merece ser destacada, fazendo o devido distinguishing, é a controvérsia em relação à atualização dos depósitos judiciais realizados no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. A Corte Especial, ao analisar a Petição n. 10.326/RJ, com a Ministra Maria Thereza de Assis Moura como relatora para acórdão, definiu que a correção monetária e os juros serão calculados de acordo com as regras aplicáveis às cadernetas de poupança. Isso ocorre devido à ausência de legislação específica que regulamente esse assunto nas ações penais originárias nesta Corte Superior.

 

A atualização dos depósitos judiciais é regida pelo art. 11 da Lei n. 9.289/1996, devendo ser recolhidos na Caixa Econômica Federal ou em outro banco oficial. Os depósitos em dinheiro seguem as regras das cadernetas de poupança, incluindo a remuneração básica e o prazo, conforme disposto no § 1º da referida Lei.

 

A remuneração dos depósitos em caderneta de poupança é estabelecida com base na Taxa Referencial – TR, estipulado pelo art. 12 da Lei n. 8.177/1991 e pelo art. 7º da Lei n. 8.660/1993. Já para os depósitos relacionados a processos originários da Justiça Comum Federal, a atualização monetária é realizada apenas pela TR, sem a incidência de juros, conforme entendimento pacificado no STJ.

 

Por fim, diferentemente da TR, a taxa SELIC não se destina apenas à correção monetária, mas sim à remuneração do capital. Essa taxa incorpora não apenas a variação monetária, mas também os juros que são devidos aos investidores. Portanto, sua incidência sobre os depósitos judiciais representaria uma forma de remuneração indevida do capital depositado.

Informações Adicionais

Legislação

 

Lei n. 9.289/1996, art. 11, § 1º

 

Lei n. 8.177/1991, art. 12

 

Lei n. 8.660/1993, art. 7º

Processo

 

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 26/6/2023, DJe 29/6/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Homicídio qualificado tentado e resistência. Pleito de absolvição. Fundamento em revaloração subjetiva da prova dos autos. Não cabimento de revisão criminal como nova apelação. Soberania dos veredictos.

Destaque

 

Entendendo os jurados pela existência de prova satisfatória para a condenação e não estando essa conclusão manifestamente contrária às provas dos autos, não se mostra possível a cassação do veredito popular na ocasião do julgamento do recurso de apelação, muito menos em uma ação revisional.

Informações do Inteiro Teor

 

A jurisprudência do STJ é clara ao estabelecer que “a revisão criminal, com base no art. 621, inciso I, do CPP, é restrita aos casos de condenação sem provas suficientes, não se tratando de mera fragilidade probatória (AgRg nos EDcl no REsp 1.940.215/RJ, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 16/11/2021, DJe 25/11/2021).

 

No caso, verifica-se que em relação aos crimes de tentativa de homicídio e resistência, a Corte local, ao analisar o pedido revisional, optou por acolher a versão dos fatos apresentada pela defesa. Dessa forma, julgou procedente a ação, absolvendo o acusado com base na reavaliação subjetiva das provas dos autos, considerando-os frágeis e insuficientes para sustentar a condenação.

 

Entretanto, ao contrário do exigido no texto normativo, in casu, não há novas provas que comprovem a inocência do acusado, tampouco evidências claras de que a decisão contraria os autos, o que exigiria uma condenação sem lastro probatório algum.

 

Ademais, o caso em questão trata-se de uma condenação proferida pelo Tribunal do Júri, que só pode ser revertida se estiver claramente em desacordo com as provas dos autos, respeitando o princípio da soberania dos veredictos, o que não se verifica. Assim, a insuficiência ou fragilidade das provas não se enquadra em nenhuma das hipóteses legais para o cabimento da revisão criminal, conforme previsto nos incisos do art. 621 do CPP.

 

Com efeito, o entendimento adotado pelo Tribunal a quo entra em contradição com a jurisprudência deste Tribunal, que é consolidada no sentido de que “a revisão criminal não é cabível quando usada como uma nova apelação, buscando apenas reexaminar os fatos e provas, sem contrariedade à lei penal ou evidências nos autos” (HC 206.847/SP, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 25/2/2016).

Informações Adicionais

Legislação

 

Código de Processo Penal (CPP), art. 621, I

Processo

 

AgRg no HC 792.531-SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, por unanimidade, Quinta Turma, julgado em 14/2/2023, DJe 27/2/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Busca e apreensão. Quebra do sigilo da esposa do investigado. Medida não autorizada. Celular também utilizado pelo investigado. Circunstância que não diminui a proteção à intimidade de terceiro. Nulidade da prova.

Destaque

 

O fato do investigado também utilizar o celular de terceiro não dispensa a autorização judicial para quebra de sigilo deste.

