Segundo o entendimento do colegiado, a situação atentava contra a dignidade humana.
Um despachante de terminal de ônibus submetido ao constante constrangimento de não poder demorar ao usar o banheiro receberá indenização por dano moral. A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho deu provimento ao recurso de revista do empregado e condenou a São Cristóvão Transportes Ltda., de Aracaju (SE), ao pagamento de R$ 5 mil.
Pressão
Na reclamação trabalhista, o despachante disse que, durante todo o contrato, não dispunha de local adequado para realizar suas necessidades vitais e era obrigado a usar o banheiro público do terminal, “sempre sujos e em péssimo estado de conservação, quando funcionavam”. Sustentou ainda que sofria pressão do fiscal da empresa quando ia ao banheiro, “apressando-o para retornar logo ao serviço”. Segundo ele, essas situações atentavam contra a dignidade e o bem-estar.
Dano moral
O pedido de indenização foi julgado improcedente pelo juízo da 3ª Vara do Trabalho de Aracaju e pelo Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região. Para o TRT, os banheiros públicos se destinavam a todos os que utilizavam o terminal de ônibus e, apesar de constantemente sujos, isso não era suficiente para caracterizar o dano moral. Ainda segundo o TRT, o fato de o empregado ser pressionado para não demorar no banheiro não configurava assédio, pois não ficou demonstrado que ele sofria ameaças e constrangimentos.
Dignidade
O relator do recurso de revista do despachante, ministro Mauricio Godinho Delgado, ressaltou que, diante do contexto descrito pelo TRT, as situações vividas por ele realmente atentaram contra sua dignidade, sua integridade psíquica e seu bem-estar individual, justificando a reparação. “O simples fato de que havia frequente assédio moral no tocante ao tempo de uso de banheiro já é suficiente para caracterizar o ato ilícito patronal”, afirmou.
O recurso ficou assim ementado:
A) AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PROCESSSO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI Nº 13.467/2017. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. LIMITAÇÃO AO USO DO BANHEIRO. DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA INVIOLABILIDADE PSÍQUICA (ALÉM DA FÍSICA) DA PESSOA HUMANA, DO BEM-ESTAR INDIVIDUAL (ALÉM DO SOCIAL) DO SER HUMANO, TODOS INTEGRANTES DO PATRIMÔNIO MORAL DA PESSOA FÍSICA. DANO MORAL CARACTERIZADO. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, quanto ao tema “indenização por danos morais – limitação ao uso de banheiros”, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da violação, em tese, do art. 927 do CCB, suscitada no recurso de revista. Agravo de instrumento provido.
B) RECURSO DE REVISTA. PROCESSSO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI Nº 13.467/2017. 1. PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Por força do art. 282, §2º, do CPC/2015, deixa-se de declarar a nulidade do julgado, ante a possibilidade de o mérito do recurso ser decidido em favor da parte a quem aproveitaria a declaração de nulidade. Recurso de revista não conhecido no aspecto. 2. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. LIMITAÇÃO AO USO DO BANHEIRO. DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA INVIOLABILIDADE PSÍQUICA (ALÉM DA FÍSICA) DA PESSOA HUMANA, DO BEM-ESTAR INDIVIDUAL (ALÉM DO SOCIAL) DO SER HUMANO, TODOS INTEGRANTES DO PATRIMÔNIO MORAL DA PESSOA FÍSICA. DANO MORAL CARACTERIZADO. A conquista e afirmação da dignidade da pessoa humana não mais podem se restringir à sua liberdade e intangibilidade física e psíquica, envolvendo, naturalmente, também a conquista e afirmação de sua individualidade no meio econômico e social, com repercussões positivas conexas no plano cultural – o que se faz, de maneira geral, considerado o conjunto mais amplo e diversificado das pessoas, mediante o trabalho e, particularmente, o emprego. O direito à indenização por dano moral encontra amparo no art. 5º, V e X, da Constituição da República; e no art. 186 do CCB/2002, bem como nos princípios basilares da nova ordem constitucional, mormente naqueles que dizem respeito à proteção da dignidade humana, da inviolabilidade (física e psíquica) do direito à vida, do bem-estar individual (e social), da segurança física e psíquica do indivíduo, além da valorização do trabalho humano. O patrimônio moral da pessoa humana envolve todos esses bens imateriais, consubstanciados em princípios. Afrontado esse patrimônio moral, em seu conjunto ou em parte relevante, cabe a indenização por dano moral deflagrada pela Constituição de 1988. Na presente hipótese, tornou-se incontroverso nos autos, porquanto não impugnado pela Reclamada, o fato de que o Reclamante, frequentemente, “era apressado pelo fiscal da empresa quando usava o banheiro”. Diante do contexto fático delineado pelo TRT, constata-se que as situações vivenciadas pelo Reclamante atentaram contra a sua dignidade, a sua integridade psíquica e o seu bem-estar individual – bens imateriais que compõem seu patrimônio moral protegido pela Constituição -, ensejando a reparação moral, conforme autorizam o inciso X do art. 5º da Constituição Federal; e os arts. 186 e 927, caput, do CCB/2002. Recurso de revista conhecido e provido no aspecto.
A decisão foi unânime.
Processo: RR-2039.27.2013.5.20.0003