ECA assegura pensão por morte a menor que esteve sob guarda da avó, mas só até os 18 anos

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) que estabeleceu a uma menor de idade – sob guarda da avó, servidora pública distrital, até o falecimento desta, em 2018 – o benefício de pensão por morte, até que ela complete 18 anos. O TJDFT embasou sua decisão no artigo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), segundo o qual a menoridade se encerra aos 18 anos, sendo inaplicáveis as suas disposições a partir dessa idade.

No julgamento, o colegiado negou provimento ao recurso do Distrito Federal, sob o fundamento de que, nos termos do artigo 33, parágrafo 3º, do ECA, comprovada a dependência econômica do menor sob guarda, ele tem direito ao benefício de pensão por morte do seu mantenedor. Por outro lado, a turma não conheceu do recurso da pensionista, que pretendia estender o benefício até os 21 anos. Os ministros entenderam que a pensão concedida com base no ECA só poderia, de fato, ser paga até os 18 anos.

Segundo a neta, o artigo 16, parágrafo 2º, da Lei 8.213/1991 e o artigo 217, parágrafo 3º, da Lei 8.112/1990 equipararam o menor sob guarda à condição de filho para fins previdenciários, de modo que a concessão da pensão não deveria se ater apenas ao critério da minoridade.

Por seu lado, o Distrito Federal buscava a retirada do benefício, por entender que não há previsão expressa de menor sob guarda de servidor distrital no rol de beneficiários constantes da legislação previdenciária distrital.

ECA é norma específica em relação à legislação previdenciária

A relatora do caso, ministra Assusete Magalhães, mencionou precedentes do STJ segundo os quais, embora existam leis estaduais e distritais sobre previdência social, crianças e adolescentes também estão sob a jurisdição de norma específica: o ECA.

De acordo com a ministra, o ECA – norma especial em relação às disposições da legislação previdenciária em regime geral ou próprio – confere ao menor sob guarda a condição de dependente para todos os efeitos, inclusive previdenciários, com base no dever do poder público e da sociedade quanto à proteção da criança e do adolescente, previsto no artigo 227 da Constituição Federal.

Assim, para Assusete Magalhães, a pensão por morte deferida judicialmente para a neta da servidora pública falecida é válida, ao contrário do que defendia o Distrito Federal, e está exclusivamente fundamentada na regra contida no artigo 33, parágrafo 3º, do estatuto – o que exclui a possibilidade de invocar a legislação previdenciária distrital. Por isso, segundo a relatora, é razoável que o termo final do pagamento da pensão por morte também seja extraído do ECA (artigo 2º).

Desse modo, a ministra apontou que, como não se pode aplicar o estatuto a partir da data em que a recorrente completou 18 anos, não há fundamento legal para manter o benefício da pensão temporária por morte até a idade de 21 anos.

