Empregado da Vale com surdez unilateral será reintegrado

A perda parcial da audição deve ser considerada deficiência auditiva.

A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Vale S. A. a reintegrar um assistente de recursos humanos acometido de surdez unilateral total. A Turma considerou que a pessoa com perda auditiva de 40 decibéis (dB) ou mais deve ser considerada deficiente auditiva, tendo em vista a desvantagem no mercado de trabalho em relação aos   trabalhadores sem a deficiência.

Perda parcial

Na reclamação trabalhista, o empregado alegou que foi admitido na condição de pessoa com deficiência, com certificado emitido pelo INSS, e demitido injustamente após um ano e cinco meses de trabalho. Segundo ele, a dispensa só poderia ter ocorrido mediante a contratação de um substituto nas mesmas condições, como dispõe a legislação, mas a empresa não teria comprovado a substituição.

O juízo de primeiro grau e o Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES) julgaram improcedente o pedido da reintegração. No entendimento do TRT, não basta o empregado apresentar doença auditiva para ser considerado pessoa com deficiência. Para esse enquadramento, seria necessário a perda da audição total ou parcial nos dois ouvidos, igual ou superior a 41 dB.

Deficiência

A relatora do recurso de revista do assistente, ministra Delaíde Miranda Arantes, afirmou que a lei não assegura estabilidade ao empregado com deficiência, mas subordina a dispensa sem justa causa à contratação de outro trabalhador em situação análoga. No caso, a hipótese em discussão seria se a surdez unilateral total é suficiente para o enquadramento no conceito de pessoa auditiva previsto no Decreto 3.298/1999.

A ministra explicou que o artigo 3º, inciso I, do referido decreto considera deficiência “toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano”. A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada à legislação brasileira pelo Decreto 6.949/2009, por sua vez, conceitua como pessoas com deficiência “aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”.

Fins sociais

Para a ministra, as duas normas devem ser interpretadas de forma sistemática com o conjunto do ordenamento jurídico, observados os fins sociais a que se dirigem. O objetivo, segundo ela, é assegurar a implementação das políticas afirmativas para a eliminação das distorções acarretadas pela desvantagem física. “Entender de forma diferente seria esvaziar todo o arcabouço jurídico constitucional e infraconstitucional de tutela às pessoas com deficiência, elaborado em sintonia com as normas internacionais de proteção”, afirmou.

A ministra citou em seu voto diversos precedentes para concluir que, sendo incontroverso que o empregado da Vale é portador de surdez unilateral, com perda parcial da audição no ouvido direito e total no esquerdo, ele tem direito à reintegração, uma vez que a empresa não comprovou que ele teria sido substituído por outro empregado na mesma condição.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO DE REVISTA

1 MULTA POR EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROTELATÓRIOS. Embora os embargos de declaração interpostos pelo reclamante não tenham demonstrado a existência de algum dos vícios discriminados nos arts. 897-A da CLT e 535 do CPC/73 (art. 1.022 do NCPC), haja vista que pretendia o prequestionamento das matérias, não se vislumbra na atitude da parte o intuito protelatório a ensejar a aplicação da multa de 1% incidente sobre o valor da causa, na forma do art. 538 do CPC/73 (art. 1026, §2.º, do NCPC). Recurso de revista conhecido e provido.

2 – ADMISSÃO NA VAGA DE DEFICIENTE. SURDEZ UNILATERAL. DISPENSA SEM JUSTA CAUSA. REINTEGRAÇÃO. O acordão regional fundamentou-se no fato de que ” não basta que a pessoa apresente doença auditiva para que seja considerada portadora de deficiência. Neste particular, é necessária a existência de perda da audição em ambos os ouvidos, seja total ou parcial, sendo que, no caso de perda parcial, esta deve ser igual ou superior a 41 dB, observada as frequências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz”. É incontroverso que o reclamante é acometido de surdez unilateral total. Tal condição se caracteriza como deficiência em seu sentido amplo, haja vista que acarreta incapacidade para o desempenho de atividades, se observado o padrão normal para o ser humano, nos termos dos parâmetros estabelecidos pelo art. 3º, inciso I, do Decreto 3.298/99 e do art. 1º da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporado ao nosso ordenamento jurídico pelo Decreto 6.949/2009. Sendo assim, o artigo 4º, inciso II, do Decreto 3.298/99, ao definir como hipótese de deficiência auditiva a “perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais” , deve ser interpretado de forma sistemática com o conjunto do ordenamento jurídico pátrio, observados os fins sociais a que se dirige a norma, de forma a assegurar a implementação das políticas afirmativas para a eliminação das distorções acarretadas pela desvantagem física. Pelo exposto, a pessoa com surdez unilateral, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais , deve ser considerada deficiente auditiva, vez que decorre logicamente dessa condição a situação de desvantagem no mercado de trabalho em relação a outros trabalhadores não deficientes. Recurso de revista conhecido e provido.

Por unanimidade, a Turma deu provimento ao recurso e, além da reintegração, determinou o pagamento de indenização relativa aos salários e demais parcelas durante o período de afastamento.

 

Processo: RR-164200-75.2012.5.17.0011

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