Laudo pericial confirmou que segurada não apresenta condições de exercer a atividade habitual
A Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) determinou ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) restabelecer o auxílio-doença a uma auxiliar de escritório com visão subnormal. Conforme a decisão, a segurada sofreu perda significativa da visão e necessita de reabilitação funcional.
Para os magistrados, ficou comprovado que ela preenche o requisito da carência de 12 contribuições e não apresenta condições de exercer a atividade habitual de forma definitiva.
De acordo com o processo, laudo pericial realizado em janeiro de 2018 constatou que a segurada, atualmente com 29 anos, apresenta visão subnormal bilateral. Ela recebeu o auxílio-doença desde 2013, quando passou a desenvolver infecções oftalmológicas de repetição. O benefício foi cessado em 12/6/2019.
O histórico clínico e o exame físico confirmaram incapacidade parcial e permanente para o trabalho. A perícia considerou que a autora necessita de reabilitação funcional, com restrição a atividades de leitura e escrita fina.
Ao analisar o caso, a desembargadora federal Inês Virgínia, relatora do processo, seguiu entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do TRF3 no sentido de que o auxílio-doença é devido ao segurado parcialmente incapaz para o trabalho, mas suscetível de reabilitação para o exercício de outras atividades.
“A autora é jovem, com baixíssima acuidade visual, necessitando lidar com todas as dificuldades que esta perda envolve, não só no nível físico, dos sentidos, de mobilidade, mas também no psicológico”, pontuou.
O INSS encaminhou a segurada para reabilitação na Fundação Dorina Nowill, organização que visa a inclusão de pessoas cegas e com baixa visão. A autarquia destacou que o relatório do acompanhamento do serviço social da instituição apontou “desânimo e motivação” da autora.
A magistrada ressaltou, entretanto, que a segurada realizou os procedimentos propostos.
“No meu sentir, essas dificuldades são parte do processo pelo qual a parte autora está passando e que devem ser trabalhadas adequadamente para serem superadas, e não justificam a sua exclusão do programa. Apenas se configurada a recusa deliberada, poderá o INSS cessar o benefício”, explicou.
Por fim, a relatora frisou que o Estado tem adotado medidas para inserir socialmente as pessoas com deficiência, respeitando as suas condições.
“Nos casos de incapacidade parcial, a percepção do auxílio-doença pode ser a única possibilidade de, após reabilitação profissional, recolocá-lo no mercado de trabalho”, concluiu.
Acórdão
No ano de 2016, a segurada havia acionado o Judiciário, solicitando a conversão do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez.
Após a Justiça Estadual de Carapicuíba, em competência delegada, ter julgado o pedido improcedente, a autora recorreu ao TRF3.
A Sétima Turma, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação e determinou ao INSS o restabelecimento do auxílio-doença a partir de 13/06/2019, data seguinte à cessação administrativa.
O recurso ficou assim ementado:
PREVIDENCIÁRIO – CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-DOENÇA – INCAPACIDADE DEFINITIVA PARA A ATIVIDADE HABITUAL – DEMAIS REQUISITOS PREENCHIDOS – TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO – JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA – ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA – APELO PARCIALMENTE PROVIDO – SENTENÇA REFORMADA.
1. Em razão de sua regularidade formal, o recurso foi recebido, nos termos do artigo 1.011 do CPC/2015.
2. Os benefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados que, após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (art. 25, I), sejam acometidos por incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no caso de aposentadoria por invalidez (art. 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, no caso de auxílio-doença (art. 59).
3. Para a obtenção dos benefícios por incapacidade, deve o requerente comprovar o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) qualidade de segurado, (ii) cumprimento da carência, quando for o caso, e (iii) incapacidade laboral.
4. No caso dos autos, o exame realizado pelo perito oficial em 31/01/2018 constatou que a parte autora, auxiliar de escritório, idade atual de 29 anos, é portadora de baixíssima acuidade visual bilateral e está incapacitada definitivamente para o exercício de sua atividade habitual, como se vê do laudo oficial.
5. Ainda que o magistrado não esteja adstrito às conclusões do laudo pericial, conforme dispõem o artigo 436 do CPC/73 e o artigo 479 do CPC/2015, estas devem ser consideradas, por se tratar de prova técnica, elaborada por profissional da confiança do Juízo e equidistante das partes.
6. O laudo em questão foi realizado por profissional habilitado, equidistante das partes, capacitado, especializado em perícia médica, e de confiança do r. Juízo, cuja conclusão encontra-se lançada de forma objetiva e fundamentada, não havendo que falar em realização de nova perícia judicial. Atendeu, ademais, às necessidades do caso concreto, possibilitando concluir que o perito realizou minucioso exame clínico, respondendo aos quesitos formulados, e levou em consideração, para formação de seu convencimento, a documentação médica colacionada aos autos.
