A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) que determinou à Unimed Dourados o restabelecimento do contrato de plano de saúde de um casal, cancelado em novembro de 2020, durante a pandemia da Covid-19, por suposta falta de pagamento superior a 60 dias.
De acordo com os autos, o casal mantinha o plano desde 1986, mas, por problemas financeiros enfrentados pela família, e agravados durante a pandemia, atrasou o pagamento das parcelas, resultando na rescisão do contrato por parte da operadora, embora tivesse quitado a dívida com juros e correção monetária no mês anterior.
Conforme a Terceira Turma, a boa-fé objetiva exige que as operadoras de plano de saúde atuem para preservar o vínculo contratual, dada a natureza dos serviços prestados e a posição de dependência dos beneficiários. Assim, embora não se possa exigir que a operadora preste o serviço sem a devida contraprestação, a rescisão do contrato por inadimplemento, autorizada pelo artigo 13, inciso II, da Lei 9.656/1998, deve ser considerada a última medida, quando falhar a negociação da dívida ou a eventual suspensão do serviço.
A relatora do recurso da operadora, ministra Nancy Andrighi, afirmou que a rescisão do contrato naquelas circunstâncias, durante a pandemia, representou uma ofensa à boa-fé objetiva.
Impacto da pandemia não pode ser desprezado pelos contratantes
No recurso, a Unimed alegou que os problemas financeiros do casal eram anteriores à crise sanitária, pois os pagamentos vinham atrasando desde 2005. Afirmou, também, ter feito a notificação prévia (requisito imprescindível para que haja a rescisão do contrato por inadimplemento) e lembrou que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) não proibiu a rescisão por falta de pagamento durante a pandemia.
Segundo a relatora, porém, a conduta da operadora ao cancelar o contrato quando as parcelas, embora com atraso, estavam todas pagas à época da rescisão, afrontou os deveres de cooperação e de solidariedade. Além disso – acrescentou a ministra –, tal atitude revelou comportamento contraditório da operadora, que, depois de aceitar os pagamentos com atraso durante anos, rescindiu o contrato em 2020, em meio à crise sanitária da Covid-19.
Para Nancy Andrighi, “a pandemia não constitui, por si só, justificativa para o inadimplemento dos contratos assumidos, mas é circunstância que, por seu grave impacto na situação socioeconômica mundial, não pode ser desprezada pelos contratantes, tampouco pelo Poder Judiciário”.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE. RESCISÃO POR INADIMPLEMENTO DURANTE A PANDEMIA APÓS O PAGAMENTO DE TODAS AS PARCELAS DEVIDAS COM CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. OFENSA À BOA-FÉ OBJETIVA. COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO DA OPERADORA.1. Ação de obrigação de fazer ajuizada em 18⁄01⁄2021, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 07⁄04⁄2022 e concluso ao gabinete em 24⁄05⁄2022.2. O propósito recursal é decidir sobre a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional e sobre a abusividade da rescisão do contrato de plano de saúde pela operadora durante a pandemia de Covid-19, após o pagamento de todas as parcelas devidas com correção monetária e juros de mora.3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há falar em negativa de prestação jurisdicional.4. A boa-fé objetiva impõe à operadora o dever de agir visando à preservação do vínculo contratual, dada a natureza dos contratos de plano de saúde e a posição de dependência dos beneficiários, especialmente dos idosos.5. A situação de pandemia não constitui, por si só, justificativa para o não-pagamento, mas é circunstância que, por seu grave impacto na situação socioeconômica mundial, não pode ser desprezada pelos contratantes, tampouco pelo Poder Judiciário.6. Hipótese em que se revela contraditório o comportamento da operadora de rescindir o contrato de plano de saúde em 2020, em meio à crise sanitária provocada pela pandemia do Covid-19, depois de receber pagamentos com atraso desde ao menos 2005 e de todas as mensalidades vencidas terem sido pagas com correção monetária e juros de mora.7. Recurso especial conhecido e desprovido, com majoração de honorários.
Leia o acórdão no REsp 2.001.686.