O recurso ficou assim ementado:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS DO DISTRITO FEDERAL E DA PARTE AUTORA. SERVIDORA PÚBLICA DISTRITAL FALECIDA. MENOR SOB GUARDA DA AVÓ FALECIDA. DIREITO À PENSÃO TEMPORÁRIA POR MORTE, RECONHECIDA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, COM FUNDAMENTO NO ART. 33, § 3º, DA LEI 8.069⁄90 (ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE). ACÓRDÃO EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO DO STJ. TERMO FINAL DO BENEFÍCIO FIXADO COM FUNDAMENTO NO ART. 2º, CAPUT, DA LEI 8.069⁄90 (DEZOITO ANOS DE IDADE). FUNDAMENTOS DA CORTE DE ORIGEM INATACADOS, NAS RAZÕES DO RECURSO ESPECIAL DA PARTE AUTORA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 283⁄STF. SÚMULA 280⁄STF. RECURSO ESPECIAL DO DISTRITO FEDERAL DESPROVIDO. RECURSO ESPECIAL DA AUTORA NÃO CONHECIDO.
I. Recursos Especiais do Distrito Federal e da parte autora, interpostos contra acórdão publicado na vigência do CPC⁄2015.
II. Na origem, trata-se de Ação Ordinária, proposta pela ora recorrente, em desfavor do Distrito Federal e do Instituto de Previdência dos Servidores do Distrito Federal-IPREV, objetivando a condenação dos réus ao pagamento de pensão temporária por morte a menor sob guarda, desde o óbito de sua avó, servidora pública distrital, ocorrido em 11⁄10⁄2018. Julgada parcialmente procedente a demanda, em 1º Grau, concedendo a pensão temporária à parte autora, até que atingisse a idade de 18 (dezoitos) anos, nos termos do art. 33, § 3º, da Lei 8.069⁄90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), o Tribunal de origem manteve a sentença.
III. O entendimento firmado pelo Tribunal de origem alinha-se à orientação do STJ, adotada no REsp 1.411.258⁄RS (Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 21⁄02⁄2018), sob o regime do art. 543-C do CPC⁄73, no sentido de que o menor sob guarda tem direito ao benefício de pensão por morte do seu mantenedor, comprovada a sua dependência econômica, nos termos do art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda que o óbito do instituidor da pensão seja posterior à vigência da Medida Provisória 1.523⁄96, reeditada e convertida na Lei 9.528⁄57, tendo em vista a qualidade de lei especial do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069⁄90), frente à legislação previdenciária.
IV. Na forma da jurisprudência do STJ, “o fato de se tratar de pensão no âmbito do regime próprio de previdência não afasta o entendimento assentado por esta Corte acerca da matéria, pois o art. 33, § 3º, do ECA é norma específica em relação às disposições da legislação previdenciária, independentemente de se cuidar de regime geral ou próprio” (STJ, AgInt no REsp 1.902.627⁄CE, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 01⁄06⁄2021). Nesse sentido: STJ, AgInt no REsp 1.842.847⁄CE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 22⁄10⁄2020; AgInt no AREsp 1.289.416⁄RN, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 29⁄10⁄2018; AgInt no AREsp 1.004.752⁄MG, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, DJe de 21⁄08⁄2018; RMS 36.034⁄MT, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 15⁄04⁄2014.
V. O acórdão recorrido afastou a pretensão da autora, ora recorrente, de perceber a pensão temporária até os 21 (vinte e um) anos de idade, ao fundamento de que “a pensão por morte que lhe foi deferida judicialmente está fundamentada no Estatuto da Criança e do Adolescente, sem previsão expressa na legislação previdenciária distrital, o qual, em seu art. 2º, prevê que ‘considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade’ (…). Desse modo, não verificada a excepcionalidade do parágrafo único do art. 2º do ECA, que permite a aplicação do referido Estatuto às pessoas entre 18 e 21 anos de idade, ‘nos casos expressos em lei’, conclui-se pela inaplicabilidade do ECA a partir da data em que a apelante-autora completou 18 anos de idade (11⁄05⁄2020), por isso inexiste fundamento legal para manter o benefício da pensão temporária por morte até a idade de 21 anos”. A recorrente insiste na contrariedade ao art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069⁄90), pugnando pela aplicação da lei distrital – cuja análise é insuscetível de ser feita, em sede de Recurso Especial, ante o óbice da Súmula 280⁄STF –, sem impugnar os aludidos fundamentos do acórdão recorrido, alicerçados na dicção do art. 2º do mesmo Estatuto.
VI. Assim, os fundamentos do acórdão recorrido, relativos ao termo final da pensão temporária, restaram incólumes, nas razões do Recurso Especial da autora. Portanto, é de ser aplicado o óbice da Súmula 283⁄STF, por analogia. Precedentes do STJ.
VII. Não fora isso, tendo o Tribunal de origem reconhecido que o direito da recorrente à pensão temporária decorre exclusivamente da regra contida no art. 33, § 3º, da Lei 8.069⁄90, mostra-se razoável que o termo final, para o pagamento daquela pensão, também seja extraído do art. 2º, caput, desse mesmo diploma legal. Com efeito, na forma da jurisprudência, por disciplinar a situação dos menores sob guarda, o Estatuto da Criança e do Adolescente ostenta natureza especial e define a idade de dezoito anos como limite de sua aplicação (STJ, AgRg no REsp 1.387.323⁄MG, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, DJe de 24⁄02⁄2016).
VIII. Recurso Especial do Distrito Federal desprovido. Recurso Especial da autora não conhecido.

Leia o acórdão no REsp 1.947.690.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1947690

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