7. Considerando que a parte autora, conforme concluiu o perito judicial, não pode mais exercer a sua atividade habitual de forma definitiva, mas pode se dedicar a outras atividades, não é de se conceder a aposentadoria por invalidez, requerida nestes autos, sendo mais adequado, ao caso, o restabelecimento do auxílio-doença, que a parte autora já recebia, mas, em 12/06/2019, no curso do processo, foi indevidamente cessado.
8. Não tendo mais a parte autora condições de exercer a sua atividade habitual de forma definitiva, deve o INSS submetê-lo a processo de reabilitação profissional, na forma prevista no artigo 62 e parágrafo 1º da Lei nº 8.213/91.
9. E não se trata, no caso, de um mera reabilitação profissional. A parte autora é jovem, com baixíssima acuidade visual bilateral, necessitando lidar com todas as dificuldades que esta perda envolve, não só no nível físico, dos sentidos, de mobilidade, mas também no psicológico. Nesse sentido, o encaminhamento da parte autora, pelo INSS, para a renomada Fundação Dorina Nowill revela-se acertado, para o desenvolvimento de sua autonomia nas atividades da vida diária, o que é necessário para a sua inclusão no programa de reabilitação profissional, propriamente dito. Por outro lado, não há prova, nos autos, de que a parte autora se recusou a participar do processo. O relatório de acompanhamento do Serviço Social da Fundação descreve o desânimo e a desmotivação da parte autora em participar do programa, mas, em nenhum momento, afirma que ela se recusou a participar das atividades. Tais dificuldades são parte do processo pelo qual a parte autora está passando e que devem ser trabalhadas adequadamente para serem superadas, e não justificam a sua exclusão do programa de reabilitação profissional. Ainda que ela se recuse a participar, cumpre ao INSS, antes de excluí-la do programa e cessar o benefício, cientificá-la das consequências da recusa ou não adesão, dando oportunidade para ela justificar eventuais ausências ou dificuldades em participar do programa. Apenas se configurada a recusa deliberada, poderá o INSS cessar o benefício. No entanto, caso se constate, através de perícia médico-administrativa, que a parte autora ainda não está em condições de iniciar este processo, deverá o INSS mantê-la afastada, para tratamento psiquiátrico e/ou psicológico, conforme orientação dos peritos.
10. O Estado vem adotando várias medidas no sentido de inserir socialmente as pessoas com deficiência, estimulando o estudo e a sua inclusão no mercado de trabalho, sempre respeitando as suas condições. E não se coaduna com tais medidas, àquele que se insere no mercado de trabalho, negar a proteção previdenciária quando é acometido por uma deficiência, até porque, nos casos de incapacidade parcial, como nos autos, a percepção do auxílio-doença pode ser a única possibilidade de, após reabilitação profissional, recolocá-lo no mercado de trabalho.
11. Comprovado, nos autos, que a parte autora é segurada da Previdência Social e cumpriu a carência de 12 (doze) contribuições, exigida pelo artigo 25, inciso I, da Lei nº 8.213/91.
12. O termo inicial do benefício, em regra, deveria ser fixado à data do requerimento administrativo ou, na sua ausência, à data da citação (Súmula nº 576/STJ) ou, ainda, na hipótese de auxílio-doença cessado indevidamente, no dia seguinte ao da cessação indevida do benefício.
13. No caso, o termo inicial do benefício é fixado no dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença.
14. Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, (i) à exceção da correção monetária a partir de julho de 2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial – IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, e confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos de declaração opostos pelo INSS, e, (ii) a partir da promulgação da Emenda Constitucional nº 113, de 08/12/2021, será aplicada a taxa SELIC, “para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, uma única vez, até o efetivo pagamento, acumulado mensalmente”.
15. Se a sentença determinou a aplicação de critérios de juros de mora e correção monetária diversos, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem observados, pode esta Corte alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento pacificado nos Tribunais Superiores.
16. Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111/STJ).
17. A Autarquia Previdenciária está isenta das custas processuais, tanto no âmbito da Justiça Federal (Lei nº 9.289/96, art. 4º, I) como da Justiça do Estado de São Paulo (Leis Estaduais nºs 4.952/85 e 11.608/2003), mas (i) não do reembolso das custas recolhidas pela parte autora (artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 9.289/96), inexistentes, no caso, tendo em conta a gratuidade processual que foi concedida à parte autora, (ii) nem do pagamento de honorários periciais ou do seu reembolso, caso o pagamento já tenha sido antecipado pela Justiça Federal, devendo retornar ao erário (Resolução CJF nº 305/2014, art. 32).
18. Apelo parcialmente provido. Sentença reformada.
Apelação Cível 5068549-93.2021.4.03.9999