Informações do Inteiro Teor

 

O ingresso no domicílio de uma pessoa investigada não autoriza a devassa indiscriminada do sigilo de dados telefônicos de terceiros não investigados. Ora, se trata de direito constitucionalmente protegido que depende de decisão judicial concretamente fundamentada para que possa ser mitigado.

 

O fato de o celular ser utilizado também pelo investigado e não exclusivamente não diminui a proteção à intimidade da sua esposa. Com efeito, identificada a utilização do telefone da esposa também pelo acusado, seria necessário determinar de forma específica a quebra do mencionado sigilo e não de forma abrangente como quer levar a crer a fundamentação declinada pela Corte local.

 

Conforme a ampla jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, o resultado da diligência não justifica a ausência de autorização judicial específica. Com efeito, “o fato de terem sido encontrados objetos ilícitos não convalida a abordagem policial” (HC 728.920/GO, Relator Ministro Olindo Menezes – Desembargador convocado do TRF 1ª Região – Sexta Turma, DJe 20/6/2022).

 

Por fim, conforme destacado pelo Magistrado de origem, “a decisão não pode ser interpretada como carta branca para que as autoridades tenham o poder de quebrar o sigilo de terceiros para, posteriormente, ser feito o juízo de pertinência e utilidade. Este juízo deve ser anterior, fundamentando a decisão que defere a quebra do sigilo”.

Processo

 

AgRg no REsp 2.039.364-MG, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 25/4/2023, DJe 28/4/2023.

Ramo do Direito

 

EXECUÇÃO PENAL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Progressão de regime. Inadimplemento da pena de multa cumulativamente aplicada. Vedação ao deferimento da benesse do art. 112 da LEP. Possibilidade. Ausência de comprovação da absoluta incapacidade econômica de arcar com a sanção pecuniária. Possibilidade de adimplemento parcelado. Art. 50, caput, do CP. Reeducando assistido pela Defensoria Pública. Hipossuficiência presumida pelo juízo de origem. Presunção indevida.

Destaque

 

O fato de o reeducando ser assistido pela Defensoria Pública não gera a presunção de sua hipossuficiência em arcar com a pena de multa.

Informações do Inteiro Teor

 

Com o advento da Lei n. 9.268/1996, o tratamento jurídico conferido à pena de multa foi modificado, afastando-se a possibilidade de conversão dessa em privativa de liberdade, no caso de inadimplemento, passando essa a ser considerada como dívida de valor (art. 51, caput, do CP), o que, conforme entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 3.150/DF, “não retirou da multa o seu caráter de pena, de sanção criminal” (ADI 3.150, Rel. Ministro Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe-170, divulg. 5/8/2019, public. 6/8/2019).

 

Ademais, na mesma linha do STF, este Superior Tribunal de Justiça consolidou jurisprudência no sentido de que, na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o não pagamento da sanção pecuniária impede a progressão de regime, salvo comprovação de inequívoca incapacidade econômica do apenado.

 

Na forma do art. 50, caput, do Código Penal, admite-se que, a requerimento do condenado e conforme as circunstâncias do caso concreto, seja deferido o pagamento da multa em parcelas mensais.

 

Assim, nas hipóteses de inadimplemento da pena de multa, a fim de que não se imponha ao reeducando uma barreira intransponível, a ponto de violar o princípio da ressocialização da pena, nem se frustre, por outro lado, a finalidade da execução penal, o Juízo da Execução Criminal deve, antes de obstar ou deferir a progressão de regime ao apenado, verificar o valor da multa fixada e analisar, a partir de elementos fáticos, a respectiva capacidade econômica do sentenciado, com vistas a viabilizar, de algum modo, ainda que de forma parcelada, o pagamento da multa.

 

No caso, foi deferida a progressão de regime ao fundamento de que, “Muito embora o reeducando não tenha comprovado a impossibilidade de saldar a pena de multa, sua hipossuficiência econômica se revela das circunstâncias dos autos, pois se encontra assistido pela Defensoria Pública, sendo, portanto, presumidamente hipossuficiente”.

 

Contudo, como bem ponderou o Ministro Rogério Schietti Cruz, no julgamento do HC 672.632, DJe 15/6/2021, “nem todos os processados criminalmente, patrocinados pela Defensoria Pública, são hipossuficientes. […]. Assim, é ônus do sentenciado, durante a execução, justificar o descumprimento da sentença, também no ponto relacionado à multa. Isso deve ser feito, primeiramente, ao Juiz da VEC, com oportunidade de oitiva do Ministério Público”, afastando-se, portanto, a mera presunção de sua incapacidade econômica para o pagamento da sanção pecuniária.

 

Desse modo, constatado o inadimplemento da pena de multa aplicada cumulativamente à privativa de liberdade, o Juízo da Execução Criminal deverá, antes de deliberar acerca da progressão de regime, intimar o reeducando para efetuar o pagamento, ressaltando a possibilidade de parcelamento, a pedido e conforme as circunstâncias do caso concreto (art. 50, caput, do CP), bem como oportunizando ao condenado comprovar, se for o caso, a absoluta impossibilidade econômica de arcar com seu valor sem prejuízo do mínimo vital para a sua subsistência e de seus familiares.

