Empresa não tem legitimidade para ajuizar ação rescisória no lugar de outra pessoa jurídica do mesmo grupo

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o Bradesco, mesmo tendo sido indevidamente indicado para responder ao cumprimento de sentença, não tem legitimidade para ajuizar ação rescisória que visa anular uma condenação imposta ao Banco do Estado do Ceará (BEC).

O colegiado considerou que quem sucedeu o BEC nos direitos e nas obrigações foi Alvorada Cartões, Crédito, Financiamento e Investimento S.A. – empresa do mesmo grupo do Bradesco –, que incorporou o banco cearense na sua privatização, em 2006. Para o órgão julgador, fazer parte do mesmo conglomerado econômico não confere legitimidade ativa para que uma empresa proponha ação no lugar de pessoa jurídica distinta.

O recurso analisado pela turma foi interposto contra a decisão do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) que julgou procedente a ação rescisória ajuizada pelo Bradesco, entendendo que a instituição teria legitimidade ativa por ter sido indicada no pedido de cumprimento da sentença rescindenda, prolatada contra o BEC. De acordo com a corte local, o Bradesco é o sucessor do BEC.

Mesmo executado, Bradesco não tem legitimidade para a rescisória

O relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, explicou que o legitimado para a propositura da ação rescisória, nos termos do artigo 967, inciso I, do Código de Processo Civil, seria o próprio BEC ou o seu sucessor. E, conforme um documento do Banco Central anexado ao processo, o BEC foi incorporado por Alvorada, que sucedeu a instituição estatal em todos os direitos e obrigações.

Segundo o ministro, a versão de que o Bradesco seria o sucessor foi sustentada pelo relator do caso no TJCE com base em um único julgado daquela corte. Embora outros desembargadores tivessem adotado posição diversa sobre esse ponto, a maioria reconheceu a legitimidade do Bradesco por ter sido ele o indicado no cumprimento de sentença.

Para Villas Bôas Cueva, no entanto, “a legitimidade para a propositura da ação rescisória não pode ser definida a partir da constatação de quem está respondendo, ainda que indevidamente, ao pedido de cumprimento de sentença“, mas “pela averiguação de quem é diretamente alcançado pelos efeitos da coisa julgada“.

Interesse que legitima o terceiro é jurídico, não econômico

Conforme salientou o ministro, a formulação do pedido de cumprimento de sentença contra uma pessoa jurídica distinta daquela que sucedeu a instituição condenada não lhe dá legitimidade para propor a rescisória nem na condição de terceiro interessado, “tendo em vista que o interesse capaz de conferir legitimidade ativa ao terceiro é apenas o jurídico, e não o meramente econômico”.

Quanto à indicação equivocada do Bradesco no cumprimento de sentença, o magistrado afirmou que essa questão poderia ser levantada nos próprios autos do processo executivo, desde que não acobertada pela preclusão.

Villas Bôas Cueva apontou ainda que eventual redirecionamento da execução para outra empresa do mesmo grupo econômico só seria possível pela via da desconsideração da personalidade jurídica, segundo o artigo 50 do Código Civil.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. LEGITIMIDADE ATIVA. ART. 967 DO CPC/2015. PARTE NO PROCESSO OU SUCESSOR. TERCEIRO JURIDICAMENTE INTERESSADO. INTERESSE MERAMENTE ECONÔMICO. INADMISSIBILIDADE.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. A controvérsia principal resume-se a saber se Banco Bradesco S.A.
possui legitimidade para o ajuizamento de ação rescisória visando à desconstituição de título judicial condenatório proferido contra instituição financeira posteriormente incorporada por pessoa jurídica distinta, integrante do mesmo conglomerado econômico.
3. Nos termos do art. 967 do Código de Processo Civil de 2015, são legitimados para a propositura de ação rescisória quem foi parte no processo ou o seu sucessor a título universal ou singular, o terceiro juridicamente interessado, o Ministério Público e aquele que não foi ouvido no processo em que lhe era obrigatória a intervenção.
4. Hipótese em que os votos proferidos na origem registraram a existência de documento oficial anexado aos autos, emitido pelo Banco Central do Brasil, indicando que Banco Bec S.A. foi incorporado por Alvorada Cartões, Crédito, Financiamento e Investimento S.A., com a sucessão da incorporadora em todos os direitos e obrigações, tendo sido reconhecida a legitimidade ativa do banco autor (Bradesco) por ter sido ele o indicado no pedido de cumprimento de sentença.
5. A legitimidade para a propositura da ação rescisória não pode ser definida a partir da constatação de quem está respondendo, ainda que indevidamente, ao pedido de cumprimento de sentença, senão pela averiguação de quem é diretamente alcançado pelos efeitos da coisa julgada.
6. No caso, o fato de ter sido apresentado pedido de cumprimento de sentença contra Banco Bradesco S.A. não serve ao propósito de lhe conferir legitimidade para a propositura da ação rescisória, nem sequer sob a condição de terceiro interessado, tendo em vista que o interesse capaz de conferir legitimidade ativa ao terceiro é apenas o jurídico, e não o meramente econômico.
7. Recurso especial provido.

Leia o acórdão no REsp 1.844.690.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1844690

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