A CLT exige a autorização no caso de atividade insalubre.
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho considerou inválida a norma coletiva que implantou o regime de 12h de trabalho por 36h de descanso em atividade insalubre no Hospital Dermatológico de Cruzeiro do Sul, em Rio Branco (AC). A prorrogação da jornada ordinária de 8h em ambiente insalubre necessita da autorização de autoridade específica nos termos da CLT, o que não ocorreu no caso do hospital.
Com o entendimento de ser impossível flexibilizar norma de saúde e segurança por meio de convenção ou acordo coletivo de trabalho, a Turma condenou a M.M. Comércio e Serviços Ltda., contratada pelo hospital, a pagar horas extras a partir da oitava diária à auxiliar de limpeza que apresentou a ação judicial.
Jornada 12×36 e insalubridade
Durante todo o contrato de emprego, a auxiliar prestava serviço das 7 às 19h no regime de 12hx36h. Na Justiça, ela requereu o direito de receber adicional de insalubridade e pediu a invalidade da jornada.
O juízo de primeiro grau indeferiu os pedidos, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região (RO-AC) reformou parte da decisão. Para o TRT, o adicional de insalubridade é devido em razão do contato com agentes biológicos durante a limpeza, nos termos do Anexo 14 da Norma Regulamentadora 15 do Ministério do Trabalho. Por outro lado, validou o regime 12×36, pois ele consta de acordo coletivo assinado pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Limpeza do Estado do Acre.
Autorização
De acordo com o relator do recurso de revista da empregada, ministro Mauricio Godinho Delgado, o TST considera válida a jornada 12×36 prevista em lei ou convenção e acordo coletivo de trabalho (Súmula 444). No entanto, nas atividades insalubres, a prorrogação de jornada só é permitida se houver licença prévia de autoridade em matéria de saúde e higiene do trabalho (artigo 60 da CLT). “Mesmo que haja norma coletiva, é imprescindível a observância da obrigação de ter inspeção e permissão da autoridade competente”, afirmou o ministro, ao destacar que o Hospital Cruzeiro do Sul não teve essa autorização.
Limite da norma coletiva
O relator esclareceu que a negociação coletiva não tem poderes para eliminar ou restringir direito trabalhista imperativo e expresso na legislação, salvo se houver previsão específica na própria lei. “Em se tratando de regra que fixa vantagem relacionada à redução dos riscos e dos malefícios no ambiente do trabalho, a Constituição proíbe enfaticamente o surgimento de norma negociada menos favorável ao empregado”, destacou.
Em coerência com essa diretriz, o relator lembrou que o Tribunal Pleno do TST cancelou a Súmula 349 e a Orientação Jurisprudencial Transitória 4 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) e modificou a Súmula 364, que flexibilizavam a legislação na área de saúde e segurança do trabalho.
O recurso ficou assim ementado:
A) AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMADO – ESTADO DO ACRE . RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . TERCEIRIZAÇÃO TRABALHISTA. ENTIDADES ESTATAIS. ENTENDIMENTO FIXADO PELO STF NA ADC Nº 16-DF. SÚMULA 331, V, DO TST. ART. 71, § 1º, DA LEI 8.666/93. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. JURISPRUDÊNCIA VINCULANTE DO STF. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE CONDUTA CULPOSA NO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES DA LEI 8.666/93, NÃO EXPLICITADA NO ACÓRDÃO REGIONAL . DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA NO TOCANTE À AUSÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO. ENCARGO DO TRABALHADOR, SEGUNDO INTERPRETAÇÃO DESTA TERCEIRA TURMA À JURISPRUDÊNCIA DO STF. RESSALVA DO RELATOR. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da arguição de violação do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93, suscitada no recurso de revista. Agravo de instrumento provido.