Informações Adicionais

Legislação

 

Constituição Federal, art. 5º, inciso XLVI, alínea c

 

Código Penal, art. 49

SEXTA TURMA

Processo

 

RHC 156.955-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 2/5/2023, DJe 9/5/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PENAL

Igualdade de gênero Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Injúria qualificada. Art. 140, § 3º, do Código Penal. Ofensas homofóbicas proferidas em plenário do Tribunal do Júri. Imunidade profissional do advogado. Caráter relativo. Ausência de relação entre as palavras injuriosas e a atividade funcional do causídico. Plenitude de defesa que não é escudo para práticas ilícitas.

Destaque

 

A plenitude de defesa exercida no Tribunal do Júri não pode ser manejada pelo advogado como salvo conduto para a prática de ilícitos.

Informações do Inteiro Teor

 

Cinge-se a controvérsia a aferir se a conduta capitulada, pelo Ministério Público, como injúria preconceituosa estaria abarcada pela imunidade prevista no art. 7º, § 2º, da Lei n. 8.906/1994, vigente à época dos fatos.

 

Imunidade não é sinônimo de privilégio. O fim teleológico de toda imunidade penal é a salvaguarda da própria função desempenhada pelo agente, que, por ser dotada de relevante interesse social – no caso da advocacia, é a própria Constituição da República que a prevê como indispensável à administração da Justiça – merece proteção diferenciada, a fim de se evitar embaraços indevidos ao seu pleno exercício.

 

No entanto, não se pode presumir que a mesma Constituição que prevê um alargado catálogo de direitos fundamentais confira plenos poderes para que pessoas com determinados munus possam descumpri-los em contexto totalmente divorciado da finalidade da norma que prevê a garantia da imunidade. Desse modo, não parece adequado admitir que, mesmo no exercício de suas funções, possa um membro da advocacia proferir discursos de ódio ou ofensas sem nenhuma relação com o caso tratado.

 

Ofensas eventualmente proferidas por advogados não serão tipificadas como injúria ou difamação, desde que relacionadas com a função por estes desempenhadas. Exige-se, portanto, pertinência entre as palavras injuriosas e a atividade do profissional. Conclusão diversa implicaria autorização indiscriminada para que o integrante dos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil pudesse ofender a honra de qualquer pessoa, sem punição alguma, ainda que as palavras ofensivas em nada se relacionem com a causa de atuação do causídico.

 

Ademais, embora no Tribunal do Júri seja assegurada a plenitude de defesa (art. 5º, inciso XXXVIII, alínea a, da Constituição Federal), a referida garantia não pode ser distorcida pelo advogado como se fosse salvo conduto para a prática de delitos. Essa foi a compreensão exteriorizada pelo Supremo Tribunal Federal no paradigmático julgamento em que se vedou a utilização da cruel expressão “legítima defesa da honra”, sendo ressaltado, expressamente, no respectivo acórdão, que a plenitude de defesa, própria do Tribunal do Júri, não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas. (ADPF 779 MC-Ref, relator Ministro Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 15/3/2021, PUBLIC 20/5/2021).

Informações Adicionais

Legislação

 

Código Penal (CP), art. 140, § 3º

 

Lei n. 8.906/1994, art. 7º, § 2º

 

Constituição Federal (CF), art. 5º, inciso XXXVIII, a

Processo

 

RHC 179.244-SC, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 6/6/2023, DJe 12/6/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PENAL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Descaminho e inutilização de sinal. Investigado flagrado antes de se submeter ao desembaraço aduaneiro. Crime impossível. Ocorrência. Hipótese que não se coaduna sequer com a tentativa. Inutilização de sinal tido como etapa do crime-fim. Consunção que impede a subsistência.

Destaque

 

A apreensão de mercadorias antes da entrada no recinto da aduana não configura o crime de descaminho.

Informações do Inteiro Teor

 

A controvérsia cinge-se a definir se ocorreu a consumação do crime de descaminho ou meros atos preparatórios, na situação fática em que os investigados estavam trocando mercadorias importadas, que ainda não haviam passado pelo desembaraço aduaneiro, substituindo mercadorias de maior valor por outras de valor inferior, visando suprimir tributos no processo de importação, tendo sido constatado, também, o rompimento do lacre do container.

 

Tratando-se de hipótese em que a mercadoria necessariamente passaria pela fiscalização alfandegária, doutrina e jurisprudência são uníssonas no sentido de que a consumação ocorre com a liberação pela alfândega, sem o pagamento do tributo competente, o que, no caso, não ocorreu em face da apreensão antes da entrada no recinto da aduana.

