Culpa concorrente impõe indenização a família de homem atropelado por trem

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou decisão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) para condenar a empresa América Latina Logística Malha Sul S/A a pagar indenização por danos materiais e morais às filhas de um homem que morreu atropelado por um trem da empresa.

A vítima estava deitada sobre os trilhos quando foi atropelada, mas a Turma entendeu que a concessionária teve culpa concorrente, pois caberia a ela cercar e fiscalizar a linha férrea para evitar acidentes, cuidado ainda mais necessário em locais urbanos e populosos.

Além disso, a Turma concluiu que o tribunal de origem não poderia ter decidido pela culpa exclusiva da vítima, pois não houve prova que demonstrasse a sua real intenção ao se deitar nos trilhos.

As filhas recorreram ao STJ depois de o TJPR manter a sentença que livrou a concessionária do dever de indenizar. Para elas, a empresa deveria responder civilmente pelo ocorrido, uma vez que é de sua responsabilidade sinalizar e conservar as vias férreas que administra. O acórdão do TJPR teria violado os artigos 10 do Decreto 2.089/63 e 588, parágrafo 5º, do Código Civil de 1916, que tratam do direito de tapagem.

Omissão

A maioria da Terceira Turma acompanhou o voto do ministro Moura Ribeiro, para quem a conduta da concessionária foi omissiva. Nesses casos, a responsabilidade civil do poder público ou de seu agente é subjetiva, ou seja, depende de dolo ou culpa, ao contrário da responsabilidade objetiva aplicável à situação de dano causado por ato comissivo.

Moura Ribeiro invocou a jurisprudência do STJ para afirmar que, no caso de atropelamento de pedestres em via férrea, fica configurada a concorrência de causas quando, de um lado, a concessionária é negligente em relação ao dever de cercar e fiscalizar os limites da via para prevenir acidentes; e, de outro, a vítima se mostra imprudente ao atravessar a via em local impróprio (REsp 1.210.064).

“A responsabilidade da concessionária de transporte ferroviário somente é elidida pela comprovação da culpa exclusiva da vítima”, disse o ministro. Segundo ele, culpa exclusiva e concorrente são inconfundíveis.

Pela metade

Na culpa exclusiva, explicou, “desaparece a relação de causalidade entre a conduta do agente e o evento danoso, dissolvendo-se a própria relação de responsabilidade”. Já na concorrente, “a responsabilidade se atenua em razão da concorrência de culpa, e a jurisprudência costuma condenar o agente causador do dano a reparar pela metade o prejuízo, cabendo à vítima arcar com a outra metade”.

Moura Ribeiro destacou que as instâncias ordinárias, responsáveis pela análise das provas, concluíram que o maquinista estava em velocidade inadequada para o local e que não havia sinalização para pedestres, embora aquele ponto fosse utilizado como passagem pelos moradores. Quanto à vítima, embora estivesse realmente deitada sobre os trilhos, não há informação de que estivesse embriagada.

O processo revela, segundo o ministro, a existência de culpa da vítima, paralelamente à culpa da concessionária. Com base nessas conclusões, a Turma condenou a empresa a pagar pela metade os danos materiais e morais, cujo valor ainda será apurado.

Os Embargos de Divergência ficaram assim ementado:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. ACIDENTE FERROVIÁRIO. VÍTIMA FATAL. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. ROMPIMENTO DE NEXO DE CAUSALIDADE. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DA CONCESSIONÁRIA. RECURSO REPETITIVO N° 1.210.064⁄SP.
1. Nos termos do entendimento adotado quando do julgamento do REsp n° 1.210.064⁄SP, sob o rito dos recursos especiais repetitivos, ainda que haja omissão por parte da concessionária de serviço de transporte ferroviário no dever de sinalizar, cercar e fiscalizar o acesso à via, sua responsabilidade civil é afastada no caso de culpa exclusiva da vítima.
2. Em hipótese como a presente, em que a instância ordinária concluiu que a vítima estava deitada em cima dos trilhos, logo após uma curva, de madrugada, em atitude imprevisível para o maquinista, “o agente – aparentemente causador do dano – é mero instrumento para sua ocorrência”, configurando-se excludente de responsabilidade da concessionária.
3. Embargos de divergência providos.
A Ementa principal ficou assim:
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ATROPELAMENTO EM VIA FÉRREA. CONFIGURAÇÃO DA CULPA CONCORRENTE. PRECEDENTES DA CORTE.
1. A orientação pacífica das Turmas que compõem a 2ª Seção é no sentido de que a culpa da prestadora do serviço de transporte ferroviário configura-se no caso de atropelamento de transeunte na via férrea quando existente omissão ou negligência do dever de vedação física das faixas de domínio da ferrovia com muros e cercas bem como da sinalização e da fiscalização dessas medidas garantidoras da segurança na circulação da população (REsp nº 1.210.064⁄SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Segunda Seção, DJe 31⁄8⁄2012).
2. A jurisprudência e a doutrina entendem que somente a ação consciente ou imprudente capaz, por si só, de afastar a causalidade entre a ação ou omissão do agente e o resultado lesivo é motivo para o afastamento do nexo causal.
3. Havendo culpa concorrente, as indenizações por danos materiais e morais devem ser fixadas pelo critério da proporcionalidade.
4. Recurso especial parcialmente provido.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1461347

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