A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que uma sociedade empresária atuante na venda de ingressos tem a obrigação de indenizar uma família de Belo Horizonte que comprou bilhetes para um evento no Rio de Janeiro e só ficou sabendo do cancelamento depois de viajar à cidade. A organizadora do evento também foi condenada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), solidariamente com a vendedora de ingressos, a arcar com a indenização.
Para o colegiado, os integrantes da cadeia de consumo – incluindo-se a vendedora de ingressos, que recorreu ao STJ – são responsáveis pelos danos gerados ao consumidor, não cabendo a alegação de que o fato se deveu à culpa exclusiva de um deles.
“A recorrente e as demais sociedades empresárias que atuaram na organização e na administração da festividade e da estrutura do local integram a mesma cadeia de fornecimento e, portanto, são solidariamente responsáveis pelos danos suportados pelos recorridos, em virtude da falha na prestação do serviço, ao não prestar informação adequada, prévia e eficaz acerca do cancelamento/adiamento do evento”, afirmou a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi.
Recorrente alegou que não era responsável pelo evento
Na ação de indenização contra a organizadora e a vendedora de ingressos, a família alegou que viajou ao Rio de Janeiro exclusivamente em razão do evento, arcando com todas as despesas de transporte e hospedagem. Só ao chegar ao local da festa, a família descobriu que ela havia sido cancelada.
Em primeiro grau, as rés foram condenadas ao pagamento dos danos materiais, além de danos morais de R$ 5 mil para cada autor da ação – valor reduzido para R$ 3 mil pelo TJMG.
No recurso especial, a sociedade empresária alegou que não era responsável pela produção do evento, tampouco por eventual cancelamento ou alteração, pois apenas vendeu as entradas em sua plataforma digital. A recorrente também alegou ter informado antecipadamente os consumidores sobre a não realização do evento.
Venda de ingressos é fase principal da cadeia produtiva
Nancy Andrighi explicou que o Código de Defesa do Consumidor (CDC), ao disciplinar a responsabilidade pelo fato do serviço – quando um vício grave causa dano material ou moral ao consumidor –, não faz distinção entre os fornecedores, motivo pelo qual toda a cadeia produtiva se torna solidariamente responsável.
“Deve-se observar que, em se tratando de responsabilidade por vício, de acordo com os artigos 18 e seguintes do CDC, há responsabilidade solidária entre todos os fornecedores, inclusive o comerciante, pouco importando a referência ao vício do produto ou do serviço”, disse a relatora.
No caso dos autos – em que se discute exatamente a responsabilidade pelo fato do serviço –, a ministra comentou que a venda de ingresso para determinado espetáculo é parte típica do negócio, gerando lucro e compondo o custo embutido no preço. A magistrada destacou que a venda das entradas corresponde à fase principal da cadeia produtiva, pois é nesse momento que os serviços serão efetivamente remunerados e se determinará o sucesso ou não do negócio.
Como consequência, ela apontou que a vendedora de ingressos e todos os que atuaram na organização da festa integram a mesma cadeia de fornecimento e, portanto, são solidariamente responsáveis pelos danos sofridos pela família. “É dever de todos os fornecedores da cadeia de consumo zelar pela disponibilização de condições adequadas de acesso aos eventos, a fim de permitir a participação, sem percalços, do público em geral”, declarou.