 

A tese de crime impossível é a única que se coaduna com a situação em análise, pois o flagrante ocorreu quando o investigado procedia à troca de mercadorias importadas durante o percurso de translado entre Porto Itapoá/SC e o recinto alfandegário em Francisco do Sul/SC. Ou seja, o indiciado sequer chegou a se submeter ao desembaraço aduaneiro, tratando-se, portanto, de meros atos preparatórios, que, em regra, não são punidos pelo ordenamento jurídico, a não ser quando previstos expressamente como delitos autônomos.

 

Ademais, tendo o órgão da acusação promovido a instauração de incidente de acordo de não persecução penal apenas em relação ao crime de descaminho, considerando absorvido o delito de inutilização de sinal, a atipicidade da conduta reconhecida em relação àquele (crime-fim) impede que a investigação subsista em relação ao crime-meio.

 

Processo

 

AgRg no AREsp 2.165.381-SP, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 21/3/2023, DJe 27/3/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PENAL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Porte de arma de fogo com numeração suprimida. Irrelevância penal da descoberta posterior da numeração que identifica o artefato bélico.

Destaque

 

Reconhecida a prática do delito de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, afasta-se qualquer pretensão em ver a conduta desclassificada para o delito previsto no art. 14, caput, do Estatuto do Desarmamento, observando-se que a rastreabilidade da arma de fogo é irrelevante para materialidade do delito do art. 16, parágrafo único, IV, da Lei n. 10.826/2003.

Informações do Inteiro Teor

 

A controvérsia consiste em definir se a descoberta de parte de numeração que foi suprimida de uma arma torna possível a desclassificação da conduta do tipo penal de porte de arma de uso restrito (art. 16, parágrafo único, IV, da Lei n. 10.826/2003) para porte de arma de uso permitido (art. 14, também do Estatuto do Desarmamento).

 

No caso, a Corte local concluiu que o fato de ser possível o rastreamento de parte da numeração da arma de fogo é desimportante para a afirmação da materialidade do delito do então art. 16, parágrafo único, IV, da Lei n. 10.826/2003.

 

Com efeito, o STJ possui entendimento no sentido de que o fato de a numeração da arma ser posteriormente revelada é realmente irrelevante, pois a intenção do legislador da época era punir com mais rigor a conduta de portar arma com identificação suprimida.

 

Nesse sentido, o posicionamento do acórdão recorrido se encontra em perfeita harmonia com a jurisprudência desta Corte, segundo a qual, “[a]pesar de o caput do art. 16 da Lei n. 10.826/2003 referir-se a armas de fogo, munições ou acessórios de uso proibido ou restrito, o parágrafo único, ao incriminar a conduta de portar arma de fogo modificada, refere-se a qualquer arma, sendo irrelevante o fato de ela ser de uso permitido, proibido ou restrito” (REsp n. 918.867/RS, relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 28/9/2010, DJe de 18/10/2010).

 

Ademais, não é o caso de superação da jurisprudência desta Corte, pois o fato de a Lei n. 13.964/2019, posterior à prática delitiva ora em questão, ter separado os crimes em delito de porte de arma de uso restrito (art. 16 do Estatuto do Desarmamento) e em delito de porte de arma de uso permitido (art. 14 do referido regramento) é, mesmo, irrelevante. Para além de a conduta ter sido praticada antes da mencionada Lei, é o art. 16, § 1º (antes parágrafo único), inciso IV, que pune o porte de arma com numeração suprimida.

 

Assim, houve a prática do crime de portar arma com numeração raspada, antes da alteração legislativa. Tal conduta se amolda ao referido art. 16, § 1º, inciso IV, da Lei n. 10.826/2003, sendo relevante para o caso a questão de o artefato ter tido sua numeração suprimida, e não a questão do tipo de uso da arma, afastando-se eventual desclassificação.

Informações Adicionais

Legislação

 

Lei n. 10.826/2003, art. 16, parágrafo único e § 1º, IV

Processo

 

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 23/5/2023, DJe 26/5/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PENAL

Igualdade de gênero Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Estupro de vulnerável. Dosimetria. Aplicação da agravante genérica (art. 61, II, f, do CP) e da majorante específica (art. 226, II, do CP). Bis in idem. Não ocorrência. Redução da fração de aumento pela continuidade delitiva. Desconhecimento do número de vezes que o suposto delito ocorreu. Inviabilidade.

Destaque

 

Nos casos de estupro de vulnerável praticado em continuidade delitiva, a aplicação das agravante e majorante específicas em situações distintas não configura bis in idem, e, na dosimetria da pena, deve-se considerar o aumento de pena no patamar máximo de 2/3, levando-se em conta os inúmeros abusos sofridos pela vítima.

Informações do Inteiro Teor

 

A controvérsia consiste em definir se o reconhecimento do aumento de pena previsto no art. 226, II, do CP, impossibilita a aplicação da agravante do art. 61, II, f, do Estatuto Repressor, sob o argumento de incorrer em bis in idem; e se a exasperação da pena no patamar máximo, fundamentada no argumento de número indeterminado de infrações, impõe a aplicação da fração mínima, em razão da regra da continuidade delitiva.

