Um médico e empresário residente nos Estados Unidos da América, que teve o passaporte apreendido devido a dívida trabalhista no Brasil, terá que oferecer garantia executiva de saldar o passivo para reaver o documento, seja depositando a quantia correspondente, apresentando seguro judicial ou nomeando bens à penhora. A decisão é da Subseção de Dissídios Individuais II do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (SDI II/TRT-5), por unanimidade, no julgamento de um Habeas Corpus (0000026-32.2023.5.05.0000) impetrado pelo profissional de saúde. O colegiado entendeu que o médico tem condições econômicas de saldar o passivo trabalhista.
O reclamado, paciente no processo de habeas corpus, foi sócio do Instituto de Cardiologia do Nordeste da Bahia Ltda. e possui, em decorrência dessa relação, uma dívida trabalhista estimada em R$1.681.580,83. Após o esgotamento das tentativas de execução contra a empresa e depois contra os donos, os juízes das 1ª e 3ª Varas do Trabalho de Feira de Santana determinaram a apreensão do passaporte do reclamado.
Segundo informações do próprio médico, no Habeas Corpus impetrado em seu favor, em fevereiro de 2011 ele recebeu convite para trabalhar como no Texas, e desde aquele ano reside de forma definitiva nos EUA, tendo se naturalizado norte-americano. No fim de 2022 veio ao Brasil e, em janeiro de 2023, quando retornava à sua residência, a Polícia Federal lhe informou, no aeroporto de Guarulhos (SP), que ele não poderia viajar. Ainda conforme relatou, possui problema grave de saúde e não dispõe de seguro-viagem que lhe permita ter, no Brasil, acesso ao tratamento que já realizava nos Estados Unidos, com plano de saúde americano. Alegou ainda violação a liberdades individuais de locomoção e de exercício profissional.
O desembargador Esequias Pereira de Oliveira, relator do processo de Habeas Corpus, registrou, no seu voto, que o reclamado foi citado por edital nos processos trabalhistas justamente porque era desconhecido o seu domicílio, sendo determinada a apreensão do seu passaporte quando regressasse ao Brasil. Ainda segundo o magistrado, embora dispusesse de procurador nomeado no Brasil, o médico negligenciou o acompanhamento dos atos processuais, permitindo-se notificar por edital. Além disso, documentos apresentados na ação de Habeas Corpus indicam que ele tem qualidade de vida elevada nos EUA e é capaz de honrar as dívidas contraídas no Brasil.
O relator citou também que, de acordo com investigação patrimonial feita pelo TRT-5, o paciente, ciente da existência de dezenas de reclamações e execuções em curso contra ele, transferiu ou desfez-se de todo o patrimônio antes de alterar o seu domicílio para outro país. As suas declarações de rendimentos exibem significativa variação nos anos antecedentes à mudança de domicílio, com redução patrimonial de R$2.837.824,03, em 2009, para R$92.600,00 em 2014, na sua última declaração à Receita Federal.
O magistrado citou jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho que fixa que, se o executado não possui bens para saldar a execução, a utilização das medidas atípicas contra ele passa a ter caráter apenas punitivo, e não alcança a sua finalidade de satisfazer o crédito. É preciso, portanto, haver provas ou indícios de que o devedor tem patrimônio para quitar a dívida, mas maliciosamente oculta e blinda os seus bens. Por outro lado, o artigo 139 do Código de Processo Civil autoriza a adoção de medidas restritivas de direitos atípicas, que contribuem para a efetividade do processo judicial e, no presente caso, há consonância com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, visto que o paciente porta condições econômicas para saldar a dívida.
Assim, a apreensão do passaporte não traduz ilegalidade ou abuso de poder, “ainda que da petição inicial se depreendam fatos novos e relevantes que justifiquem, por ora, a sua mitigação, em consideração a especificidades da condição de saúde do Paciente”. O desembargador ressalta, porém, que não há um tratamento em curso, ou a ser iniciado em caráter de urgência.
Em conformidade com o parecer oferecido pelo Ministério Público do Trabalho, o relator entendeu por condicionar a devolução do passaporte à apresentação de garantia executiva. Isso asseguraria a plena liberdade de locomoção, sem prejuízo da satisfação do crédito trabalhista.
Recurso e decisão do STF
O reclamado ainda pode recorrer contra a decisão da SDI II. No entanto, o entendimento da Subseção está em conformidade com recentíssima decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que cassou decisão que havia determinado a devolução de passaportes de empresários condenados a pagar dívida trabalhista de quase R$ 30 mil. Segundo o ministro Alexandre de Moraes, o novo Código de Processo Civil ampliou as hipóteses para a adoção de medidas coercitivas para solucionar a demora no cumprimento das decisões judiciais. “É o contexto fático que vai nortear o julgador na escolha na medida mais adequada e apta a incentivar o cumprimento da obrigação pelo devedor”, ressaltou o magistrado, frisando que no caso analisado foi reconhecida fraude à execução.
Habeas Corpus 0000026-32.2023.5.05.0000