A 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou as apelações do Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos (Cebraspe) e da União. Os recursos foram contra a sentença que julgou procedente o pedido para anular o ato que havia excluído uma candidata das vagas reservadas aos candidatos negros e determinou a sua nomeação no cargo de Agente da Polícia Federal.
Em seu recurso, a Cebraspe sustentou que a candidata, assim como todos os que se autodeclararam negros no certame, se apresentou à comissão de heteroidentificação e a banca, considerando somente o fenótipo (características físicas) da candidata, concluiu que ela não era negra. A União, por sua vez, afirmou que a substituição do exame da banca pelo exame do Judiciário viola o princípio da separação dos poderes.
Na relatoria do processo, o desembargador federal Newton Ramos explicou que o concurso público em questão regulamentou os procedimentos de heteroidentificação complementar à autodeclaração dos candidatos negros, o qual previa, dentre outros, que a comissão utilizaria somente o critério fenotípico para confirmar a condição declarada, eliminando do concurso aquele que não fosse considerado negro pela comissão.
O magistrado destacou que, ao se tratar de atos administrativos que excluem candidatos com base na conclusão da comissão de heteroidentificação em concursos públicos, a jurisprudência aceita a intervenção do Poder Judiciário se, a partir dos documentos apresentados, for evidente que as características fenotípicas do candidato correspondem às de uma pessoa negra.
“A justificativa para eliminação da candidata se limitou a registrar que a aparência da candidata não é compatível com as exigências estabelecidas no edital de abertura, levando-se em consideração os seguintes aspectos: cor da pele (sem artifícios), textura dos cabelos (sem artifícios) e fisionomia; não trazendo as especificidades que levaram a comissão a concluir pela não condição de cotista. Por sua vez, a parte apelada trouxe aos autos diversos documentos, tais como fotografias de variadas épocas (infância, adolescência e vida adulta) e laudo dermatológico particular atestando que ela se enquadra na classificação 4 de Fitzpatrick, além de cabelos cacheados do tipo 3B”, afirmou o desembargador federal.
O recurso ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. COTAS RACIAIS. COMISSÃO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO. NÃO HOMOLOGAÇÃO DA AUTODECLARAÇÃO. FOTOGRAFIAS E DOCUMENTOS. COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO DE COTISTA. SEPARAÇÃO DE PODERES. NÃO VIOLAÇÃO. POSSIBILIDADE EXCEPCIONAL DE INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. SENTENÇA MANTIDA. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÕES DESPROVIDAS.
1. A Lei nº 12.990/2014 estabeleceu a reserva de 20% das vagas de concursos públicos, no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, aos candidatos negros, assim entendidos como aqueles que se autodeclararam pretos ou pardos, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (art. 2ª, caput).
2. É assente na jurisprudência o entendimento de que o edital de concurso público constitui lei entre as partes, de forma que as regras ali previstas vinculam tanto o administrado como o administrador. Contudo, o poder discricionário da Administração Pública de estabelecer os critérios da seleção é limitado pela própria Lei, que lhe é superior.
3. No caso dos atos administrativos que eliminam candidatos de certame público, fundamentado em conclusão da comissão de heteroidentificação, a jurisprudência desta Corte admite a interferência do Poder Judiciário quando, dos documentos juntados aos autos, for possível verificar que as características e aspectos fenotípicos do candidato são evidentes, de acordo com o conceito de negro – pretos e pardos – utilizado pelo legislador, baseado nas definições do IBGE (AC 1023212-86.2019.4.01.3400, Rel. Desembargador Federal Souza Prudente, TRF1 – Quinta Turma, e-DJF1 22/04/2022).
4. Embora não seja cabível ao Poder Judiciário se imiscuir no mérito administrativo, a legalidade do ato pode ser questionada em ação judicial sem que haja ofensa ao princípio da separação de poderes, por força do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal.
5. O conjunto probatório constante dos autos demonstrou que a parte autora possui fenótipo pardo, o que permite a sua participação no certame na condição de cotista.
6. Remessa necessária e apelações desprovidas.
Por unanimidade, o Colegiado manteve a sentença acompanhando o voto do relator.
Processo: 1072869-26.2021.4.01.3400