 

Quanto ao aumento de pena, tem-se que, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, “não configura bis in idem a utilização da agravante genérica do art. 61, II, f, do Código Penal e da majorante específica do art. 226, II, do CP quando a circunstância utilizada pelas instâncias ordinárias para agravar a pena é a prevalência da relação doméstica de confiança e de hospitalidade para o cometimento do delito, enquanto que, para aumentá-la na terceira fase, a condição de tio da vítima, situações distintas, portanto” (AgRg no HC 690.214/SC, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 30/9/2022).

 

Por sua vez, quanto ao aumento na fração máxima, em razão da continuidade delitiva, este justifica-se, em razão dos inúmeros abusos sofridos pela vítima. Isso porque “nos casos de estupro de vulnerável praticado em continuidade delitiva em que não é possível precisar o número de infrações cometidas, tendo os crimes ocorrido durante longo período de tempo, deve-se aplicar a causa de aumento de pena no patamar máximo de 2/3” (AgRg no HC 609.595/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 30/9/2022).

Informações Adicionais

Legislação

 

Código Penal (CP), arts. 61, II, f; e 226, II

Processo

 

REsp 2.000.169-PB, Rel. Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 6/6/2023, DJe 12/6/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PENAL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Usurpação de matéria-prima pertencente à União. Ausência de destinação comercial do minério explorado. Exploração irregular de recurso mineral (argila). Ausência de licença ambiental ou autorização por parte do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).

Destaque

 

O art. 2º, caput e § 1º, da Lei n. 8.176/1991, ao dispor que configura crime a exploração de matéria-prima pertencente à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações estabelecidas pelo título autorizativo, não faz distinção entre qual modalidade de outorga administrativa deve ser exigida para a configuração do delito.

Informações do Inteiro Teor

 

O art. 2º da Lei n. 8.176/1991, ao dispor que configura crime, na modalidade de usurpação, a exploração de matéria-prima pertencente à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações estabelecidas pelo título autorizativo – incorrendo na mesma pena aquele que, sem autorização legal, adquire, transporta, industrializa, tem consigo, consome e comercializa os produtos ou recursos minerais extraídos indevidamente ou irregularmente -, não faz distinção entre qual modalidade de outorga administrativa deve ser exigida para a configuração de delito.

 

Para a doutrina, os “recursos minerais são substâncias naturais inorgânicas encontradas na crosta terrestre, tais como areia, argila, carvão, basalto e muitos outros produtos que podem ser aproveitados diretamente ou constituírem matérias-primas para a produção de outros bens”, destacando, ainda, o autor, que “a usurpação de recursos minerais, assim considerada a conduta de tomá-la para si, de apropriar-se deles, sem licença ou em desconformidade com a licença concedida, constitui crime contra o patrimônio da União”.

 

No caso, descreveu-se na denúncia a exploração irregular de minério. A equipe de fiscalização do Batalhão de Polícia Ambiental, após notícia-crime, dirigiu-se ao local e “flagrou a extração de recursos minerais (argila), sem licença ambiental, nem qualquer espécie de autorização por parte do DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral)”, fato que teria se dado sob as ordens do primeiro denunciado, e a execução, pelo segundo, não se vislumbrando, assim como demonstrado pelo acórdão recorrido, a manifesta atipicidade da conduta a autorizar a interrupção prematura da persecução penal.

 

Assim, como demonstrado pelo Ministério Público Federal, “fosse o caso de prevalecer a tese do recorrente, então seria o mesmo que considerar atípica toda e qualquer extração irregular de areia, diamantes, carvão, ouro e outros minérios, cujo regime de aproveitamento não trata de autorização, mas de licenciamento ou permissão, o que esvaziaria, por completo, a Lei n. 8.176/91, a qual, repita-se, tutela o patrimônio público, punindo aqueles que produzem bens ou exploram matéria prima pertencente à União sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas por título autorizativo – o que ocorreu na espécie”.

 

Nesse contexto, verifica-se que houve a indicação na exordial de elementos indiciários mínimos acerca de conduta enquadrável no tipo penal imputado, não se verificando, desse modo, a manifesta atipicidade da conduta que determinou o prosseguimento da ação penal.

Informações Adicionais

Legislação

 

Lei n. 8.176/1991, art. 2º, caput e § 1º

Processo

 

REsp 1.097.687-RS, Rel. Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 6/6/2023, DJe 12/6/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Militar. Auxílio invalidez. Portaria n. 931/MD-05. Medida Provisória n. 2.215-10/2001. Inexistência de violação dos princípios da legalidade e da irredutibilidade de vencimentos. Tema n. 465/STF.

Destaque

 

A Portaria n. 931/2005 do Ministério da Defesa, que alterou a fórmula de cálculo do auxílio invalidez para os servidores militares, está em harmonia com os princípios da legalidade e da irredutibilidade de vencimentos.