B) RECURSO DE REVISTA. DO RECLAMADO – ESTADO DO ACRE . PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . TERCEIRIZAÇÃO TRABALHISTA. ENTIDADES ESTATAIS. ENTENDIMENTO FIXADO PELO STF NA ADC Nº 16-DF. SÚMULA 331, V, DO TST. ART. 71, § 1º, DA LEI 8.666/93. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. JURISPRUDÊNCIA VINCULANTE DO STF. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE CONDUTA CULPOSA NO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES DA LEI 8.666/93, NÃO EXPLICITADA NO ACÓRDÃO REGIONAL . DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA NO TOCANTE À AUSÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO. ENCARGO DO TRABALHADOR, SEGUNDO INTERPRETAÇÃO DESTA TERCEIRA TURMA À JURISPRUDÊNCIA DO STF. RESSALVA DO RELATOR. Em observância ao entendimento fixado pelo STF na ADC nº 16-DF, passou a prevalecer a tese de que a responsabilidade subsidiária dos entes integrantes da Administração Pública direta e indireta não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada, mas apenas quando explicitada no acórdão regional a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei 8.666, de 21.6.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. E o STF, ao julgar, com repercussão geral reconhecida, o RE nº 760.931, confirmou a tese já explicitada na anterior ADC nº 16-DF, no sentido de que a responsabilidade da Administração Pública não pode ser automática, cabendo a sua condenação apenas se houver prova inequívoca de sua conduta omissiva ou comissiva na fiscalização dos contratos. No caso concreto , o TRT de origem manteve a condenação subsidiária por mera inadimplência quanto às verbas trabalhistas e por imputar à entidade estatal o ônus de provar o cumprimento dos contratos firmados com a empresa terceirizada quanto às verbas trabalhistas e previdenciárias devidas ao trabalhador terceirizado. Tal tese, contudo , foi superada pela interpretação dada à matéria pela maioria desta douta Terceira Turma, que realiza a seguinte interpretação da decisão do STF, no tocante à distribuição do encargo probatório : afirmando o TRT que o ônus da prova é da entidade estatal tomadora de serviços, não há como se manter a responsabilidade dessa entidade, uma vez que não se aplica, excepcionalmente, a tais processos, a teoria da inversão do ônus da prova e nem os preceitos da legislação processual civil e da lei de proteção ao consumidor (art. 6º, VIII, da Lei 8.079/90). Feita a ressalva de entendimento do Ministro Relator, que entende que não contraria a ADC nº 16 a inversão do ônus probatório, com encargo do empregador quanto à comprovação da fiscalização dos contratos, confere-se efetividade à jurisprudência que se tornou dominante nesta 3ª Turma, inspirada por decisões do STF, inclusive em reclamações constitucionais, afastando-se a responsabilidade subsidiária da entidade estatal tomadora de serviços. Recurso de revista conhecido e provido.
C) AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMANTE . RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.014/15 E ANTERIOR À LEI 13.467/17 . JORNADA DE TRABALHO 12X36. ATIVIDADE INSALUBRE. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SETORIAL NEGOCIADA. REDUÇÃO DOS RISCOS INERENTES À SEGURANÇA E À SÁUDE DO TRABALHADOR. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ARTS. 1º, III, 7º, VI, XIII, XIV, XXII, 170, “CAPUT” e 225. CONVENÇÃO 155 DA OIT. DIREITO REVESTIDO DE INDISPONIBILIDADE ABSOLUTA. IMPOSSIBILIDADE DE FLEXIBILIZAÇÃO. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da arguição de violação do art. 60 da CLT, suscitada no recurso de revista. Agravo de instrumento provido.
D) RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE . PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.014/15 E ANTERIOR À LEI 13.467/17 . JORNADA DE TRABALHO 12X36. ATIVIDADE INSALUBRE. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SETORIAL NEGOCIADA. REDUÇÃO DOS RISCOS INERENTES À SEGURANÇA E À SÁUDE DO TRABALHADOR. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ARTS. 1º, III, 7º, VI, XIII, XIV, XXII, 170, “CAPUT” e 225. CONVENÇÃO 155 DA OIT. DIREITO REVESTIDO DE INDISPONIBILIDADE ABSOLUTA. IMPOSSIBILIDADE DE FLEXIBILIZAÇÃO. A Constituição Federal estipulou, como direito dos trabalhadores, a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Essa, inclusive, é a orientação que se extrai da Convenção nº 155 da OIT, ratificada pelo Brasil em 18.05.1992, que expressamente estabelece a adoção de medidas relativas à segurança, à higiene e ao meio ambiente do trabalho. No caso de atividades insalubres, para regularidade da prorrogação da jornada, é necessário que seja dada licença prévia de autoridade competente em matéria de higiene e saúde (art. 60 da CLT). Nesse contexto, mesmo que haja norma coletiva autorizando a jornada de 12×36 em atividade insalubre, é imprescindível a observância da obrigação de haver inspeção e permissão das autoridades competentes, na forma do citado art. 60 da CLT. Isso porque a negociação coletiva trabalhista não tem poderes para eliminar ou restringir direito trabalhista imperativo e expressamente fixado por regra legal, salvo havendo específica autorização da ordem jurídica estatal. Em se tratando de regra fixadora de vantagem relacionada à redução dos riscos e malefícios no ambiente do trabalho, de modo direto e indireto, é enfática a proibição da Constituição ao surgimento da regra negociada menos favorável (art. 7º, XXII, CF). Em coerência com essa nova diretriz, o Tribunal Pleno do TST cancelou a Súmula 349/TST, cancelando também outros verbetes que flexibilizavam a legislação na área de saúde e segurança laborais (item II da Súmula 364 e OJ Transitória 4 da SDI-1 do TST). Desse modo, não há como prevalecer cláusula que estabelece a prorrogação da duração do trabalho e faculta compensação de jornada nas atividades insalubres independentemente de licença prévia das autoridades competentes em matéria de higiene do trabalho. Recurso de revista conhecido e provido.
Por unanimidade, a Terceira Turma acompanhou o relator para condenar o hospital ao pagamento de horas extras.
Processo: RR-599-78.2016.5.14.0416