Ao manter o acórdão do TJMG, Nancy Andrighi ainda destacou que, segundo a corte mineira, a recorrente não comprovou ter feito contato direto com a família, com antecedência razoável, para avisar do cancelamento e dos meios disponíveis para o estorno do dinheiro.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. VÍCIO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. NÃO OCORRÊNCIA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. SOCIEDADE EMPRESÁRIA. COMERCIALIZAÇÃO DE INGRESSOS ON-LINE. EVENTO CANCELADO⁄ADIADO. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO ADEQUADA, PRÉVIA E EFICAZ AOS CONSUMIDORES. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO (FATO DO SERVIÇO). RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. CULPA EXCLUSIVA DE TERCEIRO. INTEGRANTES DA MESMA CADEIA DE CONSUMO. IMPROPRIEDADE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. ALIMENTOS CONSUMIDOS DURANTE A ESTADA NO RIO DE JANEIRO. INOVAÇÃO RECURSAL. DANO MORAL. EXISTÊNCIA.1- Recurso especial interposto em 23⁄11⁄2020 e concluso ao gabinete em 15⁄2⁄2022.2- Na origem, cuida-se de ação de indenização por danos materiais e morais, proposta pelos recorridos, em razão dos custos advindos da compra de ingresso para o evento Pretty Little Weekend, a ser sediado na cidade do Rio de Janeiro-RJ, cancelado, contudo, sem qualquer satisfação aos consumidores.3- O propósito recursal consiste em dizer se a sociedade empresária que comercializa ingressos no sistema on-line possui responsabilidade pela falha na prestação do serviço, a ensejar a reparação por danos materiais e a compensação dos danos morais.4- É de ser afastada a existência de vício no acórdão recorrido, à consideração de que a matéria impugnada foi enfrentada de forma objetiva e fundamentada no julgamento do recurso, naquilo que o Tribunal a quo entendeu pertinente à solução da controvérsia.5- Em se tratando de responsabilidade pelo fato do serviço, não faz o Diploma Consumerista qualquer distinção entre os fornecedores, motivo pelo qual é uníssono o entendimento de que toda a cadeia produtiva é solidariamente responsável. Doutrina e jurisprudência.6- A venda de ingresso para um determinado espetáculo cultural é parte típica do negócio, risco da própria atividade empresarial que visa ao lucro e integrante do investimento do fornecedor, compondo, portanto, o custo básico embutido no preço. Com efeito, é impossível conceber a realização de espetáculo cultural, cujo propósito seja a obtenção de lucro por meio do acesso do público consumidor, sem que a venda do ingresso integre a própria escala produtiva e comercial do empreendimento.7- A recorrente e as demais sociedades empresárias que atuaram na organização e na administração da festividade e da estrutura do local integram a mesma cadeia de fornecimento e, portanto, são solidariamente responsáveis pelos danos suportados pelos recorridos, em virtude da falha na prestação do serviço, ao não prestar informação adequada, prévia e eficaz acerca do cancelamento⁄adiamento do evento.8- A jurisprudência desta Corte é no sentido de que os integrantes da cadeia de consumo, em ação indenizatória consumerista, também são responsáveis pelos danos gerados ao consumidor, não cabendo a alegação de que o dano foi gerado por culpa exclusiva de um dos seus integrantes. Precedentes.9- No tocante à indenização por danos materiais, observa-se que não se discutiu anteriormente, nem mesmo em embargos de declaração, quais itens foram consumidos com a alimentação dos recorridos no período em que ficaram na cidade do Rio de Janeiro, de modo que tal argumento constitui inovação recursal, na medida em que não integrou o quadro fático delineado nos autos, situação que impede a hodierna apreciação.10- Não prevalece a tese de que, na hipótese dos autos, ocorreu mero descumprimento contratual, insuficiente para a configuração do dano moral. Isso porque os recorridos, pai e filha deslocaram-se de Belo Horizonte para o Rio de Janeiro exclusivamente para a participação no evento “Pretty Little Weekend”. Em virtude da ausência eficaz de comunicação do cancelamento⁄adiamento da efeméride, nutriram altaneiro sentimento de frustração, decepção e constrangimento, ante a não realização do evento e a desinformação da recorrente.11- Qualquer leitura dissimilar levaria a prática de constantes lesões aos consumidores, máxime porque os fornecedores de produtos ou serviços, sob o guante do argumento de ocorrência de “meros aborrecimentos comuns cotidianos” ou “meros dissabores”, atentariam contra o princípio da correta, segura e tempestiva informação, figura basilar nas relações consumeristas e contratuais em geral. Em síntese, não se pode confundir mero aborrecimento, inerente à vida civil em sociedade, com a consumação de ilícito de natureza civil, passível de reparação.12- Recurso especial não provido.
Leia o acórdão no REsp 1.985.198.