Informações do Inteiro Teor

 

O STJ entendia que a Portaria n. 931/MD-2005 reduziu o valor do auxílio invalidez devido ao militar reformado, afrontando os princípios da legalidade e da irredutibilidade de vencimentos (citam-se: AgRg no REsp n. 1.145.675/SC, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 4/9/2014; e AgRg no REsp n. 1.098.055/SC, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, DJe 24/4/2013).

 

Contudo, o STF, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 642.890-RG/DF (Tema n. 465/STF), fixou a tese jurídica, segundo a qual, “a Portaria n. 931/2005 do Ministério da Defesa, que alterou a fórmula de cálculo do auxílio invalidez para os servidores militares, está em harmonia com os princípios da legalidade e da irredutibilidade de vencimentos”, conforme a seguinte ementa de acórdão:

 

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO MILITAR REFORMADO. AUXÍLIO-INVALIDEZ. ALTERAÇÃO DA FÓRMULA DE CÁLCULO DE BENEFÍCIO. REVOGAÇÃO DA PORTARIA N. 406 DO MINISTÉRIO DA DEFESA PELA PORTARIA N. 931. PODER-DEVER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO. MEDIDA PROVISÓRIA N. 2.215-10/2001, ART. 29. REESTRUTURAÇÃO DA REMUNERAÇÃO DOS MILITARES DAS FORÇAS ARMADAS. INSTITUIÇÃO DE VANTAGEM PESSOAL NOMINALMENTE IDENTIFICADA COM A FINALIDADE DE ASSEGURAR O PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS. RECURSO PROVIDO. 1. O auxílio-invalidez é o direito pecuniário devido ao militar que se encontra reformado como inválido por incapacidade para o serviço. 2. A Medida Provisória n. 2.215-10, de 31 de agosto de 2001, que dispõe sobre reestruturação de remuneração dos militares das Forças Armadas, ao determinar o valor do auxílio-invalidez em ‘sete cotas e meia de soldo’, deixou de estabelecer limite mínimo não inferior ao soldo de cabo engajado. 3. A Portaria n. 406/2004 do Ministério da Defesa, ao determinar o pagamento de auxílio-invalidez em valor não inferior ao soldo de cabo engajado, observou regra anterior à edição da Medida Provisória n. 2.21510/2001. 4. O poder-dever de autotutela alcança a Administração Pública, que exerce controle sobre seus próprios atos, seja mediante anulação dos ilegais, seja por meio de revogação dos inconvenientes ou inoportunos. 5. A Portaria n. 931/2005 do Ministério da Defesa revogou a de n. 406/2004 e restaurou a disciplina do auxílio-invalidez em sintonia com o previsto na Medida Provisória n. 2.215- 10/2001. 6. Inexiste direito adquirido a regime jurídico. 7. O princípio da irredutibilidade de vencimentos não veda a reestruturação da remuneração do servidor público desde que o valor global dos vencimentos não sofra redução. 8. O art. 29 da Medida Provisória n. 2.215-10/2001 buscou preservar a irredutibilidade de vencimentos por meio da instituição de Vantagem Pessoal Nominalmente Identificável (VPNI) nos casos em que constatada a redução de remuneração, proventos ou pensões decorrente de sua aplicação. 9. Recurso extraordinário provido. 10. Adota-se a seguinte tese de repercussão geral: ‘A Portaria n. 931/2005 do Ministério da Defesa, que alterou a fórmula de cálculo do auxílio-invalidez para os servidores militares, está em harmonia com os princípios da legalidade e da irredutibilidade de vencimentos'”.

Informações Adicionais

Legislação

 

Portaria n. 931/2005 do Ministério da Defesa

 

Medida Provisória n. 2.215-10/2001

Precedentes Qualificados

 

Tema n. 465/STF

Processo

 

HC 663.710-SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 20/6/2023, DJe 27/6/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Reconhecimento de pessoas. Inobservância do procedimento previsto no art. 226 do CPP. Réu que participou do reconhecimento apenas como dublê (filler). Prova inválida e insuficiente para a condenação. Ausência de outras provas idôneas. Absolvição.

Destaque

 

O reconhecimento pessoal do filler – pessoa livre de qualquer suspeita de ter cometido o crime investigado -, que figurou como dublê para preencher o alinhamento exigido pelo art. 226, sem nenhum elemento concreto de corroboração, não é suficiente, por si só, para lastrear a autoria delitiva.

Informações do Inteiro Teor

 

O reconhecimento busca, em última análise, indicar com precisão a pessoa em relação a quem se tem uma suspeita de ser a autora do crime sob investigação.

