Indeferido pedido de tutela inibitória contra microempresa com prática em lides simuladas

Para receber valores de rescisão, empregados dispensados precisavam propor ação judicial

A Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou recurso do Ministério Público do Trabalho (MPT) pedindo tutela inibitória para obrigar a microempresa Design Coberturas Personalizadas Ltda., de Salvador (BA), a se abster de praticar lides simuladas. Nessa estratégia, a empresa induz trabalhadores dispensados a simular existência de conflito (lide) e propor ação judicial como condição para o recebimento dos valores da rescisão.

Mantendo o indeferimento das instâncias anteriores sobre a tutela inibitória, um tipo de tutela jurisdicional com caráter preventivo e que visa impedir a prática de ilícito (inclusive com aplicação de multas), a decisão da Quinta Turma considerou que, devido às inovações legais trazidas com a Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), as lides simuladas deixaram de ser necessárias, porque agora há previsão de ações judiciais de homologação de transação extrajudicial.

Ação de 2014

A ação civil pública foi proposta pelo Ministério Público do Trabalho da 5ª Região (BA) em 2014, após inquérito ter constatado que de 20 ações contra a empresa 19 eram objeto de acordo na audiência inaugural, mesmo quando não havia registro na carteira de trabalho do empregado. Na petição consta que a prática de “condicionar” o trabalhador a receber apenas no Judiciário era tão arraigada na empresa que há reclamações “em bloco”, ajuizadas no mesmo dia.

Além de danos morais coletivos, o MPT pediu que a empregadora fosse obrigada, por meio da tutela inibitória, a não orientar, estimular ou induzir trabalhadores dispensados ou demitidos a simular a existência de lide e propor ação judicial como condição para o recebimento de seus haveres rescisórios ou quaisquer outras finalidades.

Prática reiterada

O Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (BA) condenou a empregadora a pagar R$ 20 mil de indenização por danos morais coletivos, por ter sido amplamente comprovada a prática reiterada de lides simuladas por parte da empresa, que não compareceu à audiência inaugural e foi julgada à revelia, com consequente presunção de veracidade dos fatos narrados na inicial.

No entanto, o TRT manteve sentença indeferindo a concessão de tutela inibitória, entendendo que não haveria efeito prático na obtenção de condenação impondo à empresa “o mero cumprimento da legislação trabalhista”. O Ministério Público recorreu contra a decisão, destacando ser cabível a tutela inibitória “para a prevenção, para o futuro, para inibir a repetição do ilícito”.

Tutela justificada

O relator do recurso de revista na Quinta Turma, ministro Douglas Alencar Rodrigues, assinalou que o TST tem entendido que, constatadas infrações trabalhistas, a tutela pleiteada está justificada, de modo a inibir a repetição desses comportamentos faltosos, garantindo a efetividade da decisão judicial. Mas o Tribunal Regional, conforme observou o ministro, apesar de reconhecer a estratégia das lides simuladas, considerou desnecessária a imposição das obrigações de fazer e não fazer postuladas pelo MPT, pois apenas reafirmariam o que já existe na legislação. Ao decidir dessa forma, foi esvaziada por completo, segundo ele, a possibilidade de reforço ao sistema de proteção de direitos sociais fundamentais, por meio das tutelas inibitórias.

“Omissão legal”

Para o relator, a estratégia de lides simuladas, “adotada até recentemente no âmbito desta Justiça do Trabalho, buscava, em última análise, conferir segurança jurídica ao ato de acerto final de contratos de trabalho, o que não era alcançado nem mesmo com a participação das entidades sindicais”. Destacou, ainda, que a prática de lides simuladas, “certamente contrária ao direito, resultava de um cenário de omissão legal, pois não havia previsão legal para a celebração do ‘distrato’ nas relações de trabalho”.

Ele pontuou que, antes da Lei 13.467/2017, a adoção das lides simuladas poderia implicar, “de um lado, a supressão de debate judicial futuro em torno de direitos trabalhistas não considerados na quitação final realizada, prejudicando direitos dos trabalhadores, mas também poderia motivar, por outro, a propositura de reclamações frívolas e manifestamente improcedentes, considerada a ausência de riscos em caso de sucumbência”.

Homologação de transação extrajudicial

Na avaliação do ministro Douglas, com a Reforma Trabalhista, “as lides simuladas deixaram de ser necessárias  com base na nova  realidade normativa”. Ressaltou que a Lei 13.467/2017 revogou a participação sindical no instante de dissolução dos contratos de trabalho e trouxe a previsão das ações judiciais de homologação de transação extrajudicial (CLT, artigos 855-B a 855-E).

