É possível usucapião especial em propriedade menor que o módulo rural da região

Por meio da usucapião especial rural, é possível adquirir a propriedade de área menor do que o módulo rural estabelecido para a região. A decisão é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, por maioria, proveu recurso de um casal de agricultores.

Desde janeiro de 1996, eles têm a posse ininterrupta e não contestada de uma área de 2.435 metros quadrados, na qual residem e trabalham. Na região, o módulo rural – área tida como necessária para a subsistência do pequeno agricultor e de sua família – é estabelecido em 30 mil metros quadrados.

A turma, que seguiu o voto do ministro Luis Felipe Salomão, entendeu que não há impedimento para que imóvel de área inferior ao módulo rural possa ser objeto da modalidade de usucapião prevista no artigo 191 da Constituição Federal (CF) e no artigo 1.239 do Código Civil (CC).

O recurso era contra decisão do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, que não reconheceu o direito à usucapião porque o artigo 65 do Estatuto da Terra (Lei 4.504/64) proíbe o parcelamento rural em áreas inferiores ao módulo da região.

Área mínima

De acordo com o ministro Salomão, a usucapião especial rural é instrumento de aperfeiçoamento da política agrícola do país. Tem como objetivo a função social e o incentivo à produtividade da terra. Além disso, é uma forma de proteção aos agricultores.

Segundo ele, o artigo 191 da Constituição, reproduzido no artigo 1.239 do CC, ao permitir a usucapião de área não superior a 50 hectares, estabelece apenas o limite máximo possível, não a área mínima. “Mais relevante que a área do imóvel é o requisito que precede a esse, ou seja, o trabalho pelo possuidor e sua família, que torne a terra produtiva, dando à mesma função social”, afirmou.

Ele disse que, como não há na Constituição nem na legislação ordinária regra que determine área mínima sobre a qual o possuidor deve exercer a posse para que seja possível a usucapião especial rural, “a conclusão natural será pela impossibilidade de o intérprete discriminar onde o legislador não discriminou”.

Trabalho

O ministro lembrou ainda que esse tipo de usucapião só é cabível na posse marcada pelo trabalho. Por isso, “se o imóvel sobre o qual se exerce a posse trabalhada possui área capaz de gerar subsistência e progresso social e econômico do agricultor e sua família, mediante exploração direta e pessoal, parece menos relevante o fato de aquela área não coincidir com o módulo rural da região ou ser até mesmo inferior”, concluiu.

Ainda em seu voto, Salomão destacou que o censo agropecuário de 2006 – cujos dados ainda não foram superados por novo levantamento – revelou a importância da agricultura familiar para o país, ao mostrar que ela é responsável por 74,4% do pessoal ocupado no trabalho rural.

“Permitir a usucapião de imóvel cuja área seja inferior ao módulo rural da região é otimizar a distribuição de terras destinadas aos programas governamentais para o apoio à atividade agrícola familiar”, acrescentou.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO RURAL CONSTITUCIONAL. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL. MÓDULO RURAL. ÁREA MÍNIMA NECESSÁRIA AO APROVEITAMENTO ECONÔMICO DO IMÓVEL. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DA NORMA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL.  PREVISÃO DE ÁREA MÁXIMA A SER USUCAPIDA. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL DE ÁREA MÍNIMA. IMPORTÂNCIA MAIOR AO CUMPRIMENTO DOS FINS A QUE SE DESTINA A NORMA.

1. A propriedade privada e a função social da propriedade estão previstas na Constituição Federal de 1988 dentre os direitos e garantias individuais (art. 5.º, XXIII), sendo pressupostos indispensáveis à promoção da política de desenvolvimento urbano (art. 182, § 2.º) e rural (art. 186, I a IV).

2. No caso da propriedade rural, sua função social é cumprida, nos termos do art. 186 da CF⁄1988, quando seu aproveitamento for racional e apropriado; quando a utilização dos recursos naturais disponíveis for adequada e o meio ambiente preservado, assim como quando as disposições que regulam as relações de trabalho forem observadas.

3. A usucapião prevista no art. 191 da Constituição (e art. 1.239 do Código Civil), regulamentada pela Lei n. 6.969⁄1981, é caracterizada pelo elemento posse-trabalho. Serve a essa espécie tão somente a posse marcada pela exploração econômica e racional da terra, que é pressuposto à aquisição do domínio do imóvel rural, tendo em vista a intenção clara do legislador em prestigiar o possuidor que confere função social ao imóvel rural.

4. O módulo rural previsto no Estatuto da Terra foi pensado a partir da delimitação da área mínima necessária ao aproveitamento econômico do imóvel rural para o sustento familiar, na perspectiva de implementação do princípio constitucional da função social da propriedade, importando sempre, e principalmente, que o imóvel sobre o qual se exerce a posse trabalhada possua área capaz de gerar subsistência e progresso social e econômico do agricultor e sua família, mediante exploração direta e pessoal – com a absorção de toda a força de trabalho, eventualmente com a ajuda de terceiros.

5. Com efeito, a regulamentação da usucapião, por toda legislação que cuida da matéria, sempre delimitou apenas a área máxima passível de ser usucapida, não a área mínima, donde concluem os estudiosos do tema, que mais relevante que a área do imóvel é o requisito que precede a ele, ou seja, o trabalho realizado pelo possuidor e sua família, que torna a terra produtiva e lhe confere função social.

6. Assim, a partir de uma interpretação teleológica da norma, que assegure a tutela do interesse para a qual foi criada, conclui-se que, assentando o legislador, no ordenamento jurídico, o instituto da usucapião rural, prescrevendo um limite máximo de área a ser usucapida, sem ressalva de um tamanho mínimo, estando presentes todos os requisitos exigidos pela legislação de regência, parece evidenciado não haver impedimento à aquisição usucapicional de imóvel que guarde medida inferior ao módulo previsto para a região em que se localize.

7. A premissa aqui assentada vai ao encontro do que foi decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em conclusão de julgamento realizado em 29.4.2015, que proveu recurso extraordinário, em que se discutia a possibilidade de usucapião de imóvel urbano em município que estabelece lote mínimo para parcelamento do solo, para reconhecer aos recorrentes o domínio sobre o imóvel, dada a implementação da usucapião urbana prevista no art. 183 da CF.

8. Na oportunidade do Julgamento acima referido, a Suprema Corte fixou a seguinte tese: Preenchidos os requisitos do art. 183 da CF, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área onde situado o imóvel (dimensão do lote) (RE 422.349⁄RS, rel. Min. Dias Toffoli, 29.4.2015)

9. Recurso especial provido.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1040296

1 comentário em “É possível usucapião especial em propriedade menor que o módulo rural da região”

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