 

Por ocasião do julgamento do HC 712.781/RJ (Rel. Ministro Rogerio Schietti), a Sexta Turma avançou em relação à compreensão anteriormente externada no HC 598.886/SC e decidiu, à unanimidade, que, mesmo se realizado em conformidade com o modelo legal (art. 226 do CPP), o reconhecimento pessoal, embora seja válido, não tem força probante absoluta, de sorte que não pode induzir, por si só, à certeza da autoria delitiva, em razão de sua fragilidade epistêmica; se, porém, realizado em desacordo com o rito previsto no art. 226 do CPP, o ato é inválido e não pode ser usado nem mesmo de forma suplementar.

 

No caso, chama a atenção que o réu não era sequer suspeito do crime e foi à delegacia apenas para acompanhar seu pai, o qual havia sido preso pelo roubo. Para realizar o procedimento de reconhecimento pessoal do genitor, o acusado concordou, junto com seu irmão em figurar como dublê (filler) para preencher o alinhamento exigido pelo art. 226 do CPP. Um filler, por definição, é uma “pessoa livre de qualquer suspeita de ter cometido o crime investigado, que é apresentada em conjunto com o suspeito em um alinhamento”.

 

Todavia, o ato, que era destinado apenas ao reconhecimento do suspeito já detido, acabou resultando também no reconhecimento do ora acusado, e foi apenas isso, sem nenhuma prova adicional, que levou à sua condenação.

 

Ou seja, não estava ali na condição de suspeito a ser reconhecido, mas, tão somente, de “figurante”. Admitir a condenação dele por esse reconhecimento, sem nenhum elemento de corroboração, implicaria, por consequência, aceitar o absurdo de que, toda vez que algum dublê – por exemplo, um estagiário do fórum ou da delegacia – for reconhecido por engano ao preencher o alinhamento de pessoas – acontecimento corriqueiro na praxe forense -, isso bastaria para a sua condenação.

 

A par da pouca confiabilidade epistêmica de um reconhecimento, isoladamente considerado, para um juízo de condenação, evidencia-se ainda a total ilegalidade do ato, visto que colocado o suspeito, de meia idade, ao lado de seus filhos, muito mais jovens, sem outras pessoas e sem observar que o reconhecimento formal não pode ser feito com o alinhamento de mais de um suspeito por vez. Assim, caso se suspeitasse do envolvimento de todos eles no crime, deveria haver sido feito um alinhamento para cada um.

 

De todo modo, ainda que, por hipótese, se considerasse formalmente válido o ato, não foi apontado nenhum outro elemento concreto que pudesse corroborar tal prova, a qual, por si só, não é suficiente para um decreto condenatório.

 

Cabe salientar que foram aportados aos autos indícios plausíveis que atestariam a alegada inocência suscitada pela defesa. Esses fatores, somados, fragilizam a única prova usada para condenação, e ainda suscitam razoáveis dúvidas quanto à sua alegada participação no delito, de sorte a atrair a incidência do princípio da presunção de inocência – e de um de seus consectários, a regra do in dubio pro reo – ante a carência de um standard probatório mínimo para a condenação.

 

A condenação de alguém, em um processo penal, não pode ser decorrente de mera convicção íntima do juiz, ou mesmo de uma convicção apoiada em prova que, confrontada por evidências contrárias, suscitem razoável dúvida quanto à narrativa acusatória, sob pena de inversão do ônus da prova, que, no âmbito criminal, recai todo sobre a acusação. Na hipótese, houve clara violação à regra de que ninguém pode ser condenado com prova que não supere a dúvida razoável quanto à participação delitiva do acusado.

 

É pertinente ressaltar que não se trata, no caso, de negar a validade integral do depoimento das vítimas; mas sim, de negar validade à condenação baseada em prova frágil e produzida de forma ilegal.

Informações Adicionais

Legislação

 

Código de Processo Penal, art. 226

Processo

 

HC 708.007-RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 18/4/2023, DJe 26/4/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Audiência de instrução. Representante do Ministério Público ausente. Inquirição de testemunhas. Protagonismo da Magistrada processante. Desrespeito ao art. 212, parágrafo único, do CPP. Condenação amparada nas provas testemunhais colhidas sem a observância da forma legal. Prejuízo demonstrado. Arguição oportuna. Ausência de preclusão.

Destaque

 

A ausência de membro do Ministério Público em audiência de instrução somado (I) ao protagonismo exercido por magistrado ao inquirir testemunhas; (II) à demonstração do efetivo prejuízo suportado pela ré, em desrespeito ao disposto no art. 212, parágrafo único, do CPP; e (III) à ausência de preclusão em razão da arguição da matéria em momento oportuno, enseja anulação do processo desde aquele ato de instrução.

Informações do Inteiro Teor

 

No caso, consta no termo de audiência que o membro do Ministério Público não esteve presente na audiência de instrução e, mesmo sob protestos da defesa, a Magistrada processante prosseguiu com o ato, inquirindo todas as testemunhas arroladas na denúncia.

