Um produtor de conteúdo digital será indenizado por danos materiais e morais após ser prejudicado por uma empresa de marketplace, atuante em plataforma virtual, que desrespeitou direitos autorais ao permitir que terceiros comercializassem um curso produzido pelo profissional sem sua prévia autorização, através de vendas on-line. A decisão partiu da 4ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em matéria sob a relatoria do desembargador Luiz Felipe Siegert Schuch.
A plataforma que abriga os anúncios terá de pagar R$ 10 mil por danos morais mais um valor, a ser fixado em fase de liquidação de sentença, por danos materiais. No caso concreto, o autor da ação elaborou um produto que chamou de “curso digital mini site ninja”, composto de videoaulas para venda em meio eletrônico, ao custo de R$ 497. Ocorre que, logo na sequência, ele descobriu que outras pessoas passaram a oferecer seu curso no marketplace, por preços inferiores a R$ 50.
“Resta evidente o abalo moral experimentado pelo autor, que, por esforço próprio, produziu obra intelectual, resultado de seu trabalho, pelo qual estabeleceu preço que entendeu adequado ao mercado”, interpretou o desembargador Schuch. A produção do curso envolveu gravações, edições, configurações na plataforma de vendas e preparação para pré-lançamentos e lançamentos, tudo posteriormente capturado por terceiros para venda por 10% de seu valor, sem autorização ou licença.
A responsabilidade da plataforma que disponibilizou espaço para os anúncios e vendas do produto pirateado, contudo, foi caracterizada somente após ela receber solicitação formal do autor para a retirada do conteúdo, sem atendê-la no prazo legal, fato que permitiu a continuidade da comercialização dos cursos em prejuízo de seu autor intelectual – que contabilizou 12 unidades negociadas até a efetiva retirada dos reclames publicitários. Esse número, oficializado, servirá de base para a indenização por danos materiais.
O produtor da obra, além de comunicar a plataforma digital, também registrou boletim de ocorrência na delegacia de polícia. Ficou claro nos autos que a empresa de marketplace não é um simples provedor de comércio eletrônico, uma vez que estabelece parcerias de negócios e recebe comissões pelas vendas realizadas. Só não há obrigação dela, além dos cuidados gerenciais e cadastrais necessários, em supervisionar previamente os conteúdos dos anúncios disponibilizados, sob pena de caracterizar uma espécie de censura prévia.
“Uma vez comunicada a prática abusiva do usuário-vendedor e ausente prova de autorização/cessão/licença para comercialização pelo autor da obra, não se afasta a responsabilidade solidária do marketplace por ‘expô-la à venda’, nos termos do artigo 104 da Lei de Direitos Autorais”, explicou o desembargador Siegert Schuch. A decisão do órgão julgador foi unânime
O recurso ficou assim ementado:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. MERCADO LIVRE. EXPOSIÇÃO À VENDA DE CURSO POR USUÁRIO DA PLATAFORMA RÉ SEM AUTORIZAÇÃO DO AUTOR. VIOLAÇÃO A DIREITOS AUTORAIS. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL PARA EXCLUSÃO DA OFERTA. INÉRCIA DA DEMANDADA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA FACE A AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO LOCALIZADOR URL. MANUTENÇÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA DEFERIDA. IRRESIGNAÇÃO DAS PARTES.
PRELIMINAR. NULIDADE DA DECISÃO POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO JUDICIAL (ART. 489, I, DO CPC). APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 282, § 2º, CPC. MÉRITO FAVORÁVEL AO RECORRENTE. ANÁLISE DA PREFACIAL DISPENSADA.
MÉRITO. NÚMERO DOS ANÚNCIOS DEVIDAMENTE IDENTIFICADOS NA DENÚNCIA ADMINISTRATIVA REALIZADA PELO AUTOR À RÉ. EXCLUSÃO DAS OFERTAS NÃO EFETIVADA. VIOLAÇÃO A DIREITOS AUTORAIS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS USUÁRIOS E DA REQUERIDA NOS TERMOS DO ART. 104 DA LEI N. 9.610/1998. INTELIGÊNCIA DO ART. 31 DA LEI DO MARCO CIVIL DA INTERNET. DEVER DE EXCLUSÃO DOS ANÚNCIOS E DE INDENIZAR O SUPLICANTE PELOS PREJUÍZOS EXPERIMENTADOS. EXEGESE DOS ARTS. 186 E 927 DO CÓDIGO CIVIL. REFORMA DA SENTENÇA.
ORDEM JUDICIAL LIMINAR DE EXCLUSÃO DOS ANÚNCIOS CONSIDERADA GENÉRICA PELA RÉ. TESE ACOLHIDA. COMANDO QUE DEVE SER RESTRITO AOS ANÚNCIOS INDEVIDOS E IDENTIFICADOS NA INICIAL E AO LONGO DO PROCESSO. SENTENÇA AJUSTADA NO PONTO.
DANO MATERIAL. VENDAS INDEVIDAS DE CURSO. VALORES NÃO RECEBIDOS PELO DEMANDANTE, TITULAR DO DIREITO AUTORAL E DO DIREITO EXCLUSIVO DE COMERCIALIZAÇÃO. PREJUÍZO EVIDENTE. APURAÇÃO DO QUANTUM POSTERGADA PARA A FASE DE LIQUIDAÇÃO.
ABALO MORAL. AUTOR CRIADOR DE CURSO ONLINE. TRABALHO QUE EXIGIU ESFORÇO PRÓPRIO, TRABALHO INTELECTUAL, GRAVAÇÕES DE VÍDEO-AULAS, EDIÇÕES E MARKETING. VENDA DO PRODUTO SEM SUA AUTORIZAÇÃO E EM VALOR CORRESPONDENTE A 10% AO PREÇO DEFINIDO. DESCASO DA DEMANDADA APÓS DENÚNCIA DA INFRAÇÃO PELO USUÁRIO DE SUA PLATAFORMA. PERTURBAÇÕES QUE EXTRAPOLARAM O MERO ABORRECIMENTO. DANO MORAL EVIDENCIADO. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. VERBA FIXADA EM QUANTIA HARMONIZADA COM AS CIRCUNSTÂNCIAS SUB EXAMINE, GUARDANDO O NECESSÁRIO CARÁTER PEDAGÓGICO E INIBIDOR AO CASO CONCRETO. OBSERVÂNCIA DOS CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE.
ENCARGOS SUCUMBENCIAIS. ALTERAÇÃO DO JULGADO NESTA INSTÂNCIA. REDISTRIBUIÇÃO NECESSÁRIA. CONDENAÇÃO DA REQUERIDA AO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
RECURSO DA RÉ CONHECIDO E PROVIDO. RECLAMO DO AUTOR CONHECIDO E PROVIDO.
AC n. 03008244520178240033