Fundamentos distintos

Diante dessas inovações legais, concluiu, “embora por fundamentos distintos daqueles acolhidos pelo Tribunal Regional”, pelo não conhecimento do recurso de revista do MPT, sendo acompanhado por unanimidade pelos outros ministros.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI 13.015/2014. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA INIBITÓRIA. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. PREVENÇÃO DO ATO ILÍCITO. LIDES SIMULADAS. 1. Hipótese em que o Ministério Público do Trabalho propôs ação civil pública, no ano de 2014, para que a ré seja compelida ao cumprimento das seguintes obrigações: a) observar a previsão legal de submissão das rescisões contratuais à homologação sindical ou ministerial, pagando os valores a tempo e modo, na forma do art. 477 da CLT e §§ da CLT; b) não orientar, estimular ou induzir trabalhadores dispensados ou demitidos a simular a existência de lide e propor ação judicial como condição para o recebimento de seus haveres rescisórios ou quaisquer outras finalidades. 2. A tutela jurisdicional de natureza inibitória destina-se a prevenir a violação de direitos individuais e coletivos ou a reiteração dessa violação, evitando a prática, a repetição ou a continuação de ato ilícito, mediante a concessão da tutela específica da obrigação ou de providências que assegurem o resultado prático equivalente ao adimplemento, que se traduz numa imposição de um fazer, não fazer ou entregar coisa, por meio de coerção direta ou indireta. 3. Esta Corte Superior tem entendido que, uma vez que foram constatadas infrações trabalhistas, justifica-se a tutela pleiteada, de modo a inibir a repetição desses comportamentos faltosos, garantindo-se a efetividade da decisão judicial. De fato, entende-se que, ainda que constatada a posterior regularização da situação que ensejou o pedido de tutela inibitória, justifica-se o provimento jurisdicional com o intuito de prevenir o eventual descumprimento de decisão judicial reparatória e a repetição da prática de ofensa a direito material. 4. No caso presente, o Tribunal Regional deu parcial provimento ao recurso ordinário do Ministério Público do Trabalho, para condenar a Ré ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, porquanto ” Restou amplamente comprovada a prática reiterada de lides simuladas por parte da empresa recorrida a qual sequer compareceu à audiência inaugural (Id. 7Db571e) para refutar os fundamentos do pedido, incorrendo em revelia e consequente presunção de veracidade dos fatos narrados na inicial. ” Contudo, a Corte a quo manteve a sentença de origem, em que indeferida a concessão de tutela inibitória, por entender que ” Não se vislumbra, contudo, nenhum efeito prático na obtenção de condenação que imponha à demandada o mero cumprimento da legislação trabalhista. O cumprimento da lei é dever ínsito no próprio texto legal, de modo que não se justifica o manejo do processo judicial para obrigar, em tese, a obediência à legislação vigente, providência inteiramente despicienda.5. Ainda que a estratégia das lides simuladas tenha sido reconhecida, a Corte Regional considerou desnecessária a imposição das obrigações de fazer e não fazer postuladas, pois apenas reafirmariam o que já se contém na legislação. Ao assim decidir, esvaziou-se por completo a possibilidade de reforço ao sistema de proteção de direitos sociais fundamentais, por meio das tutelas inibitórias, cujos pressupostos envolvem a efetiva presença de elementos de fato que denotem a transgressão ou o risco de ofensa a regras legais. A prática de lides simuladas, adotada até recentemente no âmbito desta Justiça do Trabalho, buscava, em última análise, conferir segurança jurídica ao ato de acertamento final de contratos de trabalho, o que não era alcançado nem mesmo com a participação das entidades sindicais (CLT, art.477 e §§). A prática, certamente contrária ao direito, resultava de um cenário de omissão legal, pois não havia previsão legal para a celebração do “distrato” nas relações de trabalho. No cenário anterior ao advento da Lei 13.467/2017, a adoção das lides simuladas combatidas nesta ação civil pública poderia implicar, de um lado, a supressão de debate judicial futuro em torno de direitos trabalhistas não considerados na quitação final realizada, prejudicando direitos dos trabalhadores, mas também poderia ensejar, por outro, a propositura de reclamações frívolas e manifestamente improcedentes, considerada a ausência de riscos em caso de eventual sucumbência. A Lei 13.467/2017, a par de revogar a previsão da participação sindical no instante de dissolução dos contratos de trabalho (art. 477, §1º, da CLT), trouxe a previsão das ações judiciais de homologação de transação extrajudicial (CLT, arts. 855-B a 855-E). Diante das inovações legais citadas, embora por fundamentos distintos daqueles acolhidos pelo Tribunal Regional, não conheço do recurso de revista. Recurso de revista não conhecido.

Processo: RR – 554-76.2014.5.05.0034 

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