Desistência de ação de consignação de pagamento não autoriza a devolução, ao autor, do valor depositado em juízo

​A extinção de ação de consignação de pagamento após o oferecimento de contestação, em razão da desistência do autor, permite ao credor levantar os valores depositados em juízo, não sendo viável a retomada do valor pelo autor. Este foi o entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar um recurso em que devedor e credor disputavam o levantamento do depósito.

No caso dos autos, foi ajuizada por devedora ação revisional com consignação em pagamento contra um fundo de investimento, sob a alegação de ter celebrado contrato de financiamento para aquisição de veículo, o qual estipulava encargos financeiros abusivos. Na contestação, o fundo apenas se limitou a impugnar a pretensão revisional por considerar que o montante depositado era insuficiente. A autora, então, pediu desistência da ação e o réu concordou, desde que pudesse resgatar a quantia já depositada em juízo.

O juízo de primeiro grau homologou o pedido de desistência, julgando extinto o processo sem resolução de mérito, autorizando o resgate, pelo fundo, dos valores depositados. No entanto, o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) determinou que o alvará para o levantamento do montante fosse expedido em favor da autora-devedora, sob o fundamento de que extinta a ação de consignação em pagamento sem julgamento de mérito, as partes integrantes da relação processual voltam ao “status quo ante“.

Réu poderá levantar a quantia se, na contestação, alegar apenas a insuficiência do depósito

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso do fundo de investimento, observou que apesar de o pagamento ser a forma habitual de extinção das obrigações, o ordenamento jurídico admite outras modalidades extintivas, dentre as quais se encontra a consignação em pagamento, que pode ser proposta nas situações previstas no artigo 335 do Código Civil.

A relatora destacou que ajuizada a ação consignatória, o juiz analisará a regularidade formal da petição inicial e, sendo positiva a conclusão, intimará o autor para efetuar o depósito no prazo determinado em lei (artigo 542, inciso I, do Código de Processo Civil – CPC). Atendida tal determinação, o réu será citado e intimado para apresentar contestação ou requerer o levantamento do montante depositado.

No entanto, segundo Nancy Andrighi, na hipótese de o réu contestar o pedido, alegando apenas a insuficiência do depósito, ele poderá, concomitantemente, levantar a quantia ou a coisa depositada (artigo 545, parágrafo 1º, do CPC), tratando-se de uma faculdade do credor, a qual independe da concordância do consignante.

Não é razoável que, havendo pagamento da dívida, o autor desista da ação e levante valores

A ministra ressaltou que, como o depósito é ato do consignante, ele poderá levantá-lo antes da citação ou da contestação, circunstância que equivale à desistência da ação. Contudo, de acordo com a relatora, após o oferecimento da contestação, em que se alega a insuficiência do depósito, o autor somente pode levantar a quantia depositada mediante concordância do réu.

Nancy Andrighi explicou, ainda, que a inexistência de controvérsia sobre o valor depositado e ofertado voluntariamente pelo autor corrobora a viabilidade de o réu levantar a referida quantia quando o devedor desiste da ação.

“É totalmente descabido que, havendo pagamento da dívida, ainda que parcial, e já tendo sido ofertada contestação, o autor possa desistir da ação e levantar os valores, obrigando que o credor inicie um outro processo para receber o que lhe é devido, quando de antemão já se tem um valor incontroverso”, concluiu a relatora ao dar provimento ao recurso especial do fundo de investimento.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL C⁄C CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. DESISTÊNCIA DA AÇÃO. LEVANTAMENTO DOS VALORES PELO RÉU (CREDOR). POSSIBILIDADE.
1. Ação revisional c⁄c consignação em pagamento ajuizada em 24⁄09⁄2012, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 12⁄05⁄2022 e concluso ao gabinete em 19⁄10⁄2022.
2. O propósito recursal consiste em definir se a extinção da ação de consignação de pagamento após o oferecimento de contestação, em razão da desistência do autor, autoriza o credor levantar os valores consignados em juízo.
3. O pagamento é a forma normal de extinção das obrigações. No entanto, o ordenamento jurídico admite outras modalidades extintivas, dentre as quais se encontra a consignação em pagamento, que pode ser intentada nas situações previstas no art. 335 do CC⁄02. Na hipótese de o réu contestar o pedido, alegando apenas a insuficiência do depósito, ele poderá, concomitantemente, levantar a quantia ou a coisa depositada (art. 545, § 1º, do CPC). Trata-se de uma faculdade do credor, a qual independe da concordância do consignante.
4. Considerando que o depósito é ato do consignante, ele poderá levantá-lo antes da citação ou da contestação, circunstância que equivale à desistência da ação. Entretanto, após o oferecimento da contestação, em que se alega a insuficiência do depósito, o autor somente pode levantar a quantia depositada mediante concordância do réu, porquanto o art. 545, § 1º, do CPC⁄2015 autoriza, desde logo, o levantamento da quantia pelo credor. Ademais, a inexistência de controvérsia acerca do valor depositado e ofertado voluntariamente pelo autor corrobora a viabilidade de o réu levantar a referida quantia quando o devedor desiste da ação.
5. É totalmente descabido que, havendo pagamento da dívida, ainda que parcial, e já tendo sido ofertada contestação, o autor possa desistir da ação e levantar os valores, obrigando que o credor inicie um outro processo para receber o que lhe é devido, quando de antemão já se tem um valor incontroverso. Não se pode perder de vista que a exegese do CPC⁄2015 propicia a instrumentalidade das formas, com o propósito de conferir efetividade ao processo, e dá especial importância aos princípios da celeridade e da economia processual.
6. Recurso especial conhecido e provido.

Leia o acórdão no REsp 2.032.188.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 2032188

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