Comarca onde houve acidente de trânsito deve julgar ação indenizatória proposta por locadora de veículo

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que a competência para processar e julgar ação de indenização por danos materiais decorrentes de acidente de trânsito é do foro do local onde o fato ocorreu, quando a demanda for promovida por locadora de veículo.

A locadora que recorreu ao STJ havia ajuizado em seu domicílio, Mogi das Cruzes (SP), uma ação de indenização por danos materiais resultantes de acidente de trânsito. O juízo de primeiro grau acolheu preliminar de incompetência e determinou a remessa dos autos a uma das varas cíveis de Divinópolis (MG), domicílio dos réus e local do acidente. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou provimento ao recurso da locadora.

Ao STJ, a empresa sustentou que teria o direito de escolher o foro para ajuizar a demanda, podendo fazê-lo em seu domicílio ou no local do acidente.

Situação das locadoras tem particularidades

O relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, observou que, segundo o artigo 53, inciso V, do Código de Processo Civil (CPC), a competência para julgar reparação de dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos é do foro de domicílio do autor da ação ou do local do fato.

O magistrado acrescentou que tal norma deve ser conjugada com o artigo 46 do mesmo código, de modo que essa espécie de ação poderá ser promovida no domicílio do autor, no local do fato ou no domicílio do réu.

Contudo, para o relator, essa norma não se aplica às locadoras de veículos devido às particularidades que envolvem suas relações jurídicas – principalmente porque seus carros circulam por todo o território nacional.

“Não se mostra razoável aplicar a mesma regra da pessoa natural, que indiscutivelmente enfrenta adversidades para promover ação em locais distantes de sua residência, às sociedades empresárias especializadas e estruturadas para prestação de serviço de locação de veículos, em que um dos riscos é exatamente a potencial ocorrência de acidentes automobilísticos, nas mais diversas localidades, já que, via de regra, a circulação de seus bens não está limitada a determinado espaço geográfico”, declarou.

Locadora poderia ser indevidamente privilegiada

O ministro destacou que dilatar demasiadamente a interpretação da exceção em detrimento da regra poderia, ao invés de favorecer o acesso à Justiça para o elo mais fraco da relação jurídica, privilegiar indevidamente a parte que tem mais condições jurídicas e econômicas de exercer seu direito de ação.

De acordo com Bellizze, entender de maneira diversa seria contrariar o escopo da norma, que é beneficiar a vítima com a redução das despesas e dos incômodos relacionados ao acidente automobilístico. Por isso, segundo ele, não é possível estender a prerrogativa processual do foro excepcional para as locadoras.

“O fato de o local do acidente ser, também, uma comarca na qual a locatária do veículo realiza suas operações vem confirmar a ausência de elementos capazes de justificar a incidência da exceção do artigo 53, inciso V, do CPC em detrimento da regra geral do artigo 46 do mesmo diploma processual”, concluiu o magistrado.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ACIDENTE DE TRÂNSITO. AÇÃO PROMOVIDA POR LOCADORA DE AUTOMÓVEIS. COMPETÊNCIA. ART. 53, V, DO CPC/2015 NÃO APLICÁVEL AO CASO. INCIDÊNCIA DA REGRA GERAL. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E DESPROVIDO.
1. A regra geral da competência do foro de domicílio do réu (art. 46 do CPC/2015) dá lugar à exceção do art. 53, V, do CPC/2015 quando se tratar de ação de reparação de dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos, inclusive aeronaves, hipótese em que a competência concorrente será do foro de domicílio do autor ou do local do fato.
2. A finalidade principal da aludida exceção é a de privilegiar a pessoa que suportou o dano decorrente do acidente ou do ilícito, pois já enfrenta diversas dificuldades, de modo que, para facilitar o acesso à Justiça, a lei lhe faculta a escolha do foro que lhe seria mais favorável.
3. Essa abstração não se justifica quando a ação é movida por locadora de veículos para reparação de danos suportados em acidente de trânsito no qual se envolveu o locatário, sobretudo quando o local do dano é o mesmo do domicílio do réu e em cidade que a locadora também realiza suas operações, sob pena de se desvirtuar a função principal da norma.
4. Recurso especial conhecido e desprovido.

Leia o acórdão no REsp 1.869.053.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1869053

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