A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso especial de uma empresa importadora e vendedora de berços que foi condenada a pagar indenização pela morte de um bebê de seis meses. Segundo o processo, a respiração da criança foi bloqueada após sua cabeça ficar presa no vão entre o colchão e o forro lateral do berço, o que provocou a morte por asfixia.
O colegiado reconheceu a responsabilidade civil da empresa, nos termos do artigo 12 do Código de Defesa ao Consumidor (CDC), caracterizada pela falha no dever de informar o comprador quanto à utilização adequada do produto. De acordo com o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) – que manteve a indenização por danos morais de R$ 100 mil para cada um dos três membros da família que ajuizaram a ação –, o manual de instruções do berço não trazia qualquer informação, à época do acidente, sobre o risco de asfixia do bebê no caso de uso inadequado do colchão.
Ao STJ, a empresa alegou a inexistência de responsabilidade civil de sua parte, pois o produto estaria dentro das regras técnicas, tendo, inclusive, o selo de aprovação do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). Ainda segundo a recorrente, os familiares não apresentaram o colchão utilizado no berço no momento do acidente, de forma que não foi possível verificar se o item estava em conformidade com as orientações técnicas.
Após o acidente, fabricante alterou significativamente a estrutura do berço
O relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, destacou que, apesar de o produto ter obtido a certificação do Inmetro, verificou-se, logo após o acidente, que o modelo de berço comercializado representava risco aos usuários, especialmente em razão das informações insuficientes que acompanhavam o produto.
O ministro ressaltou que, conforme registrado pelo TJSP, a fatalidade ocorrida com o bebê levou o fabricante a fazer um recall dos berços e, posteriormente, a alterá-los de maneira significativa, aumentando a segurança para evitar novos acidentes.
Com base nas informações dos autos, Bellizze apontou que, embora o laudo pericial tenha considerado suficientes as informações sobre o colchão que eram apresentadas no manual, “na visão do homem médio” o documento continha especificações capazes de gerar confusão, por exigir “operações aritméticas para encontrar as medidas exatas do colchão adequado, agravando, assim, o risco na utilização do produto”.
“Tem-se, assim, através da análise do conjunto fático-probatório delineado pelas instâncias ordinárias, que a ora recorrente não atendeu a contento o dever de informar adequadamente os consumidores sobre as medidas exatas do colchão a ser utilizado no berço, nem mesmo alertando sobre o risco grave oriundo da inobservância de tais especificações”, afirmou.
Para Inmetro, acidente poderia ocorrer independentemente do colchão utilizado
Bellizze destacou ainda que, de acordo com a análise das instâncias ordinárias, a falta de exame do colchão utilizado no momento do acidente não teve influência na responsabilização da importadora, tendo em vista que o próprio Inmetro constatou a possibilidade de alojamento da cabeça do bebê por causa do afrouxamento dos tecidos do berço – ou seja, para a Justiça paulista, mesmo estando o colchão em conformidade com a especificação exigida no manual, existia a possibilidade de acidentes como o ocorrido.
“Portanto, estando comprovados os defeitos de informação e de concepção do produto colocado em circulação no mercado consumidor brasileiro pela recorrente, que acarretou a morte da filha e irmã dos recorridos, de rigor é o reconhecimento da responsabilidade da recorrente pelo fato do produto e, assim, da obrigação de reparação civil”, concluiu o ministro.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. FATO DO PRODUTO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO FORNECEDOR. DEFEITO DE INFORMAÇÃO E DE CONCEPÇÃO. CAUSA DO ACIDENTE FATAL QUE VITIMOU A FILHA E IRMÃ DOS RECORRIDOS. OBRIGAÇÃO DE REPARAÇÃO CIVIL QUE SE IMPÕE A TÍTULO DE DANOS MORAIS. MONTANTE INDENIZATÓRIO PROPORCIONAL E RAZOÁVEL. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. DATA DA CITAÇÃO. SÚMULA 83/STJ. CORREÇÃO MONETÁRIA. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E DESPROVIDO.
1. O propósito recursal consiste em aferir: i) a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional; ii) a responsabilidade civil da recorrente por fato do produto que tenha acarretado a morte da filha e irmã dos autores/recorridos; iii) a adequação do montante indenizatório; e iv) o termo inicial dos juros de mora e da correção monetária.
2. Verifica-se que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução da lide, de forma fundamentada, não havendo falar em negativa de prestação jurisdicional.
3. A responsabilidade civil do fornecedor por fato do produto prevista no art. 12 do CDC é objetiva, caracterizando-se quando a falha no dever de informação ao consumidor, quanto à adequada utilização do produto, e a falha na concepção (projeto de fabricação) do produto acarretarem-lhe risco ou dano à sua saúde, à integridade física ou psíquica ou à vida, desde que não comprovada a ocorrência de nenhuma causa de exclusão prevista no § 3º do art. 12 do CDC.
4. A adequação do produto com as normas técnicas vigentes à época do evento danoso e a aprovação antecedente pelo INMETRO não afastam a responsabilidade do fornecedor, pois, considerando a natureza de ordem pública e de interesse social das normas dispostas no diploma consumerista (art. 1º do CDC), estas (normas consumeristas) devem ser atendidas com primazia sobre aquelas (normas técnicas), sobretudo à luz do art. 8º do CDC, segundo o qual “os produtos e serviços colocados no mercado não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores”.
5. Na hipótese em julgamento, estando comprovados os defeitos de informação e de concepção do berço colocado em circulação no mercado consumidor brasileiro pela recorrente, que acarretou a morte da filha e irmã dos recorridos, de rigor é o reconhecimento da responsabilidade dessa importadora pelo fato do produto e, assim, da obrigação de reparação civil, conforme acertadamente concluíram as instâncias ordinárias, com fulcro no art. 12 do CDC, não se vislumbrando, por outro lado, a ocorrência de nenhuma das hipóteses excludentes de responsabilidade da recorrente/fornecedora previstas no art. 12, § 3º, do CDC, sobretudo à luz dos respectivos incisos I e II.
6. O montante indenizatório arbitrado nas instâncias ordinárias – em razão da morte da filha e irmã dos autores/recorridos causada por defeito no produto importado e comercializado pela ré/recorrente – não se apresenta exorbitante, tendo sido observados os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade de acordo com as particularidades do caso vertente.
7. O termo inicial dos juros de mora incidentes sobre o valor condenatório de danos morais decorrente do inadimplemento contratual (fato do produto) é a data da citação, consoante o disposto no art. 405 do CC. Precedentes. Súmula 83/STJ.
8. A análise do termo inicial da correção monetária está prejudicada em virtude da ausência de interesse recursal, dada a confluência entre a pretensão ora deduzida pela parte recorrente com o teor decisório das instâncias ordinárias.
9. Recurso especial conhecido e desprovido.
Leia o acórdão no REsp 2.033.737.