 

É bem verdade que a legislação infraconstitucional confere poderes instrutórios ao Juiz. O art. 209, caput e § 1º, do Código de Processo Penal, por exemplo, preceitua que, quando necessário, o Juiz pode ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes, facultando, ainda, a oitiva de testemunhas referidas.

 

No entanto, o exercício de tais poderes deve ocorrer de forma residual, a fim de não substituir os sujeitos processuais a quem primeiro recai o ônus probatório.

 

É, justamente, afinada com esse juízo de complementaridade da atuação do Magistrado quanto à produção probatória que a atual redação do art. 212, parágrafo único, do Código de Processo Penal preleciona que “Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição”.

 

Como se vê, a lei não exclui o julgador do procedimento de inquirição de testemunhas, porém lhe interdita a possibilidade de atuar como protagonista do ato, em completa substituição das partes.

 

A consolidada orientação jurisprudencial dispõe que “tanto nos casos de nulidade relativa quanto nos casos de nulidade absoluta, o reconhecimento de vício que enseje a anulação de ato processual exige a efetiva demonstração de prejuízo ao acusado ” (AgRg no HC 711.657/RJ, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 14/3/2023, DJe 23/3/2023).

 

No caso, a defesa, de fato, se desincumbiu do ônus de demonstrar o prejuízo sofrido, tendo em vista que o decreto condenatório foi lastreado justamente no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência de instrução sem a presença do Parquet – inquirição que foi conduzida, de forma protagonista, pela Magistrada da causa, em substituição à atividade típica das partes.

 

Ademais, a matéria foi arguida oportunamente, isto é, a Defesa manifestou seu inconformismo durante a própria audiência e, ainda, renovou a questão em alegações finais e em preliminar de apelação, razão pela qual não há se falar em preclusão.

 

Portanto, considerando-se o desrespeito à forma legal e, concomitantemente, a demonstração do efetivo prejuízo suportado pela ré e a ausência de preclusão da matéria arguida oportunamente, de rigor a anulação do processo-crime desde a audiência de instrução, a fim de que seja refeito o ato, desta feita, com a observância das formalidades legais.

Informações Adicionais

Legislação

 

Código de Processo Penal (CPP), arts. 209, caput, § 1º, e 212

Processo

 

RMS 69.837-SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 6/6/2023, DJe 12/6/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Multa por abandono da causa. Art. 265 do CPP. Comunicação de renúncia pelo advogado dativo. Termos do convênio entre OAB/SP e Defensoria Pública de São Paulo. Renúncia indeferida. Direito líquido e certo à renúncia. Multa afastada.

Destaque

 

Os termos do convênio firmado entre Defensoria e Ordem dos Advogados não repercutem na responsabilidade processual do advogado, que se satisfaz com a comunicação tempestiva da renúncia ao múnus público, fundamentada em justo motivo.

Informações do Inteiro Teor

 

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite a constitucionalidade da imposição da multa do art. 265 do Código de Processo Penal em caso de abandono injustificado do processo, não havendo óbice a sua imposição.

 

No caso, verifica-se que o causídico atuou com a devida cautela, comunicando a renúncia ao caso com antecedência, a qual foi indeferida com fundamento em cláusula do acordo firmado entre a OAB/SP e a Defensoria Pública, sobrevindo a imposição de multa em razão da ausência de defesa técnica na audiência.

 

Os termos do convênio firmado entre Defensoria e Ordem dos Advogados não repercutem na responsabilidade processual do advogado, que se satisfaz com a comunicação tempestiva da renúncia ao múnus público. Assim, a obrigação de permanecer funcionando nos processos até o trânsito em julgado encontra limite legal no justo motivo (art. 34, XII, da Lei n. 9.806/1994).

 

No caso, o contrato de trabalho posteriormente firmado, que exige exclusividade na atuação, constitui justo motivo para a renúncia, ainda mais quando há convênio firmado entre OAB e Defensoria Pública e, provavelmente, outros profissionais disponíveis para assumir a defesa. Seria diferente numa comarca sem Defensoria Pública instalada, sem convênio vigente, na qual a renúncia acarretasse prejuízo irreversível para a defesa técnica.

 

Desrespeito às cláusulas do convênio, deverão experimentar as consequências previstas no instrumento, entre as suas partes, nos seus termos. Para fins processuais, cumpria ao defensor dativo comunicar tempestivamente a renúncia e demonstrar o justo motivo.

 

Por fim, tratando-se de defensor dativo, nomeado pelo Juízo, é desnecessária a exigência de comunicação prévia aos representados (art. 112 do CPC), haja vista a ausência de instrumento de procuração. O defensor dativo assume o múnus público por meio de nomeação do órgão judicial, sendo a comunicação prévia decorrência do contrato firmado, o que não se aplica ao caso.

Informações Adicionais

Legislação

 

Código de Processo Penal, art. 265

 

Código de Processo Civil, art. 112

 

Lei n. 9.806/1994, art. 34, XII

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