Ela também deverá receber a mesma cobertura oferecida inicialmente pela empresa
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho decidiu pelo pagamento de indenização por danos morais a uma representante de atendimento que sofre de doença grave e rara e teve o plano de saúde alterado para pior pela Almaviva do Brasil Telemarketing e Informática S.A. Para o colegiado, a situação atentou contra a dignidade, a integridade psíquica e o bem-estar da empregada.
Guillain-Barré
A profissional trabalhava desde 2014 como representante de atendimento na empresa, em Aracaju (SE), e está afastada pelo INSS em decorrência da Síndrome de Guillain-Barré desde abril de 2015.
A síndrome é um distúrbio autoimune geralmente provocado por um processo infeccioso anterior que se manifesta a partir de fraqueza muscular, com redução ou ausência de reflexos.
Necessidade vital
Por isso, a empregada explicou que sua vida depende do plano de saúde, previsto em acordo coletivo, já que necessita de exames, consultas e internações em decorrência da doença.
Na ação, ela alega que as condições dos planos de saúde contratados posteriormente foram sendo gradualmente pioradas, com o rebaixamento da internação para enfermaria até o benefício ser retirado, restando apenas uma carteira de desconto que dá direito a R$ 300 de exames.
Risco de morte
Essas alterações teriam causado constrangimentos em razão do cancelamento de consultas e exames sem aviso prévio e a levou a uma situação de risco de morte. Por esse motivo, ela pediu indenização por danos morais e a inclusão em plano de saúde nas condições originariamente contratadas pela empresa.
A Almaviva, em sua defesa, disse que as alterações haviam sido divulgadas pelos canais de comunicação internos e que todos os planos apresentavam as mesmas coberturas de procedimentos, com direitos a exames e internamento.
Prejuízos
O juízo de primeiro grau deferiu os pedidos e condenou a empresa ao pagamento de R$ 5 mil de indenização. Segundo a sentença, embora não haja irregularidade na alteração das operadoras dos planos, a mudança não pode acarretar prejuízos à trabalhadora. E, de acordo com o processo, houve até uma greve para a volta do plano anterior.
Sem comprovação
Contudo, o Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região (SE) excluiu a indenização, por entender que não houve ato ilícito da empresa nem ficou comprovado o dano. Para o TRT, a trabalhadora nunca fora exposta ao ridículo nem sofrera danos à sua imagem, honra ou estado psicológico capaz de justificar uma indenização por danos morais.
Reparação
Ao analisar o recurso de revista da atendente, o relator, ministro Maurício Godinho Delgado, constatou ser incontroverso que ela sofre de doença grave e rara e que ocorreram diversas alterações no plano de saúde. Além disso, a própria empresa havia se comprometido em restabelecer os planos tradicionais, mas não conseguiu demonstrar que os benefícios do primeiro plano foram mantidos nos subsequentes.
Diante desse quadro fático, ele concluiu que a situação vivenciada pela atendente, de fato, atentou contra a sua dignidade, a sua integridade psíquica e o seu bem-estar individual – “bens imateriais que compõem seu patrimônio moral protegido pela Constituição”. O ministro citou jurisprudência do TST no sentido de que o dano moral, nessas circunstâncias, decorre do próprio fato, não sendo necessária a prova do abalo moral experimentado pela vítima.
O recurso ficou assim ementado:
A) AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DAS LEIS 13.015/2014 E 13.467/2017 . RITO SUMARÍSSIMO . INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. EMPREGADA PORTADORA DE DOENÇA GRAVE E RARA. ALTERAÇÃO DO PLANO DE SAÚDE. MANUTENÇÃO DAS CONDIÇÕES ORIGINARIAMENTE CONTRATADAS. DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA INVIOLABILIDADE PSÍQUICA (ALÉM DA FÍSICA) DA PESSOA HUMANA, DO BEM-ESTAR INDIVIDUAL (ALÉM DO SOCIAL) DO SER HUMANO, TODOS INTEGRANTES DO PATRIMÔNIO MORAL DA PESSOA FÍSICA. DANO MORAL CARACTERIZADO. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da arguição de violação do art. 5º, X, da CF, suscitada no recurso de revista. Agravo de instrumento provido.
B) RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DAS LEIS 13.015/2014 E 13.467/2017 . RITO SUMARÍSSIMO . INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. EMPREGADA PORTADORA DE DOENÇA GRAVE E RARA. ALTERAÇÃO DO PLANO DE SAÚDE. MANUTENÇÃO DAS CONDIÇÕES ORIGINARIAMENTE CONTRATADAS. DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA INVIOLABILIDADE PSÍQUICA (ALÉM DA FÍSICA) DA PESSOA HUMANA, DO BEM-ESTAR INDIVIDUAL (ALÉM DO SOCIAL) DO SER HUMANO, TODOS INTEGRANTES DO PATRIMÔNIO MORAL DA PESSOA FÍSICA. DANO MORAL CARACTERIZADO. O direito à indenização por dano moral encontra amparo no art. 5º, V e X, da Constituição da República, e no art. 186 do CCB/2002, bem como nos princípios basilares da nova ordem constitucional, mormente naqueles que dizem respeito à proteção da dignidade humana, da inviolabilidade (física e psíquica) do direito à vida, do bem-estar individual (e social), da segurança física e psíquica do indivíduo, além da valorização do trabalho humano. O patrimônio moral da pessoa humana envolve todos esses bens imateriais, consubstanciados em princípios. Afrontado esse patrimônio moral, em seu conjunto ou em parte relevante, cabe a indenização por dano moral, deflagrada pela Constituição de 1988. No caso dos autos , restou incontroverso que a Reclamante é portadora de doença grave e rara, tendo havido diversas alterações no seu plano de saúde e dos demais empregados da Reclamada, o que ensejou, inclusive, a deflagração de greve com o objetivo de restabelecer o plano de saúde originariamente contratado. Além disso, a própria Reclamada comprometeu-se em restabelecer os planos de saúde tradicionais e não se desincumbiu do ônus de demonstrar que os benefícios do primeiro plano foram mantidos nos planos subsequentes. Nesse contexto, o Juízo de primeiro grau determinou que a Reclamada incluísse a Autora nos planos de saúde originariamente contratados, bem como julgou procedente o pedido de indenização por dano moral. Ocorre que o TRT deu parcial provimento ao recurso ordinário da Reclamada para excluir da condenação o pagamento da indenização por dano moral. Portanto, diante da moldura fática extraída dos autos, forçoso reconhecer que a situação vivenciada pela Reclamante, de fato, atentou contra a sua dignidade, a sua integridade psíquica e o seu bem-estar individual – bens imateriais que compõem seu patrimônio moral protegido pela Constituição -, ensejando a reparação moral, conforme autorizam o inciso X do art. 5º da Constituição Federal; e os arts. 186 e 927, caput , do CCB/2002. Recurso de revista conhecido e provido.
A decisão foi unânime.
Processo: RR-256-13.2021.5.20.0005